sexta-feira, 19 de outubro de 2018

A Europa no tempo de uma segunda jangada de pedra


          A Grã-Bretanha, depois da Segunda Guerra, com uma tremenda carência de pessoal para o mercado de trabalho, gizou em 1948 uma lei da nacionalidade britânica que veio a dar frutos na década seguinte com a maciça imigração vinda da chamada Commonwelth. Assim, chegaram ao Reino Unido milhares de imigrantes da Índia, Paquistão, Bangladesh e Antilhas.
          É claro que tudo isto teve grandes repercussões no estado social britânico. Mas tirando alguns episódios graves, como os tumultos de Notting Hill em 1958, foram mais a exceção do que a regra. Ao longo de anos os principais partidos saudaram os resultados dos censos num espírito de celebração. Em 2007, o então mayor de londres, Ken Livingston, falou com orgulho acerca do facto de 35% das pessoas que trabalham em Londres serem estrangeiras. E a reação geral dos comentaristas ao censo de 2011 e publicado no final de 2012, em relação à situação de em 23 dos 33 bairros de Londres os britânicos estarem em minoria, foi de júbilo pela salutar diversidade.  Efetivamente, no censo de 2011, o número de estrangeiros desde o censo anterior, portanto numa década, aumentou quase três milhões. Nessa altura, dos residentes em Londres, alegadamente 44,9% se identificavam como “britânicos nativos”. Em Inglaterra e Gales, três milhões de pessoas viviam em casas onde nem um único adulto falava inglês como primeira língua; e nesta década o número de muçulmanos passou de 1,5 para 2,7 milhões. Estes eram os números oficiais, mas há uma aceitação generalizada de que a imigração ilegal, pela improbabilidade de estes terem preenchido os formulários do censo de 2011, faz disparar estes números para mais um milhão.
          O mundo assiste atualmente à maior vaga migratória em massa desde a Segunda Guerra Mundial. E o exemplo mais impressionante é o do Mediterrâneo. Desde 2014 mais de quatro milhões de pessoas atravessaram o Mediterrâneo de sul para norte em barcos que metiam água. As guerras civis na Síria, Afeganistão e Iraque empurraram para a Europa um número sem precedentes de pessoas. É claro que os migrantes africanos tentam desde há muito chegar a Espanha a partir de Marrocos, ou às ilhas Canárias a partir do Senegal. E da Líbia para a Itália e Grécia. Mas nunca antes vieram migrantes em número assim tão extraordinariamente elevado, que por último passaram a partir em massa da Turquia para as ilhas gregas. A Hungria, que de repente viu a sua fronteira sul ser franqueada com cem vezes mais migrantes, acabou por erigir uma barreira de arame farpado. E quando as pessoas simplesmente se desviaram e rumaram à Croácia, os húngaros construíram também uma segunda barreira ao longo da fronteira com a Croácia.
          E assim a crise migratória criou divisões no sei da União Europeia. Ao fim de meses de infindáveis e estéreis conferências e cimeiras, a maior parte dos outros países da EU recusou-se a aliviar os gregos e os italianos para além de um punhado simbólico de migrantes. Um dos princípios fundadores da EU – a solidariedade entre os estados-membros – parecia ter desaparecido. E a seguir o Acordo de Schengen.
          As pessoas vão continuar a vir, quer nos agrade ou não agrade. Podia ser diferente? Podia. Por exemplo um programa que incentivasse os migrantes a permanecerem no Médio Oriente. Tal teria permitido à Europa gerir as chegadas de maneira mais metódica. Mas foi uma tempestade perfeita porque os refugiados não viram nenhum motivo para ficar quietos onde estavam; nem os países do Médio Oriente tinham nenhum motivo para os impedir de sair; nem a Europa para lhes bloquear o caminho.
          Mas a tensão subiu ainda mais de tom com os ataques de paris em 2015. Foi revelado que dois dos nove terroristas tinham teria provavelmente chegado à Grécia um mês antes, num barco carregado de refugiados. Não tardou quem pedisse que se fechassem completamente as portas aos refugiados. Esta reação era a que os terroristas queriam. No meio de toda esta angústia, os refugiados continuaram a atravessar o mar em número recorde e a morrer em número recorde.
          Nos anos que decorreram desde o censo de 2011, o número de imigrantes chegados à Grã-Bretanha continuou a subir. Excedendo em muito os 300.000/ano desde o censo de 2011, a quantidade dos novos números do Seguro Nacional emitidos anualmente (porque são necessários para trabalhar) tem sido mais do dobro. A população crescente do Reino Unido é agora quase inteiramente devia à imigração e a uma taxa de natalidade mais elevada entre imigrantes.
          Em suma, não são precisos muitos anos para que a Grã-Bretanha se torne irreconhecível aos olhos dos seus atuais habitantes.

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