sábado, 19 de agosto de 2023

Da Horda de Ouro à Moscóvia



A Rússia de Moscovo é um dos estados da zona das florestas tributários do Canato da Horda de Ouro. É um dos quatro grandes estados sucessores do Império de Gengis Khan, que se desmembrou em 1259. Os Senhores da Moscóvia, vulneráveis pela sua demasiada exposição aos nómadas da estepe, eram como vassalos do longínquo Canato do Sarai no Mar Cáspio. No entanto, por via da conversão ao cristianismo e criação subsequente da Igreja Ortodoxa filiada em Constantinopla, forjaram uma identidade distinta. Na realidade, os mongóis, só tardiamente se iriam converter ao islamismo. 

Dessa feita, a ascensão da Moscóvia a uma posição predominante na Ásia Central deveu-se em grande medida ao oportunismo dos seus príncipes, que se tornaram aliados e colaboradores dos canatos da estepe. O apoio mongol garantiu-lhes o título de grandes príncipes depois de 1331. Nessa altura o poder mongol havia repelido o Grão-ducado da Lituânia, que era rival da Rússia de Moscovo. A Lituânia em meados do século XIV estava associada à Polónia, que era católica. Moscovo tinha toda a conveniência receber o apoio da Igreja Ortodoxa.

Em 8 de setembro de 1380 dá-se um embate entre os russos de Moscovo de um lado e os tártaros e mongóis da Horda de Ouro, do outro, na Batalha de Culicovo, próximo do rio Dom. Dessa batalha os russos saíram vencedores. Os russos aproveitaram as divisões já existentes na Horda de Ouro e declararam a independência. Esta independência foi de curta duração porque Tamerlão ainda tinha uma palavra a dizer 
a partir da sua base original na Ásia Central. Embora acabasse por não conseguir construir um novo império tão vasto como o de Gengis Khan, Tamerlão destruiu o que restava do sistema mongol, incluindo o Canato da Horda de Ouro, que se dividiu gradualmente nos diferentes canatos: Crimeia, Astracã, Kazan e Sibir’. 

Na década de 1440, Basílio II de Moscovo já gozava de uma independência real. Em 1480, o seu sucessor, Ivan III (1462–1505), impediu a última tentativa da estepe voltar a impor as suas condições ao Estado russoOs cem anos que se seguiram a 1480 constituíram um período vital da expansão da Moscóvia e de toda a trajetória que se viria a verificar no Centro e Norte da Eurásia. Com o seu núcleo territorial no alto Volga, a Moscóvia tornou-se charneira entre o vasto império da floresta a Norte, e o Leste depois de chegar à costa asiática do Pacífico. Ivan III apresentou-se como um grande monarca ao estilo europeu, combinando estilos bizantinos e ocidentais de poder dinástico. Em 1492 intitulou-se Grão-duque da Moscóvia e de todas as Rússias. O seu casamento com Sofia Paleólogo, uma princesa bizantina, foi negociado sob os auspícios do Papa. Os seus embaixadores espalharam-se por toda a Europa. Foram chamados a Moscovo - artesãos, construtores e arquitetos italianos. A administração foi reorganizada com base num intrincado sistema de chancelarias, conservação de registos e hierarquias burocráticas. A subida ao trono de Ivan IV, o Terrível, foi assinalada por uma coroação com todo o rigor e circunstância, que adotou rituais copiados dos extintos rituais dos imperadores bizantinos. 

Assim se tornou um império a partir da estepe do Cáspio e do Sul dos Urais, conquistado com tanto esforço. Mas os governantes de Moscovo mal poderiam ter acalentado essas ambições imperiais se tivessem governado apenas um pequeno principado na Rússia ocidental, vigiado pela Polónia-Lituânia católica. Acresce que deste lado ocidental havia também a disputa de adversários ricos do Norte da Rússia sediados em Novgorod, com o seu império de peles e comércio hanseático. 

Por conseguinte, o aumento do poder russo no Norte da Eurásia implicou a consolidação do domínio da Moscóvia sobre os Estados da Horda de Ouro. A dinâmica monarquia associada Polónia/Lituânia, em 1504 estendia-se do Báltico ao Mar Negro. Quer quisessem quer não, os grão-duques da Moscóvia só poderiam sobreviver entrando no sistema diplomático europeu para procurar aliados contra a Polónia. Por outro lado, não menos importante, tinha de competir em termos culturais e ideológicos com as monarquias europeias que vinham implantando um novo estilo desde o século XV. Grande parte da história posterior da Rússia iria girar em torno do delicado equilíbrio entre o distintivo legado bizantino, incorporado na Igreja Ortodoxa Russa, e o empréstimo cultural da Europa Ocidental ditado pela necessidade política e económica.

Seja como for, o património cultural das origens da Rússia provinha também de uma forte influência da Rus' de Kiev. E as origens da Rus’ de Kiev encontram-se nas migrações que se tinham verificado para leste de povos eslavos em direção à orla da zona das florestas, onde esta se cruzava com a estepe e os seus nómadas guerreiros. A estes guerreiros os russos chamavam tártaros. Na origem, o centro em Kiev era dirigido pelos varegues ou vikings, um entreposto fluvial que explorava a rota comercial dos escandinavos do Báltico com Bizâncio e o Próximo Oriente. Com a chegada do cristianismo ortodoxo, no século IX, a Rus’ de Kiev passou a ser um grande posto avançado de Constantinopla. Kiev tornou-se a sede de um vasto empreendimento missionário que fundou mosteiros que se estenderam por lugares das florestas do Norte tão longínquos como a região do Mar Branco. 

Sem comentários:

Enviar um comentário