O Semanário
Expresso desta última semana apresenta um estudo em que nos últimos 15 anos
foram admitidos 853 grupos religiosos pelo Instituto de Registos Notariais, 97
nos últimos cinco anos. E ao mesmo tempo que ainda vemos peregrinos a
deslocarem-se no 13 de maio a Fátima, as pessoas sem religião continuam a
aumentar. A diversificação religiosa está a fazer o seu caminho em Portugal,
embora 90% sejam Igrejas Evangélicas.
A religião ainda
hoje toma conta das respostas para aquelas perguntas que vão resistindo à nossa
capacidade de as desmentir pela evidência científica. Lacunas que constituem
para alguns crentes uma espécie de seguro de vida, no momento em que, apesar de
a religião católica não estar a gozar de muita boa saúde. Se alguém rezar
pedindo a Deus para que uma doença sua ou de um familiar próximo cure, e por
fim isso não acontecer, algumas pessoas até podem perder a sua fé por falta de
credibilidade das suas rezas. Mas o que é mais frequente acontecer é arranjar
explicações para o falhanço ser humano, talvez quem rezou, ou a pessoa doente,
tenha feito algo terrivelmente errado. O que é notícia é o milagre, ainda que
seja contemplado apenas um por cada cem mil pedidos.
Alguns
antropólogos preferem inverter a pergunta, achando estranho que haja ateus, uma
vez que a religiosidade é uma característica intrínseca à espécie humana. O que
carece de explicação não é a fé religiosa, mas sim a sua ausência.
Uma hipótese é a
religião ter surgido na altura em que o género homo – de que não apenas faz parte a espécie sapiens (nós), mas pelo menos mais cinco, das quais o homem de Neandertal é a espécie mais conhecida – organizado
em sociedades de caçadores-recolectores começou a fazer perguntas, ainda que de
forma ainda muito rudimentar, sobre a morte e outros fenómenos muito
surpreendentes como tremores de terra, tempestades raios e trovões, e por aí
adiante. Pela última estimativa, os indícios mais antigos de religião datam de
há cerca de 60.000 anos.
O homo sapiens, como o próprio nome
indica, ávido por explicações de tantos acontecimentos, de forma inconsciente e
intuitiva construiu um corpo de explicações a que hoje chamamos religião. Explicações, por exemplo,
acerca do princípio e o fim de todas as coisas. Os escritos bíblicos, para dar
outro exemplo, fala-nos dos fins dos tempos e do mundo em termos apocalípticos.
Bem, a religião e
a religiosidade são um fenómeno que ao longo da história da humanidade, apesar
de ter estado sempre presente em todo o tempo e lugar, e ter contribuído para
muita salvação, também tem dado muitas dores de cabeça a todos aqueles que na
margem da estrada foram considerados hereges ou infiéis.
Tendo como boa, a
ideia de que temos um mundo interno, que é o mesmo que nos é revelado nos
sonhos, em situações limite – seja numa calamidade por ação dos elementos
físicos, seja por uma convulsão de ordem emocional – esse mundo interno sobrepõe-se
à razão e subjuga-a de forma a que seja a religiosidade inata a tomar as rédeas
da sua conduta.
Os povos que
formaram as primeiras civilizações desenvolveram mitos. Ao longo do tempo, à medida que que as suas aldeias se
tornavam cidades e se convertiam em Estados, os mitos transformaram-se em histórias complexas e interligadas, que
formaram a base de intrincados sistemas de crenças com os seus rituais
organizadores centrais das culturas. E assi chegámos às religiões. É o cariz sagrado dos mitos que os separa dos outros tipos de histórias, tais como lendas e contos populares.
Chamo a atenção
para a distinção entre mitos, lendas, fábulas e contos populares. As lendas
relatam histórias com algum fundamento em acontecimentos humanos significativos,
mas não divinos, que foram adulterados e fantasiados de geração em geração
desde tempos ancestrais. Os mitos antigos que formataram a nossa cultura, principalmente
gregos e egípcios, mas também célticos, apresentam um panteão de divindades,
que apesar de padecerem do mesmo tipo de idiossincrasias que os humanos, possuíam
de uma aura sobrenatural, portanto divina, porque eram eles que controlavam os
acontecimentos do mundo natural. Em alguns casos os mitos e as lendas fundem-se
para dar lugar a alegorias religiosas. Mitos e deuses criados à imagem humana.
Um dos arquétipos universais mais difundido em mitos e lendas é o do dragão,
símbolo do mal e do caos que se encontra em todas as civilizações e culturas –
esculturas em osso nos inuítes, pergaminhos chineses, e por aí fora como nas
várias civilizações que ocorreram nas margens mediterrânicas e do Médio
Oriente.
É difícil afirmar
o que surgiu primeiro – o ritual ou o mito. Quando é que o mito se transforma em
religião? E qual é a diferença? A questão essencial subjacente é a seguinte: se
os mitos foram outrora criados para responder a perguntas fundamentais e
resolver problemas para lá do controlo dos mortais, quando é que estes mitos se
transformaram em religião? UM sistema organizado de crenças, cerimónias,
práticas e venerações que se podem centrar num Deus ou divindades supremas, ou
em vários deles e divindades. Dos rituais, a oração é a mais comum. E no
cristianismo, no ritual da eucaristia, pão e vinho são transformados no corpo e
no sangue de Cristo. Em suma, um rito de sacrifício que é o acontecimento
central nos rituais do cristianismo, como era em mutas outras religiões do
passado.
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