A primavera que havia despontado
prematuramente na Tunísia, em dezembro de 2011, quando chegou à Síria ainda era inverno.
Bashar al-Assad responde inicialmente com violência policial nas manifestações, mas
vendo que o conflito se tornou mais intenso, e que seus oponentes começaram a
dominar cidades, ordenou bombardeamentos aéreos e ataques de mísseis a todas as
cidades sob controlo rebelde, além de enviar tropas para combater. E o país
fica imerso numa cruel e brutal guerra civil. E então há um êxodo em várias
direções, do qual apenas retemos as imagens dos naufrágios no Mediterrâneo, por
serem indescritivelmente chocantes.
Um repórter, que acompanhou pessoalmente uma missão de salvamento, conta:
“Quando se para ao lado de um navio destes, não se está preparado para o
choque. Já vi centenas de fotos de barcos. Testemunhei mesmo um salvamento de
menor dimensão. Mas um barco com seiscentas pessoas amontoadas até à última
prancha do convés, e até ao último espaço possível do porão, é uma cena que nos
arrasa. Um mar de vidas apenas a alguns momentos da morte. O barco balançava,
bastaria uma pequena mudança do tempo para certamente se produzir uma
catástrofe. Ainda retenho na memória as imagens do desembarque, mais bíblicas
do que homéricas, apesar de estarmos na Grécia. A partir do momento em que põem
o pé em terra, são vistos apenas como uma estatística. E toda a gente usa
novamente uma máscara. E, todavia, a história não acaba aqui.”
Das muitas
entrevistas que os jornalistas fizeram, os relatos dos sobreviventes dos
naufrágios são absolutamente arrepiantes. Conta um sobrevivente: “O único poder
de que uma pessoa dispõe é o de manter-se calma. Num barco assim tão carregado,
os movimentos bruscos podem virá-lo. As pessoas não podem mexer-se, pelo que
aquelas que ficam no meio do barco simplesmente defecam e mijam em cima dos
outros. E então o cheiro torna-se insuportável. Na borda do barco houve dois
homens que se desequilibraram e caíram ao mar. Escusado será dizer que se
afogaram. Houve outro que perdeu o controlo, pela sede ou pelo pânico. Antes
que a situação se complicasse mais, dois rapazes que estavam junto dele
atiraram-no pela borda fora.”
Para entrar em
países Schengen, para chegar ao norte da Europa, a maior parte desta gente
atravessa a pé a Macedónia e a Sérvia. Então, chegados à Sérvia, seria lógico
entrarem na Hungria, país que fica do outro lado da fronteira. Mas a Hungria
colocou uma barreira ao longo dos 180 quilómetros que a separa da Sérvia.
Na verdade, não é
na Hungria que os imigrantes querem ficar. Mas o argumento das autoridades
húngaras vai no sentido de achar que é seu dever impedir que um número tão
elevado de estrangeiros entre nos outros países da União Europeia.
Seja como for, há
quem veja nesta atitude hipócrita de Viktor Orbán razões de ordem interna, com
o objetivo de ficar bem visto pelo eleitorado e evitar que se desloque ainda
mais para a direita, neutralizando o partido que se lhe pode opor com maior
eficácia, com o argumento de que os imigrantes não apenas vêm tirar os empregos
aos húngaras, como pôr em perigo as próprias bases da Europa cristã.
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