quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Qualia ou fenomenologia - Como o cérebro gera a subjetividade da experiência dos sentidos



Qualia - é um termo usado na filosofia da mente para caracterizar as qualidades da subjetividade da experiência vivida na primeira pessoa. Por exemplo, o aspeto das cores tal como as vemos, ou a qualidade da dor tal como a sentimos. Neste caso, a "fenomenologia" desenvolvida pela filosofia da escola de Husserl tem a ver com a estrutura específica do que aparece aos nossos sentidos incluindo a consciência. Tomando os conceitos de Husserl e o todo das suas investigações, o "fenómeno" é o fluxo imanente da vivência daquilo de que estamos cientes e que é a base condicional do nosso conhecimento. 

Ora, ninguém consegue explicar como se passa da estrutura do cérebro e do seu funcionamento para a fenomenologia. Ou seja, como é que explica o cientista, que é a perspetiva vista por uma terceira pessoa a "espreitar" para o nosso cérebro, as sensações que estamos a ter na contemplação de um pôr do sol à beira-mar. A fenomenologia ou as qualidades subjetivas do aspeto visual do que estamos a contemplar mais as sensações que estamos a sentir no nosso corpo e ainda outros sentimentos que nos são trazidos pela memória. As propriedades dessas experiências sensoriais e cognoscíveis pelo próprio, em experiência direta, não são transponíveis para as narrativas epistemológicas descritas de forma indireta por um neurocientista acerca dos seus correlatos cerebrais.

David Chalmers - um filósofo australiano, tem tentado resolver este quebra-cabeças filosófico. Mas os seus resultados práticos têm sido fracassados. Como estudante de graduação estudou física e matemática, e trabalhou também como matemático na pós-graduação antes de abraçar a carreira de filósofo da mente. Embora a física nunca tenha sido central no seu trabalho conceptual, Chalmers considera que a neurociência precisará dos conhecimentos da mecânica quântica para explicar a emergência da consciência. Enquanto na Universidade do Arizona, esteve a dirigir o Centro de Estudos da Consciência. Depois voltou para a Austrália onde é diretor do Centro da Consciência da Universidade Nacional da Austrália.

É no vocabulário que se tornou padrão em neurociência que Chalmers tenta explicar a correlação da atividade neural com os aspectos da consciência: os “correlatos neurais da consciência”. A tecnologia de imagem cerebral tem atualmente permitido uma visualização detalhada da atividade metabólica do cérebro relacionada com o pensamento e o sentimento, bem como a sua cartografia.

A exploração do que se passa dentro do cérebro, 
colocando eletrodos diretamente no cérebro exposto, não é nova. Neurocirurgiões já correlacionam há muito tempo a atividade e estimulação elétricas com a informação relatada pelo próprio a ser examinado das suas percepções conscientes. Isso é feito em grande parte com propósitos terapêuticos, é claro, e a experimentação científica é limitada. A eletroencefalografia (EEG), a detecção de potenciais elétricos no couro cabeludo, é ainda mais antiga. A EEG pode detectar rapidamente atividade neural mas não pode dizer em que local do cérebro a atividade está ocorrendo.

A tomografia por emissão de positrões (PET, na sigla em inglês), um benefício derivado da mecânica quântica, detecta exatamente no cérebro que neurónios estão em atividade numa determinada atividade cerebral. Aqui, átomos radiativos, de oxigênio, por exemplo, são injetados na corrente sanguínea. Detectores de radiação e análise computacional podem determinar onde há aumento de atividade metabólica por requisição de mais oxigénio. E assim se pode correlacionar esse facto com os relatos de percepções conscientes.

Outra tecnologia de imagem cerebral também com resultados extraordinários é a produzida por ressonância magnética funcional (IRMf). É melhor que a PET para localizar atividade sem ter de utilizar material radioativo. Mas o paciente tem de manter a cabeça o mais possível imóvel, quieta, mergulhado num ambiente sonoro desagradável produzido pelos magnetos. Outra das aplicações práticas da mecânica quântica. A IRMf é capaz de identificar qual a parte do cérebro que está mais ativa durante uma função cerebral devido ao consumo de oxigénio.

A IRMf pode correlacionar uma região do cérebro com os processos neurais envolvidos em, digamos, memória, fala, visão e consciência reportada. As imagens cerebrais geradas por computador, que são coloridas artificialmente, podem exibir exatamente as regiões do cérebro a receber mais sangue inclusivamente no processo de um determinado pensamento. Como qualquer técnica baseada em atividade metabólica, o processo é de certo modo demorado. Tal conjunto completo de correlatos neurais da consciência é o objetivo de grande parte da pesquisa atual sobre consciência envolvendo o cérebro.

O caráter dos estados cerebrais e dos estados fenomenológicos [estados vivenciados] parecem diferentes demais para ser completamente redutíveis um ao outro. A sua relação deve ser mais complexa do que tradicionalmente se imagina. Será necessário um outro paradigma conceptual ou epistemológico porque parece ser impossível explicar a consciência puramente em termos de correlatos neurais. Na melhor das hipóteses, há alguma coisa sobre o papel físico que a consciência pode desempenhar. Mas nada nos diz como a consciência aparece.

 Nenhuma mera presença de um processo físico nos diz como emerge a experiência fenomenológica. O surgimento da experiência, a parte fenomenológica da consciência vai além do que pode ser deduzido a partir da teoria física. Isto parece conduzir-nos para um novo tipo de dualismo, que não é o mesmo dualismo tão debatido por António Damásio, que é o dualismo de matriz cartesiana. A natureza essencial do problema da medição em mecânica quântica tem estado em discussão desde a criação da teoria quântica. Da mesma maneira, desde que a consciência passou a ser cientificamente analisada pela psicologia e pela filosofia, sua natureza essencial tem sido debatida. 

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