domingo, 25 de novembro de 2018

O êxodo trágico de uma primavera perdida (1)


          A primavera que havia despontado prematuramente na Tunísia, em dezembro de 2011, quando chegou à Síria ainda era inverno. Bashar al-Assad responde inicialmente com violência policial nas manifestações, mas vendo que o conflito se tornou mais intenso, e que seus oponentes começaram a dominar cidades, ordenou bombardeamentos aéreos e ataques de mísseis a todas as cidades sob controlo rebelde, além de enviar tropas para combater. E o país fica imerso numa cruel e brutal guerra civil. E então há um êxodo em várias direções, do qual apenas retemos as imagens dos naufrágios no Mediterrâneo, por serem indescritivelmente chocantes.
          Um repórter, que acompanhou pessoalmente uma missão de salvamento, conta: “Quando se para ao lado de um navio destes, não se está preparado para o choque. Já vi centenas de fotos de barcos. Testemunhei mesmo um salvamento de menor dimensão. Mas um barco com seiscentas pessoas amontoadas até à última prancha do convés, e até ao último espaço possível do porão, é uma cena que nos arrasa. Um mar de vidas apenas a alguns momentos da morte. O barco balançava, bastaria uma pequena mudança do tempo para certamente se produzir uma catástrofe. Ainda retenho na memória as imagens do desembarque, mais bíblicas do que homéricas, apesar de estarmos na Grécia. A partir do momento em que põem o pé em terra, são vistos apenas como uma estatística. E toda a gente usa novamente uma máscara. E, todavia, a história não acaba aqui.”
          Das muitas entrevistas que os jornalistas fizeram, os relatos dos sobreviventes dos naufrágios são absolutamente arrepiantes. Conta um sobrevivente: “O único poder de que uma pessoa dispõe é o de manter-se calma. Num barco assim tão carregado, os movimentos bruscos podem virá-lo. As pessoas não podem mexer-se, pelo que aquelas que ficam no meio do barco simplesmente defecam e mijam em cima dos outros. E então o cheiro torna-se insuportável. Na borda do barco houve dois homens que se desequilibraram e caíram ao mar. Escusado será dizer que se afogaram. Houve outro que perdeu o controlo, pela sede ou pelo pânico. Antes que a situação se complicasse mais, dois rapazes que estavam junto dele atiraram-no pela borda fora.”
          Para entrar em países Schengen, para chegar ao norte da Europa, a maior parte desta gente atravessa a pé a Macedónia e a Sérvia. Então, chegados à Sérvia, seria lógico entrarem na Hungria, país que fica do outro lado da fronteira. Mas a Hungria colocou uma barreira ao longo dos 180 quilómetros que a separa da Sérvia.
          Na verdade, não é na Hungria que os imigrantes querem ficar. Mas o argumento das autoridades húngaras vai no sentido de achar que é seu dever impedir que um número tão elevado de estrangeiros entre nos outros países da União Europeia.
          Seja como for, há quem veja nesta atitude hipócrita de Viktor Orbán razões de ordem interna, com o objetivo de ficar bem visto pelo eleitorado e evitar que se desloque ainda mais para a direita, neutralizando o partido que se lhe pode opor com maior eficácia, com o argumento de que os imigrantes não apenas vêm tirar os empregos aos húngaras, como pôr em perigo as próprias bases da Europa cristã.

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