terça-feira, 29 de agosto de 2023

O processo de desnaturalização e estranhamento da realidade




Como pode acontecer em muitas outras coisas, os fundamentos últimos e os princípios de toda a igualdade já há algum tempo que começaram a degenerar em extravagâncias e arbitrariedade. Eu confesso que quando vi em direto o Dirigente Desportivo dar aquele beijo à atleta - apesar de achar um gesto indecente numa cerimónia pública de júbilo desportivo, e de grande impacto mediático - nunca pensei que tinha estado perante um crime público. Muito menos as repercussões que está a ter.

Daí eu concluir o seguinte: estamos mesmo a atravessar tempos muito extravagantes impróprios para um septuagenário que já ultrapassou o seu prazo de validade para ter um conhecimento suficientemente prudente para uma vida decente (devo esta tirada ao título de um livro de Boaventura de Sousa Santos, um sociólogo português emérito, já com 20 anos de edição). A sociologia sempre defendeu a ideia de que um dos seus papéis é a desnaturalização. Diversos críticos da sociedade burguesa de inspiração marxista ditaram a palavra de ordem: desnaturalização. Nesse contexto, muitos equívocos foram cometidos.

A atual saga do feminismo contra o machismo traz de novo a campo mediático a célebre discussão entre antropólogos e biólogos: diz-se que os antropólogos são pela cultura contra a natura; e que os biólogos são da natura contra a cultura. Ora isso não é bem exato. Serge Moscovici [1925-2014] dedicou-se a estudar esta questão, um psicólogo social romeno que se radicou em Paris - um cientista das ciências sociais e humanas. A Bertrand editou em 1977 um livro seu com o título: A Sociedade Contranatura.




Serge Moscovici problematizou e criticou a conceção de natureza que dizia que havia uma natureza e uma sociedade em oposição mútua. Mas para ele natureza e sociedade não têm que ser dois pares do mesmo fenómeno em oposição mútua. Hoje o que é preciso é defender mais a natureza da agressão do homem, do que defender o homem das intempéries da natureza. Já há algum tempo que se começou a repensar esta dicotomia no sentido de pôr fim à velha mundividência: a natureza não ter nada de humano; e o humano não ter nada de natural.

Ora, o padrão organizativo chamado "sociedade", além de não ser uma característica exclusivamente humana, não pode representar algo que esteja acima da natureza, ou que não tenha nada a ver com a natureza. Natureza e sociedade não se excluem mutuamente. O homo sapiens, a título individual ou pessoal, não tem muito mais do que se adaptar à natureza e ao ambiente em que vive. Mas os seres humanos enquanto sociedade foram mais ousados no sentido de transformar a natureza para proveito próprio. O que, ao contrário do que se possa pensar, não é uma exclusividade humana.

Convém saber como as pessoas constroem a realidade através dos processos de comunicação interpessoal quotidiana. E no seio da psicologia social há uma teoria: "Teoria das Representações Sociais" a que Serge Moscovici prestou grande atenção. É o caso do machismo misógino, que como representação social, e o seu significado, está cada dia que passa a ser mais partilhado pela sociedade ocidental em que o feminismo é hegemónico no sentido normativo. E que não pode escapar ao seu específico processo coercivo. Quando se estabelece um conflito polarizado, em que de um lado estão "os nós" que estão certos, e do outro "os eles" que estão errados, o que acontece é uma polarização entre pressões e resistência. A mudança é sempre efetuada por meios coercivos.

Para que o carácter hegemónico se mantenha, e para obter eficácia nos seus objetivos, é central o contributo da comunicação social. Para que vingue uma consensualidade alargada é fundamental o papel dos média. Daqui vão resultar clivagens que tendem a culminar em relações de dominação feitas à custa das chamadas "pressões". E qualquer mudança que tenha a ver com a normatividade comportamental hegemónica acaba também inevitavelmente em posições e ações de resistência.



Os gato fedorento
à esquerda - Tiago Dores; à direita - Ricardo Araújo Pereira
O que é certo é que o anão
– Roberto!
O Roberto a gente foi tinha batido com a cabeça no chão e digo eu ‘queres ver que este gajo vai ficar como o atrasado mental
– Fernando!
O Fernando infelizmente não porque o atrasado mental, o Fernando, é um gajo que não bate nem de perto nem de longe enquanto o anão
– Roberto!
O Roberto ainda conseguia dizer as letras é o que acontece no final do acidente aparece o mariconço
– Eu!
Ele, aparece e diz o mariconço, Ele, diz: eh pá então mas



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