quinta-feira, 31 de agosto de 2023

O desastre de Teutoberg Wald no tempo de Octaviano, o Augusto



Quando Júlio César invadiu a Gália, deixou claro que não pretendia ocupar o território a leste do Reno, mas controlou todas as terras a oeste. O Reno era a fronteira entre os povos gauleses e os germânicos, o que justificava o argumento da sua “pacificação” da Gália ter sido completa. Com a Gália mantida à distância dos germânicos para além do Reno, a antiga província romana da Gália Transalpina e a própria Itália ficavam protegidas dos germânicos, mais primitivos e selvagens do que os gauleses. Na verdade a situação era mais complicada, e Júlio César admitia-o, dado que já havia vários povos germânicos estabelecidos a oeste do rio Reno. Por outro lado, um guerreiro identificava-se com sua própria tribo ou clã, e não propriamente como um germânico.  

Júlio César apresentou um retrato das tribos gaulesas como inerentemente instáveis; elas eram divididas por lutas pelo poder entre chefes ambiciosos que buscavam a supremacia e que faziam quase anualmente guerra contra seus vizinhos. Os germânicos tornaram-se profundamente envolvidos na região quando líderes gauleses buscaram a sua ajuda. Ou quando um povo migrava para o outro lado do Reno em busca de terras mais férteis ou seguras para se estabelecer. César pode ter exagerado o cenário para justificar a sua intervenção em defesa dos interesses de Roma e de seus aliados.

Desde o começo da sua carreira, Octaviano confiou muito em seu grande amigo Marco Vipsânio Agripa para comandar as tropas. Foi Agripa que comandou as frotas que derrotaram Sexto Pompeu – o último filho de Pompeu que ainda sobrevivia. Até à sua morte, em 12 a.C., Agripa havia sido frequentemente escolhido para travar as guerras mais importantes do império, tendo realizado campanhas na Hispânia, na Gália, na Germânia, nos Bálcãs e no Oriente. Era, evidentemente, um comandante muito capaz.

Agripa operou na Gália em diversos momentos entre 38 a.C. e 19 a.C., e houve muitas outras campanhas travadas em menor escala sob outros comandantes. Assim como na época de Júlio César, as tribos gaulesas próximas do Reno sempre buscavam a ajuda de bandos guerreiros entre os germânicos. Estes, “com frequência ainda maior”, pilhavam as ricas terras da Gália; às vezes, esses ataques eram em grande escala. Em 16 a.C., um exército formado por três tribos, os sicambros, os tencteros e os usípetes, emboscou um destacamento da cavalaria romana e, depois de derrotá-lo, surpreendeu o exército principal do governador provincial Marco Lólio, infligindo uma grande derrota aos romanos. 

A campanha tinha começado quando os germânicos aprisionaram e crucificaram mercadores romanos que operavam nas suas terras. Como em outros lugares, os mercadores romanos e italianos atuavam muito à frente do exército. Suas atividades e práticas eram, por vezes, ressentidas, e eles eram quase sempre o primeiro alvo quando as tribos se tornavam hostis a Roma. Tanto para assegurar a estabilidade e a paz na Gália quanto em resposta aos ataques e à violência contra os cidadãos, as legiões de Augusto iam, com frequência cada vez maior, realizar ações punitivas contra os germânicos.

Tibério e Druso foram ambos colocados à frente de grandes exércitos quando contavam pouco mais de 20 anos. Os filhos do primeiro casamento da mulher do imperador, Lívia, eram membros da antiga elite senatorial, pertencendo ao clã patrício Claudiano tanto pelo lado da mãe como pelo do pai. Poucas famílias eram tão distintas como eles, os quais eram extremamente orgulhosos do seu valor. Druso era um herói nos moldes tradicionais, carismático e popular tanto entre as tropas como diante dos cidadãos de Roma. Houve um desânimo geral quando Druso morreu, em 9 a.C., devido a ferimentos causados na queda do cavalo quando regressava de uma campanha na Germânia.

Druso foi o primeiro comandante romano a alcançar o Elba, onde, segundo a versão oficial dos eventos ele foi avisado para não prosseguir pelo surgimento de uma deusa. Depois da sua morte, Tibério passou vários anos operando na mesma área. Com o tempo, uma província romana entre o Reno e o Elba começou a tomar forma. Em 6 d.C., um ataque foi planejado e preparado contra Marobóduo, rei de uma importante confederação de tribos suevas e de vários de seus vizinhos nas terras entre o Reno e o Danúbio. Contudo, uma grande rebelião na Panónia e na Daumásia irrompeu inesperadamente, exigindo a atenção de Tibério e de boa parte do exército romano. É interessante notar que ele considerava tal força um exército grande demais para um único general controlar com eficiência, por isso dividiu-o em dois grupos independentes e, subsequentemente, em colunas muito menores. Foram necessários quase três anos de lutas árduas e custosas para sufocar a rebelião.

Tibério não tinha o encanto do irmão mais novo nem, aparentemente, a habilidade de fazer os outros, em especial senadores, gostarem de si. Mesmo quando jovem, ele parece nunca ter adotado o estilo extravagante de liderança de Druso ou de Pompeu. Era considerado um disciplinador muito rígido, mesmo pelos padrões estabelecidos por Augusto, tendo reintroduzido alguns métodos arcaicos de punição. Numa ocasião, expulsou o legado que comandava uma legião porque ele havia mandado alguns dos seus soldados escoltarem um escravo numa expedição de caça em território hostil. 
Negava luxos aos seus oficiais, pois ele também aplicava a si a mesma receita, dormia na terra exposta e muitas vezes até sem uma tenda. Ele era cuidadoso com a rotina, certificando-se de que todas as suas ordens fossem escritas e estando sempre disponível aos oficiais para explicar o que exigia deles. 

Augusto confiou as tropas a Tibério, da mesma forma que no passado confiara a Agripa. Praticamente entregou-lhe todos os comandos mais importantes na segunda metade do seu principado. Mas esperou longo tempo antes de indicá-lo como sucessor. Os preferidos eram vários outros, quase sempre mais jovens, membros da família ligados a ele pelo sangue e não simplesmente pelo casamento. Todavia, morreram prematuramente. Os rumores acusavam Lívia, esposa de Augusto, a causadora de várias intrigas. A família imperial teve uma taxa de mortalidade prematura excepcionalmente elevada, mesmo para os padrões da época. O que está claro é que, no final, Augusto adotou Tibério como filho e compartilhou o poder com ele durante os últimos dias da sua vida. 

Tibério tinha um filho de sangue também com o nome de Druso o Jovem, mas foi instruído a adotar Germânico, que era filho do seu irmão Druso. Germânico tinha 6 anos de idade quando o pai morreu em 9 a.C., mas o seu nome - Germânico - mostrou-se singularmente apropriado, pois, como adulto, conquistou a fama em campanhas na Germânia. Sua mãe era Antónia, filha de Marco António e Octávia, irmã de Augusto. A rejeição de Octávia a favor de Cleópatra adicionara um elemento pessoal à Guerra Civil.

Como na Gália, o processo de transformar a Germânia num território conquistado numa província formal provocou nova resistência. O líder rebelde mais importante era um príncipe dos queruscos chamado Armínio, que servia como comandante de um contingente de homens da sua tribo no exército romano. No passado, ele tinha recebido a cidadania romana com o status de equestre e fora íntimo do legado provincial, Públio Quintílio Varo. A família de Varo tinha uma reputação militar um tanto questionável, pois tanto seu pai como seu avô apoiaram o lado errado na Guerra Civil e por fim foram obrigados a se suicidar; contudo, ele era muito experiente, tendo servido anteriormente como governador da Síria, onde suprimira uma rebelião na Judeia em 4 a.C. Sua nomeação para o comando germânico conformava-se à tendência de Augusto a confiar, basicamente, na sua família estendida, uma vez que era casado com uma filha de Agripa.

No final do verão de 9 d.C., Varo recebeu relatos de uma revolta e, do mesmo modo como agira em 4 a.C., respondeu da maneira tradicional romana ao reunir o seu exército e marchar imediatamente contra o inimigo. A necessidade de reagir tão logo fosse possível a uma insurgência era considerada uma justificação razoável para um general romano ir a campo com uma força pequena ou mal abastecida, composta apenas por tropas disponíveis no momento. Varo enfraqueceu a sua tropa ao enviar muitos pequenos destacamentos, marchando com um exército sobrecarregado por um grande comboio de bagagem e acompanhado por uma horda de seguidores de acampamento, que incluía as famílias dos soldados. Abandonada por Armínio e seus batedores germânicos, a lenta coluna marchou em direção à emboscada numa área difícil, coberta de pântanos e floresta densa -Teutoberg Wald

Atacando repentinamente durante vários dias, os guerreiros de Armínio enfraqueceram a coluna romana até ao seu último remanescente. Três legiões – XVII, XVIII e XIX – foram massacradas, juntamente com seis coortes de infantaria auxiliar e três alae da cavalaria. Varo fez o que nenhum general romano deveria fazer. Em desespero, suicidou-se antes do final da batalha. Escavações em Kalkriese (perto da moderna Osnabrück) revelaram cruéis evidências da provável última grande ação realizada por seu exército. A maioria dos pequenos destacamentos de tropas espalhadas pela província sofreu destino semelhante nos dias seguintes. Alguns poucos sobreviventes conseguiram chegar ao Reno, onde as duas legiões que sobraram esperavam ser atacadas a qualquer momento.

O desastre de Teutoberg Wald foi um golpe terrível na velhice de Augusto. 
Augusto estava agora muito velho e, em 13 d.C., Tibério retornou a Roma para ajudar o príncipe e assegurar que a sucessão fosse realizada sem entraves depois da sua morte.

Germânico substituiu-o como comandante supremo na fronteira do RenoPor algum tempo, o exército esteve reduzido à força de 25 legiões, e os números XVII, XVIII e XIX nunca mais foram usados. 

Quando já estava suficientemente forte, Tibério começou a enviar expedições punitivas contra as tribos germânicas na fronteira do Reno. A reputação romana de invencibilidade fora abalada pela derrota de Varo e levaria vários anos de duras campanhas para começar a recuperá-la. Todas as tropas disponíveis foram transferidas de outras províncias para reforçar o seu exército. Eram oito legiões e pelo menos o mesmo número de tropas auxiliares nas duas províncias da Germânia - Superior e Inferior - que se estendiam ao longo da margem ocidental do rio Reno

Em 11 d.C., Tibério foi reforçado por Germânico, que com 22 anos ganhara experiência sob seu comando durante a rebelião das tribos da Panónia. Mas a invasão germânica esperada não se materializou, e os guerreiros de Armínio, aparentemente, seguiram a prática da maioria dos exércitos tribais ao longo de toda a História, dispersando-se e voltando para seus lares a fim de exibir os espólios e celebrar a sua glória. 

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