Na Europa o
nacionalismo sobrevive como reflexo do arcaísmo político, conotado com a
direita. Em África, ou na Ásia, a referência “nacionalista” muda de sinal e
consagra os grandes heróis de emancipação colonial. Depois da Segunda Guerra
Mundial o bloco soviético fechou-se na cortina de ferro que só viria a abrir-se
em 1989 com a queda do muro de Berlim. Suprimiu todas as veleidades que
tivessem a ver com a expressão nacionalista e subsumiu-a no internacionalismo
comunista.
A invenção da
nação como forma política original e mesmo vital para o homem moderno é um
fantasma sempre presente no nosso horizonte. Nas próximas eleições para o
Parlamento Europeu, que se realizarão no dia 26 de maio de 2019, vislumbra-se
que possa acontecer uma subida significativa de deputados pertencentes a
partidos da extrema direita e franjas da extrema esquerda que na prática se têm
batido pelo fim da União Europeia. Ora, a EU é um espaço comunitário que
congregou os esforços das pessoas mais bem formadas politicamente para que,
entre outros objetivos, o reflexo nacionalista se tornasse cada vez mais
improvável.
Há razões que podem
explicar o fenómeno do populismo, mas o fenómeno do nacionalismo propriamente
dito aparece como uma espécie de efeito secundário ou colateral ao medo que uma
certa camada populacional europeia, considerada mais pobre, apresenta ao crescente
aumento de migrantes vindos sobretudo do Médio Oriente. São problemas, por
conseguinte, que não radicam diretamente do seio da própria EU, mas da sua
fronteira.
É claro que os
europeus tinham sido despertados para o fenómeno do nacionalismo com a guerra
dos Balcãs no início dos anos 1990. Mas depois de ter passado meses com os
olhos postos em Dubrovnik e Sarajevo, admitiram que era uma anomalia para a
qual não tinham meios para o resolver. E então desistiram, não querendo olhar
mais. Era um absurdo que na cena europeia se estivessem a verificar genocídios
e outras atrocidades em nome do ideal de nação, para não ir mais longe com a
palavra etnicidade. Muitos europeus pensaram que o caso da Jugoslávia teria
pouco a ver com o ressurgimento nacionalista na Europa, cujo exemplo mais
visível era o da Frente Popular em França da família Le Pen, agora com Marine
Le Pen à frente do partido Rassemblement
Nationel a liderar as intenções de voto para o Parlamento Europeu com 22%,
embora pouco à frente do partido REM do presidente Emmanuel Macron.
O nacionalismo,
qualquer que seja a sua versão, é sempre de estrutura ideológica, a máscara de
outra coisa, para tapar sobretudo medos e carências. É possível que o caso da
França tenha sido inflacionado após a reunificação alemã. Caso bem diferente é
o que se passa no Reino Unido com o brexit.
A postura eurocética ou mesmo antieuropeia da Inglaterra é uma idiossincrasia
muito sui generis desde o primeiro
momento da sua entrada. A França, com a posição que a extrema direita assume no
momento, hesita, deprime-se, porque sente que já perdeu aquele fulgor
intelectual e cultural que marcou o segundo e terceiro quartel do século XX na
Europa. A França tentou cavalgar o seu nacionalismo cultural como marca da
identidade cultural europeia. Mas a Europa não é uma nação.
A essência
indigente da Europa, uma espécie de interminável guerra civil, é por assim
dizer a principal causa do estado a que chegou a Europa, insignificante no xadrez
da geopolítica. Paradoxalmente, de continente predador e imperial, mercantil e
revolucionário na ciência, passou agora para o tal estado de indigência. E mais
uma vez paradoxalmente, em termos de darwinismo político e cultural, esse
dinamismo, sem paralelo na história humana conhecida, deveu-se precisamente às
guerras civis internas de europeus contra europeus. Agora, roubando palavras a
Eduardo Lourenço, encontramos uma Europa à procura de si mesma no seu próprio
labirinto.
Continuando na
senda de Eduardo Lourenço, e agora mais focado no perfil identitário da Europa,
encontramos, pelo menos, duas grandes perspetivas em relação ao perfil
identitário da Europa: a perspetiva do Norte; e a perspetiva do Sul.
A Europa do Sul é
uma Europa com traços marcados de uma herança que remonta à Grécia Antiga e ao
Império Romano. A Europa do Norte é uma Europa do “choque”. Choque esse que
resultou da chamada invasão pacífica dos “bárbaros”. A verdadeira Europa é a
que bebeu das águas mediterrânicas a matriz do pensamento grego e leis romanas,
e da sabedoria judaico-cristã. A outra Europa é a Europa da ordem política,
jurídica e administrativa assente na matriz do imperativo categórico, da ética
do dever patrocinado pela graça divina. Esta Europa, a bem dizer, é filha dos
bárbaros na sua intrínseca diversidade e turbulência.
Assim, temos um
Híbrido contruído como Europa: de um lado os bárbaros cristianizados e o seu
choque com Roma; e do outro lado uns nostálgicos reciclados da herança mais ou
menos mítica de uma Grécia e de uma Roma que desapareceram ao fim de muitos
séculos de esplendor e domínio.
Mas a resposta que
se nos impôs, ou melhor, que de mútuo acordo nos comprometemos criar, varrendo
do mundo o tempo das nossas mais profundas inquietações escatológicas, foi a
utopia de uma Europa-nação, com um
estatuto de autonomia política digna de milagre,
na medida em que eram esquecidas para todo o sempre as nações de um outro Tempo,
certamente hegemónicas mas também egoístas.
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