Descansemos por
umas horas, que os rumores não param de chegar de toda a parte às nossas
redações. Já não há espaço para uma posição esperançosa em relação aos agentes
do mal que deambulam por aí.
Aubrey, amigo e
biógrafo de Hobbes, conta o episódio dos “Elementos de Euclides” que Hobbes viu
pousado sobre uma mesa na casa de um nobre que visitara em Florença, ao qual
não resistiu em abrir e folheá-lo. Diz que ele se apaixonou pela geometria
depois de o ter começado a ler do fim para o princípio. Em novembro de 1640
Hobbes torna-se o primeiro fugitivo da guerra civil ao trocar a Inglaterra por Paris.
Em 1649 Carlos I Stuart haveria de ser decapitado com perturbação por toda a
Europa. Hobbes, então com 45 anos, viajou pela Europa como era apanágio dos
intelectuais bem-pensantes daquela época. Chegou a encontrar-se com Descartes,
manifestando-lhe a sua preocupação com o rumo que o debate sobre a diferença
entre aparência e realidade estava a ter.
Hobbes estava com
medo. Não medo de que o mundo pudesse não ser como nos parecia, mas sim medo de
que fosse. Hobbes era um pensador audaz até à insolência, inclinado à
provocação e à disputa. E, todavia, era o medo que elegia como a questão
central da própria filosofia política.
Em Os elementos da
lei encontramos uma descrição sintética do estado de natureza, ligada a uma
argumentação que Hobbes nunca mais abandonaria. Em tal estado, os homens são
substancialmente iguais e têm os mesmos direitos (entre os quais o de ofender e
de se defender): por isso vivem numa condição de guerra perene, de
“desconfiança geral”, de “medo recíproco”. Eles saem dessa situação intolerável
renunciando a uma parte dos próprios direitos: um pacto que transforma uma
multidão amorfa num corpo político. Nasce assim o Estado, aquele que Hobbes
chamará Leviatã: um nome que no Livro de Jó designa uma baleia, um gigantesco animal
marinho que ninguém consegue fisgar com um anzol.
Na foto em epígrafe,
O frontispício do Leviatã, Hobbes cita, na tradução latina de são Jerónimo, um
versículo extraído do capítulo 41 do Livro de Jó: “Non est super terram potestas quae comparetur ei”, não existe
poder sobre a terra comparável a ele.
Para Hobbes o
Estado surge de um pacto nascido do medo. Na Europa assolada pelas guerras de
religião, na Inglaterra dilacerada pelos conflitos entre rei e Parlamento, a
paz se mostrava a Hobbes como o bem supremo, merecedor de qualquer sacrifício:
uma ideia que o acompanharia até à morte.
Mas um pacto
estipulado numa circunstância de constrição, como a que caracterizava o estado
de natureza, pode ser considerado válido?
Sem comentários:
Enviar um comentário