Nem cientistas, ainda
que Prémios Nobel no seu campo, nem teólogos se devem arrogar a superioridades
intelectuais para estancarem qualquer tipo de diálogo. Todos temos a ganhar com
o intercâmbio de ideias entre diferentes maneiras de ver o mundo. No caminho
que foi feito na Europa em direção à secularização, há uma história lamentável na
luta pelo prestígio e pelo poder que se tem travado sobretudo entre os campos
científico e teológico. Quem o diz, é Jürgen Habermas na sua “Razão
Comunicativa”.
Em primeiro lugar, teologia não é a mesma coisa que filosofia
da religião, nem ciência das religiões. A teologia é o estudo sistemático do
conjunto de crenças, tanto reveladas como racionalizadas, de uma religião
específica, com o objetivo de dar forma e coerência a uma determinada doutrina.
Embora teologia não seja exatamente o mesmo que apologética religiosa, isto é,
que defenda a crenças numa dada religião, está muito próxima dela. Ora, de
acordo com o que acabámos de dizer, há duas razões que impedem a teologia de se
identificar com a filosofia da religião. A primeira é que a filosofia da
religião não é uma apologética religiosa. O género de estudo que se faz em
filosofia da religião é independente de qualquer religião particular. A segunda
é que a filosofia da religião não faz qualquer apelo à revelação.
A filosofia da religião também não se confunde com a
psicologia da religião. Podemos dizer que, em geral, a psicologia é o estudo
dos processos mentais e dos comportamentos humanos. Por conseguinte, a
psicologia da religião é o estudo dos processos mentais e dos comportamentos
associados com a religião. Em psicologia da religião estuda-se, por exemplo, os
fenómenos da conversão ou da experiência mística, com o objetivo de formular
teorias que expliquem os processos mentais a eles ligados. Num sentido
diferente, a psicologia da religião também pode ser entendida como a busca das
causas psicológicas das crenças religiosas. Um dos primeiros a fazer psicologia
da religião neste sentido da palavra foi David Hume, no século XVIII, com a
obra História Natural da Religião. A filosofia da religião também
não é sociologia da religião. A sociologia é uma ciência que estuda as
sociedades humanas, as suas instituições, comunidades, populações, grupos,
etc., e procura determinar como interagem e evoluem. Assim, a sociologia da
religião estuda as instituições e comunidades religiosas e procura compreender
a sua distribuição e influência nos diferentes sectores da sociedade. Por muito
interessante e importante que este estudo possa ser, é muito diferente do
estudo efetuado em filosofia da religião.
Quando Derrida descreveu a différance
como sendo, em si, nem uma palavra nem um conceito, mas a condição de
possibilidade quase transcendente das palavras e dos conceitos, isso pareceu-se
bastante com o deus absconditus da
teologia negativa. Derrida fazia questão de dizer de si mesmo que era “justamente
considerado um ateu”, porque em bom rigor não tinha maneira de saber se o era
realmente. Daí que muitos dos seus pares na Academia achassem que Derrida era
um teólogo negativo. Para Derrida,
sendo um filósofo de esquerda conotado com o pós-modernismo pós década de 60 do século XX, Deus não é um ser lá
em cima, nem algo fora da mente humana. A transcendência
metafísica está para lá da linguagem de um sujeito humano autónomo. O
cristianismo é apenas uma história construída com imagens no próprio chão do
nosso ser, que agora, nesta era pós-moderna, precisa de ser desconstruída pela
filosofia.
Mark C. Taylor em: “Erring: An A/theology, 1984” – o livro que foi para
muitos leitores a primeira inserção da obra de Derrida na teologia, descreve a
desconstrução como a “hermenêutica da morte de Deus”, querendo dizer não a a
dialética modernista preto-ou-branco, mas a indecidibilidade matizada do
“a/teológico”, na qual se atrapalha a distinção clara entre o teísta e o
ateísta. Tomado em termos estritamente filosóficos, o pós-modernismo é uma
tentativa persistente de deslocar uma oposição categorial fixa entre teísmo e
ateísmo. Os pós-modernistas identificam as maneiras como estes opostos dependem
de uma estrutura comum.
Slavoj Zizek, um filósofo marxista/lacaniano, queixa-se que o
pós-modernismo é um tipo de permissividade no qual tudo é possível,
inclusivamente o regresso da religião sob a designação de políticas da
identidade, correção política – não apenas a religião fundamentalista e a
religião Nova Era, mas até a religião sem religião.
Temos várias vozes dentro da cabeça de um eu que diz eu acredito; ou eu não acredito. Há um inconsciente que
fala, de modo que nunca alcançamos esse tipo de identidade própria de um si transparente. Nunca sabemos até que
ponto a nossa crença ou descrença é uma forma disfarçada do seu oposto ou de
uma terceira coisa. Não temos maneira de monitorizar a verdadeira distância
entre um ateu que afirma a justiça por
vir e um crente religioso que afirma o advento de uma era messiânica. As
palavras teísmo e ateísmo são demasiado simplistas para
descrever o que se passa.
Para a teologia, a oportunidade autêntica não reside
num aproveitamento apologético que tenta fazer com que os conteúdos
científicos, enquanto tais, tenham uma tradução religiosa. O que deve fazer é a
sua interpretação, ou seja, o seu trabalho hermenêutico no que respeita às suas
implicações filosóficas na inteleção do Mistério. A chave para a compreensão
última da realidade. Trata-se, pois, de uma interpretação que se apoia na
convicção e na descoberta de uma presença
não visível, mas implicada no que se vê. Nunca é demais recordar que a religião
não é algo caído do nada, pois resulta de um processo que é inerente à condição
humana, e como tal suscetível de tocar qualquer um. Não, claro está, no sentido
de que tenha de convencer a todos, mas na revelação do seu modo de
interpretação.
Por seu lado a
ciência está no seu direito de exigir provas, e que nada aceita sem a correspondente
verificação ou falsificação, salvo as devidas distâncias para tudo aquilo que
por definição transcende o físico e o empírico. Aliás a ciência está hoje em
boa posição para pensar assim, pois tem boa experiência dos seus limites
intrinsecamente marcados pelas advertências feitas pelos métodos da
Fenomenologia Husserliana.
Uma crença muito difundida é a que identifica a
filosofia da religião com a fenomenologia da religião. A fenomenologia da
religião é a tentativa, por um lado, de descrever os fenómenos religiosos de
modo a revelar as crenças e atitudes dos crentes e, por outro, de classificar
as atividades, as crenças e as instituições religiosas. Inclui-se neste estudo
a compreensão das categorias de sagrado e profano, assim como as relações dos
crentes com os objetos que se incluem nestas categorias. Uma vez mais, este é
certamente um estudo muito interessante, mas também não é filosofia da
religião. A filosofia da religião é apenas a busca da justificação racional das
nossas crenças religiosas.
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