terça-feira, 14 de maio de 2019

Cientistas, filósofos e teólogos: diálogo ou disputa entre trincheiras?


Nem cientistas, ainda que Prémios Nobel no seu campo, nem teólogos se devem arrogar a superioridades intelectuais para estancarem qualquer tipo de diálogo. Todos temos a ganhar com o intercâmbio de ideias entre diferentes maneiras de ver o mundo. No caminho que foi feito na Europa em direção à secularização, há uma história lamentável na luta pelo prestígio e pelo poder que se tem travado sobretudo entre os campos científico e teológico. Quem o diz, é Jürgen Habermas na sua “Razão Comunicativa”.

Em primeiro lugar, teologia não é a mesma coisa que filosofia da religião, nem ciência das religiões. A teologia é o estudo sistemático do conjunto de crenças, tanto reveladas como racionalizadas, de uma religião específica, com o objetivo de dar forma e coerência a uma determinada doutrina. Embora teologia não seja exatamente o mesmo que apologética religiosa, isto é, que defenda a crenças numa dada religião, está muito próxima dela. Ora, de acordo com o que acabámos de dizer, há duas razões que impedem a teologia de se identificar com a filosofia da religião. A primeira é que a filosofia da religião não é uma apologética religiosa. O género de estudo que se faz em filosofia da religião é independente de qualquer religião particular. A segunda é que a filosofia da religião não faz qualquer apelo à revelação.

A filosofia da religião também não se confunde com a psicologia da religião. Podemos dizer que, em geral, a psicologia é o estudo dos processos mentais e dos comportamentos humanos. Por conseguinte, a psicologia da religião é o estudo dos processos mentais e dos comportamentos associados com a religião. Em psicologia da religião estuda-se, por exemplo, os fenómenos da conversão ou da experiência mística, com o objetivo de formular teorias que expliquem os processos mentais a eles ligados. Num sentido diferente, a psicologia da religião também pode ser entendida como a busca das causas psicológicas das crenças religiosas. Um dos primeiros a fazer psicologia da religião neste sentido da palavra foi David Hume, no século XVIII, com a obra História Natural da Religião. A filosofia da religião também não é sociologia da religião. A sociologia é uma ciência que estuda as sociedades humanas, as suas instituições, comunidades, populações, grupos, etc., e procura determinar como interagem e evoluem. Assim, a sociologia da religião estuda as instituições e comunidades religiosas e procura compreender a sua distribuição e influência nos diferentes sectores da sociedade. Por muito interessante e importante que este estudo possa ser, é muito diferente do estudo efetuado em filosofia da religião.

Quando Derrida descreveu a différance como sendo, em si, nem uma palavra nem um conceito, mas a condição de possibilidade quase transcendente das palavras e dos conceitos, isso pareceu-se bastante com o deus absconditus da teologia negativa. Derrida fazia questão de dizer de si mesmo que era “justamente considerado um ateu”, porque em bom rigor não tinha maneira de saber se o era realmente. Daí que muitos dos seus pares na Academia achassem que Derrida era um teólogo negativo. Para Derrida, sendo um filósofo de esquerda conotado com o pós-modernismo pós década de 60 do século XX, Deus não é um ser lá em cima, nem algo fora da mente humana. A transcendência metafísica está para lá da linguagem de um sujeito humano autónomo. O cristianismo é apenas uma história construída com imagens no próprio chão do nosso ser, que agora, nesta era pós-moderna, precisa de ser desconstruída pela filosofia.


Mark C. Taylor em: “Erring: An A/theology, 1984” – o livro que foi para muitos leitores a primeira inserção da obra de Derrida na teologia, descreve a desconstrução como a “hermenêutica da morte de Deus”, querendo dizer não a a dialética modernista preto-ou-branco, mas a indecidibilidade matizada do “a/teológico”, na qual se atrapalha a distinção clara entre o teísta e o ateísta. Tomado em termos estritamente filosóficos, o pós-modernismo é uma tentativa persistente de deslocar uma oposição categorial fixa entre teísmo e ateísmo. Os pós-modernistas identificam as maneiras como estes opostos dependem de uma estrutura comum.


Slavoj Zizek, um filósofo marxista/lacaniano, queixa-se que o pós-modernismo é um tipo de permissividade no qual tudo é possível, inclusivamente o regresso da religião sob a designação de políticas da identidade, correção política – não apenas a religião fundamentalista e a religião Nova Era, mas até a religião sem religião.

Temos várias vozes dentro da cabeça de um eu que diz eu acredito; ou eu não acredito. Há um inconsciente que fala, de modo que nunca alcançamos esse tipo de identidade própria de um si transparente. Nunca sabemos até que ponto a nossa crença ou descrença é uma forma disfarçada do seu oposto ou de uma terceira coisa. Não temos maneira de monitorizar a verdadeira distância entre um ateu que afirma a justiça por vir e um crente religioso que afirma o advento de uma era messiânica. As palavras teísmo e ateísmo são demasiado simplistas para descrever o que se passa. 

Para a teologia, a oportunidade autêntica não reside num aproveitamento apologético que tenta fazer com que os conteúdos científicos, enquanto tais, tenham uma tradução religiosa. O que deve fazer é a sua interpretação, ou seja, o seu trabalho hermenêutico no que respeita às suas implicações filosóficas na inteleção do Mistério. A chave para a compreensão última da realidade. Trata-se, pois, de uma interpretação que se apoia na convicção e na descoberta de uma presença não visível, mas implicada no que se vê. Nunca é demais recordar que a religião não é algo caído do nada, pois resulta de um processo que é inerente à condição humana, e como tal suscetível de tocar qualquer um. Não, claro está, no sentido de que tenha de convencer a todos, mas na revelação do seu modo de interpretação.

Por seu lado a ciência está no seu direito de exigir provas, e que nada aceita sem a correspondente verificação ou falsificação, salvo as devidas distâncias para tudo aquilo que por definição transcende o físico e o empírico. Aliás a ciência está hoje em boa posição para pensar assim, pois tem boa experiência dos seus limites intrinsecamente marcados pelas advertências feitas pelos métodos da Fenomenologia Husserliana.

Uma crença muito difundida é a que identifica a filosofia da religião com a fenomenologia da religião. A fenomenologia da religião é a tentativa, por um lado, de descrever os fenómenos religiosos de modo a revelar as crenças e atitudes dos crentes e, por outro, de classificar as atividades, as crenças e as instituições religiosas. Inclui-se neste estudo a compreensão das categorias de sagrado e profano, assim como as relações dos crentes com os objetos que se incluem nestas categorias. Uma vez mais, este é certamente um estudo muito interessante, mas também não é filosofia da religião. A filosofia da religião é apenas a busca da justificação racional das nossas crenças religiosas.

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