sexta-feira, 24 de maio de 2019

Identidades e nacionalismos na Europa


Na Europa o nacionalismo sobrevive como reflexo do arcaísmo político, conotado com a direita. Em África, ou na Ásia, a referência “nacionalista” muda de sinal e consagra os grandes heróis de emancipação colonial. Depois da Segunda Guerra Mundial o bloco soviético fechou-se na cortina de ferro que só viria a abrir-se em 1989 com a queda do muro de Berlim. Suprimiu todas as veleidades que tivessem a ver com a expressão nacionalista e subsumiu-a no internacionalismo comunista.

A invenção da nação como forma política original e mesmo vital para o homem moderno é um fantasma sempre presente no nosso horizonte. Nas próximas eleições para o Parlamento Europeu, que se realizarão no dia 26 de maio de 2019, vislumbra-se que possa acontecer uma subida significativa de deputados pertencentes a partidos da extrema direita e franjas da extrema esquerda que na prática se têm batido pelo fim da União Europeia. Ora, a EU é um espaço comunitário que congregou os esforços das pessoas mais bem formadas politicamente para que, entre outros objetivos, o reflexo nacionalista se tornasse cada vez mais improvável.

Há razões que podem explicar o fenómeno do populismo, mas o fenómeno do nacionalismo propriamente dito aparece como uma espécie de efeito secundário ou colateral ao medo que uma certa camada populacional europeia, considerada mais pobre, apresenta ao crescente aumento de migrantes vindos sobretudo do Médio Oriente. São problemas, por conseguinte, que não radicam diretamente do seio da própria EU, mas da sua fronteira.

É claro que os europeus tinham sido despertados para o fenómeno do nacionalismo com a guerra dos Balcãs no início dos anos 1990. Mas depois de ter passado meses com os olhos postos em Dubrovnik e Sarajevo, admitiram que era uma anomalia para a qual não tinham meios para o resolver. E então desistiram, não querendo olhar mais. Era um absurdo que na cena europeia se estivessem a verificar genocídios e outras atrocidades em nome do ideal de nação, para não ir mais longe com a palavra etnicidade. Muitos europeus pensaram que o caso da Jugoslávia teria pouco a ver com o ressurgimento nacionalista na Europa, cujo exemplo mais visível era o da Frente Popular em França da família Le Pen, agora com Marine Le Pen à frente do partido Rassemblement Nationel a liderar as intenções de voto para o Parlamento Europeu com 22%, embora pouco à frente do partido REM do presidente Emmanuel Macron.

O nacionalismo, qualquer que seja a sua versão, é sempre de estrutura ideológica, a máscara de outra coisa, para tapar sobretudo medos e carências. É possível que o caso da França tenha sido inflacionado após a reunificação alemã. Caso bem diferente é o que se passa no Reino Unido com o brexit. A postura eurocética ou mesmo antieuropeia da Inglaterra é uma idiossincrasia muito sui generis desde o primeiro momento da sua entrada. A França, com a posição que a extrema direita assume no momento, hesita, deprime-se, porque sente que já perdeu aquele fulgor intelectual e cultural que marcou o segundo e terceiro quartel do século XX na Europa. A França tentou cavalgar o seu nacionalismo cultural como marca da identidade cultural europeia. Mas a Europa não é uma nação.

A essência indigente da Europa, uma espécie de interminável guerra civil, é por assim dizer a principal causa do estado a que chegou a Europa, insignificante no xadrez da geopolítica. Paradoxalmente, de continente predador e imperial, mercantil e revolucionário na ciência, passou agora para o tal estado de indigência. E mais uma vez paradoxalmente, em termos de darwinismo político e cultural, esse dinamismo, sem paralelo na história humana conhecida, deveu-se precisamente às guerras civis internas de europeus contra europeus. Agora, roubando palavras a Eduardo Lourenço, encontramos uma Europa à procura de si mesma no seu próprio labirinto.

Continuando na senda de Eduardo Lourenço, e agora mais focado no perfil identitário da Europa, encontramos, pelo menos, duas grandes perspetivas em relação ao perfil identitário da Europa: a perspetiva do Norte; e a perspetiva do Sul.

A Europa do Sul é uma Europa com traços marcados de uma herança que remonta à Grécia Antiga e ao Império Romano. A Europa do Norte é uma Europa do “choque”. Choque esse que resultou da chamada invasão pacífica dos “bárbaros”. A verdadeira Europa é a que bebeu das águas mediterrânicas a matriz do pensamento grego e leis romanas, e da sabedoria judaico-cristã. A outra Europa é a Europa da ordem política, jurídica e administrativa assente na matriz do imperativo categórico, da ética do dever patrocinado pela graça divina. Esta Europa, a bem dizer, é filha dos bárbaros na sua intrínseca diversidade e turbulência.

Assim, temos um Híbrido contruído como Europa: de um lado os bárbaros cristianizados e o seu choque com Roma; e do outro lado uns nostálgicos reciclados da herança mais ou menos mítica de uma Grécia e de uma Roma que desapareceram ao fim de muitos séculos de esplendor e domínio.
Mas a resposta que se nos impôs, ou melhor, que de mútuo acordo nos comprometemos criar, varrendo do mundo o tempo das nossas mais profundas inquietações escatológicas, foi a utopia de uma Europa-nação, com um estatuto de autonomia política digna de milagre, na medida em que eram esquecidas para todo o sempre as nações de um outro Tempo, certamente hegemónicas mas também egoístas.

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