segunda-feira, 13 de maio de 2019

Como é que se gerou a religião a partir do nada?


O Semanário Expresso desta última semana apresenta um estudo em que nos últimos 15 anos foram admitidos 853 grupos religiosos pelo Instituto de Registos Notariais, 97 nos últimos cinco anos. E ao mesmo tempo que ainda vemos peregrinos a deslocarem-se no 13 de maio a Fátima, as pessoas sem religião continuam a aumentar. A diversificação religiosa está a fazer o seu caminho em Portugal, embora 90% sejam Igrejas Evangélicas.

A religião ainda hoje toma conta das respostas para aquelas perguntas que vão resistindo à nossa capacidade de as desmentir pela evidência científica. Lacunas que constituem para alguns crentes uma espécie de seguro de vida, no momento em que, apesar de a religião católica não estar a gozar de muita boa saúde. Se alguém rezar pedindo a Deus para que uma doença sua ou de um familiar próximo cure, e por fim isso não acontecer, algumas pessoas até podem perder a sua fé por falta de credibilidade das suas rezas. Mas o que é mais frequente acontecer é arranjar explicações para o falhanço ser humano, talvez quem rezou, ou a pessoa doente, tenha feito algo terrivelmente errado. O que é notícia é o milagre, ainda que seja contemplado apenas um por cada cem mil pedidos.

Alguns antropólogos preferem inverter a pergunta, achando estranho que haja ateus, uma vez que a religiosidade é uma característica intrínseca à espécie humana. O que carece de explicação não é a fé religiosa, mas sim a sua ausência.

Uma hipótese é a religião ter surgido na altura em que o género homo – de que não apenas faz parte a espécie sapiens (nós), mas pelo menos mais cinco, das quais o homem de Neandertal é a espécie mais conhecida – organizado em sociedades de caçadores-recolectores começou a fazer perguntas, ainda que de forma ainda muito rudimentar, sobre a morte e outros fenómenos muito surpreendentes como tremores de terra, tempestades raios e trovões, e por aí adiante. Pela última estimativa, os indícios mais antigos de religião datam de há cerca de 60.000 anos.

O homo sapiens, como o próprio nome indica, ávido por explicações de tantos acontecimentos, de forma inconsciente e intuitiva construiu um corpo de explicações a que hoje chamamos religião. Explicações, por exemplo, acerca do princípio e o fim de todas as coisas. Os escritos bíblicos, para dar outro exemplo, fala-nos dos fins dos tempos e do mundo em termos apocalípticos.
Bem, a religião e a religiosidade são um fenómeno que ao longo da história da humanidade, apesar de ter estado sempre presente em todo o tempo e lugar, e ter contribuído para muita salvação, também tem dado muitas dores de cabeça a todos aqueles que na margem da estrada foram considerados hereges ou infiéis.

Tendo como boa, a ideia de que temos um mundo interno, que é o mesmo que nos é revelado nos sonhos, em situações limite – seja numa calamidade por ação dos elementos físicos, seja por uma convulsão de ordem emocional – esse mundo interno sobrepõe-se à razão e subjuga-a de forma a que seja a religiosidade inata a tomar as rédeas da sua conduta.

Os povos que formaram as primeiras civilizações desenvolveram mitos. Ao longo do tempo, à medida que que as suas aldeias se tornavam cidades e se convertiam em Estados, os mitos transformaram-se em histórias complexas e interligadas, que formaram a base de intrincados sistemas de crenças com os seus rituais organizadores centrais das culturas. E assi chegámos às religiões. É o cariz sagrado dos mitos que os separa dos outros tipos de histórias, tais como lendas e contos populares.

Chamo a atenção para a distinção entre mitos, lendas, fábulas e contos populares. As lendas relatam histórias com algum fundamento em acontecimentos humanos significativos, mas não divinos, que foram adulterados e fantasiados de geração em geração desde tempos ancestrais. Os mitos antigos que formataram a nossa cultura, principalmente gregos e egípcios, mas também célticos, apresentam um panteão de divindades, que apesar de padecerem do mesmo tipo de idiossincrasias que os humanos, possuíam de uma aura sobrenatural, portanto divina, porque eram eles que controlavam os acontecimentos do mundo natural. Em alguns casos os mitos e as lendas fundem-se para dar lugar a alegorias religiosas. Mitos e deuses criados à imagem humana. Um dos arquétipos universais mais difundido em mitos e lendas é o do dragão, símbolo do mal e do caos que se encontra em todas as civilizações e culturas – esculturas em osso nos inuítes, pergaminhos chineses, e por aí fora como nas várias civilizações que ocorreram nas margens mediterrânicas e do Médio Oriente.

É difícil afirmar o que surgiu primeiro – o ritual ou o mito. Quando é que o mito se transforma em religião? E qual é a diferença? A questão essencial subjacente é a seguinte: se os mitos foram outrora criados para responder a perguntas fundamentais e resolver problemas para lá do controlo dos mortais, quando é que estes mitos se transformaram em religião? UM sistema organizado de crenças, cerimónias, práticas e venerações que se podem centrar num Deus ou divindades supremas, ou em vários deles e divindades. Dos rituais, a oração é a mais comum. E no cristianismo, no ritual da eucaristia, pão e vinho são transformados no corpo e no sangue de Cristo. Em suma, um rito de sacrifício que é o acontecimento central nos rituais do cristianismo, como era em mutas outras religiões do passado.

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