quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Relembrando Hobbes sem medo nem reverência


          Descansemos por umas horas, que os rumores não param de chegar de toda a parte às nossas redações. Já não há espaço para uma posição esperançosa em relação aos agentes do mal que deambulam por aí.
          Aubrey, amigo e biógrafo de Hobbes, conta o episódio dos “Elementos de Euclides” que Hobbes viu pousado sobre uma mesa na casa de um nobre que visitara em Florença, ao qual não resistiu em abrir e folheá-lo. Diz que ele se apaixonou pela geometria depois de o ter começado a ler do fim para o princípio. Em novembro de 1640 Hobbes torna-se o primeiro fugitivo da guerra civil ao trocar a Inglaterra por Paris. Em 1649 Carlos I Stuart haveria de ser decapitado com perturbação por toda a Europa. Hobbes, então com 45 anos, viajou pela Europa como era apanágio dos intelectuais bem-pensantes daquela época. Chegou a encontrar-se com Descartes, manifestando-lhe a sua preocupação com o rumo que o debate sobre a diferença entre aparência e realidade estava a ter.
          Hobbes estava com medo. Não medo de que o mundo pudesse não ser como nos parecia, mas sim medo de que fosse. Hobbes era um pensador audaz até à insolência, inclinado à provocação e à disputa. E, todavia, era o medo que elegia como a questão central da própria filosofia política.
          Em Os elementos da lei encontramos uma descrição sintética do estado de natureza, ligada a uma argumentação que Hobbes nunca mais abandonaria. Em tal estado, os homens são substancialmente iguais e têm os mesmos direitos (entre os quais o de ofender e de se defender): por isso vivem numa condição de guerra perene, de “desconfiança geral”, de “medo recíproco”. Eles saem dessa situação intolerável renunciando a uma parte dos próprios direitos: um pacto que transforma uma multidão amorfa num corpo político. Nasce assim o Estado, aquele que Hobbes chamará Leviatã: um nome que no Livro de Jó designa uma baleia, um gigantesco animal marinho que ninguém consegue fisgar com um anzol.
          Na foto em epígrafe, O frontispício do Leviatã, Hobbes cita, na tradução latina de são Jerónimo, um versículo extraído do capítulo 41 do Livro de Jó: “Non est super terram potestas quae comparetur ei”, não existe poder sobre a terra comparável a ele.
          Para Hobbes o Estado surge de um pacto nascido do medo. Na Europa assolada pelas guerras de religião, na Inglaterra dilacerada pelos conflitos entre rei e Parlamento, a paz se mostrava a Hobbes como o bem supremo, merecedor de qualquer sacrifício: uma ideia que o acompanharia até à morte.
          Mas um pacto estipulado numa circunstância de constrição, como a que caracterizava o estado de natureza, pode ser considerado válido?

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