terça-feira, 7 de maio de 2019

Do pensamento simplificado ao pensamento complexo



Sonhando na esperança de encontrar uma pessoa 
que nos dispensará a necessidade de ter por perto mais gente

Pensamento complexo é o pensamento da segunda revolução cognitiva moderna, do conhecimento multidimensional e globalizante, muito para além de Descartes, Galileu e Newton. É na interdependência dos elementos que repousa a sua essência.

Quando ouvimos alguém dizer que a sua afirmação é baseada em conhecimentos científicos, muito provavelmente se estará a referir à ciência determinista começada por Descartes e patenteada por Newton. Esta ciência, considerada uma revolução cultural na Europa, corresponde ao pensamento da primeira revolução cognitiva moderna, que foi construída sob os princípios do determinismo, em que o acaso não poderia ter lugar. E assim se distinguia do mundo das humanidades, que era o domínio das artes e letras. Ora, em bom rigor, esta é a ciência antes do aparecimento de um Werner Heisenberg, ou de um Schrödinger. Depois deles impôs-se a mecânica quântica, em que a matéria é corpuscular e ondulatória ao mesmo tempo. E por fim a teoria do caos, com a metáfora do efeito borboleta: a sensibilidade às condições iniciais pode desencadear muito depressa um sistema de consequências não-previsíveis. Gödel com o seu teorema da incompletude veio demonstrar que um sistema formal como a matemática não podia ser completo e coerente. Não podia decidir por si da sua coerência e completude. Este terramoto conceptual devastou todas as certezas de quatro séculos. Foi a segunda revolução científica, nos termos de Thomas Kuhn: “uma mudança de paradigma”. Os cientistas descobrem coisas novas e diferentes com novos instrumentos. Quando os paradigmas se alteram o mundo muda com eles.

A ordem e a desordem opõem-se, mas nenhuma delas exclui a outra. Pelo contrário, é na sua desintegração que o Universo se organiza. E a vida na Terra resulta da evolução natural do Universo, que para continuar a evoluir os indivíduos têm de morrer. Do mesmo modo, as organizações sociais não podem evoluir sem conflituar. Uma empresa mal gerida morre. Mas também morre sem inovação. E assim com a morte da empresa tanto morre o gestor como o inovador. Portanto, a empresa para se manter precisa do gestor e do inventor.

Ora, entre a causa e o efeito há uma recursividade virtuosa, em que indivíduos e sociedade interagem para se produzirem mutuamente. Sociedade e indivíduos são uma existência única, indissociavelmente ligados de forma recursiva: o indivíduo influencia a sociedade e a sociedade influencia o indivíduo. É o princípio da auto-organização. E assim é a sociedade democrática: diversidade contraditória de ideias.

Contradições e complementaridade entre os interesses das pessoas e dos grupos, tensões permanentes, conflitos – a procura de equilíbrio com a alternância democrática. Os cidadãos criam a democracia, que por sua vez cria os cidadãos. A cidadania é importante para que cada um seja realmente portador da consciência do que representa toda a sociedade como uma unidade, partilhando os mesmos valores fundamentais e as mesmas regras do jogo. Digamos, que é esse o papel de uma Constituição, num país onde todos devem partilhar uma certa consciência democrática. Esse é o sentido que deve ser seguido para que não se perca a confiança, ingrediente essencial na coesão das sociedades e dos povos em geral.

É verdade que hoje as pessoas estão muito mais interconectadas que no passado ainda recente. Mas ao mesmo tempo, as novas formas de as pessoas se relacionarem através das redes sociais da internet provocaram a emergência de uma nova vida, mais urbana e mais egoísta, cheia de angústia e de solidão. Este é o paradoxo da atual sociedade em rede.

A entrada na era das redes sociais digitais provocou em nós uma nova forma de apreendermos a realidade. E daí uma nova forma radical da representação que fazemos da realidade. Pelo menos é uma mudança que vai levar tempo até nos prepararmos para melhor compreendermos a fenomenologia deste novo paradigma. Ainda são as pessoas formadas no paradigma precedente – mecanicista, lógico, linear, fechada na racionalidade dedutiva – que detêm o verdadeiro poder e determinam as políticas que regem a vida da geração que já nasceu com a internet. Já se sabe falar nos novos termos, mas ainda não se encontrou o verdadeiro sentido disto tudo, e o verdadeiro significado para o traduzirmos em atos, em razão prática, em ética, em valores.

Porque o tempo não trava a mudança de paradigma em curso ainda por fechar, não temos uma visão clara de todas as implicações e consequências. É como se estivéssemos na condição de cego a esconder os olhos. É essa a grande dificuldade da representação sistémica que impõe uma cultura flexível e não a cultura rígida da obediência e da disciplina. Nesta nova era em curso, é da desordem criativa e do sentido de risco que irá nascer uma nova ordem mundial.

Sem comentários:

Enviar um comentário