terça-feira, 31 de outubro de 2023

No Ocidente a iniciativa das hostilidades deve ser deixada ao inimigo – Chamberlain



Às 21h, Hitler e Ribbentrop deixaram Berlim, e em separado seguiram por comboios especiais para quartéis-generais no Oeste. Não, porém, sem terem realizado antes mais duas manobras diplomáticas. A Inglaterra e a França estavam agora em guerra com a Alemanha. Mas havia ainda duas outras grandes potências europeias a serem consideradas e cujo apoio tornou possível a aventura de Hitler: a Itália, a aliada, que se esquivara no último instante, e a Rússia soviética, que, embora não inspirasse confiança ao ditador nazi, ajudara-o a tornar a ideia de guerra tão interessante e lucrativa.

Quando deixava a capital, Hitler enviou outra carta a Mussolini, telegrafada às 20:51h, nove minutos antes que o comboio especial do Führer partisse da estação. Embora a carta não fosse inteiramente franca, nem isenta de falsidades, ela nos oferece a melhor imagem que talvez jamais possamos ter sobre os pensamentos de Adolf Hitler, quando deixava pela primeira vez a sombria capital do Terceiro Reich para assumir o seu papel de supremo comandante da guerra:
Duce:
Primeiramente devo agradecer pela vossa última tentativa de mediação. Eu estaria pronto a aceitar, desde que me fossem dadas certas garantias de que a conferência seria bem-sucedida. Pois as tropas alemãs já estavam empenhadas há dois dias num avanço extraordinariamente rápido para dentro da Polónia. Seria impossível permitir que o sangue ali derramado fosse malbaratado por intrigas diplomáticas.
Apesar disso, acredito que um caminho seria encontrado se a Inglaterra não estivesse determinada desde o princípio a resvalar para a guerra de qualquer modo. Não cedi às ameaças britânicas porque, Duce, estava certo de que a paz não poderia ser mantida por mais de seis meses, ou talvez um ano. Nestas circunstâncias, o momento presente é, apesar de tudo, o mais adequado para tomar uma iniciativa. (...) O exército polaco entrará em colapso dentro de pouco tempo. Devo dizer que, na minha opinião, seria duvidosa a possibilidade de alcançar um sucesso rápido como este, daqui a um ou dois anos. A Inglaterra e a França teriam continuado a fornecer armamentos aos seus aliados em tal escala que a decisiva superioridade técnica da Wehrmacht não ficaria em evidência desta maneira. Tenho consciência, Duce, de que a batalha em que agora me empenho é uma batalha de vida e morte (...). Mas também estou certo de que a batalha não poderia ser evitada e que o momento certo para a resistência tem de ser escolhido com deliberação férrea, de tal modo que as probabilidades de sucesso sejam asseguradas; e neste sucesso, Duce, minha fé é tão firme como uma rocha.
Em seguida vinham palavras de advertência a Mussolini
Há alguns dias, bondosamente me assegurastes de que seria possível ajudar-me em determinados setores. Aceito, antecipadamente, com sinceros agradecimentos. Mas também acredito que embora no momento sigamos caminhos diferentes, o destino ainda nos unirá um ao outro. Se a Alemanha nacional-socialista for destruída pelas democracias ocidentais, a Itália fascista também enfrentará um futuro adverso. Pessoalmente sempre estive certo de que o destino dos nossos dois regimes estão ligados, e eu sei que vós, Duce, sois de opinião exatamente igual. (...) No Ocidente permanecerei na defensiva. Ali a França tem precedência para derramar o seu sangue. Chegará o momento de podermos enfrentar o inimigo com todas as forças da nação. Querei aceitar mais uma vez os meus agradecimentos, Duce, por todo o apoio oferecido no passado, e que espero que não me faltará no futuro.
Adolf Hitler
O desapontamento de Hitler com a Itália, por não ter honrado a sua palavra, mesmo depois que a Inglaterra e a França haviam honrado as suas ao declarar guerra naquele dia, foi conservado sob estrito controlo. Uma Itália amistosa, embora não beligerante, poderia assim mesmo ser de alguma utilidade para ele. Mas a Rússia poderia ser de utilidade bem maior. Já no primeiro dia do ataque alemão à Polónia, o governo soviético, como os documentos secretos nazis iriam revelar mais tarde, deu à Luftwaffe um serviço de sinalização. Nesta manhã, o chefe do Estado-maior da força aérea, general Hans Jeschonnek, telefonou à embaixada alemã em Moscovo, para dizer que apreciaria se a emissora de rádio russa, em Minsk, se identificasse constantemente, a fim de proporcionar auxílio aos pilotos alemães, orientando-os no bombardeio da Polónia; dava a isto o nome de “urgentes testes de navegação aérea”. Ao anoitecer, o embaixador von Schulenburg estava apto a informar Berlim que o governo soviético estava pronto para “satisfazer seus desejos”. Os russos concordaram em intercalar o maior número possível de prefixos identificadores dos programas desta estação, e em prolongar as transmissões da rádio de Minsk por mais duas horas, para auxiliar os aviadores alemães.

Mas quando se preparavam para deixar Berlim, na noite de 3 de setembro, Hitler e Ribbentrop tinham em mente auxílios militares mais substanciais por parte da Rússia, para a sua conquista da Polónia. Às 18:50h, Ribbentrop despachou um telegrama urgentíssimo para a embaixada em Moscovo. Levava o carimbo “ultra-secreto”, e advertia: “Exclusivamente para o embaixador. Para o chefe da delegação ou seu representante, pessoalmente. Agir com extrema cautela. Para ser decifrado por ele mesmo. Muito secreto”. No maior segredo, os alemães convidaram a União Soviética a unir-se a eles no ataque à Polónia. «Estamos certos de que derrotaremos o exército polaco definitivamente dentro de poucas semanas. Conservaremos depois o território previsto em Moscovo como esfera de influência alemã, sob ocupação militar. Deveremos, naturalmente, por motivos militares, continuar o avanço pelo território polaco a fim de destruir forças polacas que se acham localizadas dentro da zona prevista como esfera de interesse russo. Deve-se tratar disso imediatamente com Molotov, e ver se não seria desejável para a União Soviética que dirigisse, no momento adequado, as suas forças contra as tropas polacas localizadas dentro daquela zona, ocupando assim, automaticamente, a sua esfera de interesse. Na nossa opinião isto seria não só um alívio para nós, mas também estaria dentro dos intuitos dos acordos de Moscovo, e ainda viria ao encontro dos interesses russos.»

Essa cínica manobra por parte da União Soviética seria de facto um alívio para Hitler e Ribbentrop. Tal manobra não só evitaria problemas e atritos entre alemães e russos na divisão do espólio, mas também diminuiria a responsabilidade da Alemanha na agressão à Polónia, atribuindo parte dela à União Soviética. Se compartilhavam o saque, por que não haveriam de compartilhar a culpa? O almirante Erich Räder, comandante da marinha alemã, era a personalidade de menor evidência em Berlim, naquele domingo em que se soube que a Inglaterra estava em guerra. Na opinião dele, a guerra chegara cedo demais, com uma antecedência de quatro ou cinco anos. Em 1944-45 o plano Z da marinha estaria completo, dando à Alemanha uma frota considerável para opor-se à da Inglaterra. Mas, estava-se em 3 de setembro de 1939, e Räder sabia, embora Hitler não lhe desse ouvidos, que não dispunha de navios em número suficiente, nem de submarinos para ousar uma guerra efetiva contra a Inglaterra.

No seu diário, o almirante escreveu: «Hoje estourou a guerra contra a França e a Inglaterra, uma guerra que, de acordo com declarações anteriores do Führer, não precisaríamos travar antes de 1944. O Führer acreditou até ao último instante em que poderia evitá-la, mesmo que isto significasse um adiamento da solução final da questão polaca (...). No que concerne à marinha, é óbvio que não está adequadamente preparada para a grande batalha com a Inglaterra (...), a força submarina ainda é insignificante para ter atuação decisiva na guerra. As forças de superfície, além disso, são tão inferiores à frota inglesa, em número e poderio, que mesmo empregando a sua capacidade máxima não poderiam fazer mais do que mostrar que sabem morrer com valentia (...).»

Não obstante, às 21h, no dia 3 de setembro de 1939, no momento em que Hitler deixava Berlim, a marinha alemã, advertência prévia, com o submarino 7-30, torpedeou e afundou o vapor de carreira Athenia, a cerca de duzentas milhas marítimas das ilhas Hébridas, quando estava em rota de Liverpool para Montreal, levando 1.400 passageiros, dos quais 112, inclusive 28 americanos, perderam a vida. A Segunda Guerra Mundial começara.

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