quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Declínios civilizacionais


          Talvez para um cristão católico, o que se passou depois de Rómulo Augústulo ter sido deposto pelo general germânico Odoacro em 476, e até à entrada de Maomé II em Constantinopla em 1453, não foi o que durante séculos se disse: uma “idade de trevas”. A alvorada da civilização cristã, com todas as suas formas de criação, e que perduraram até aos dias de hoje, diz um católico, criou uma cultura com raízes comuns e unidade, apesar do seu passado conturbado em guerras internas. Uma herança cristã comum com boas credenciais históricas para a base de uma cultura e identidade comuns. Mas a retórica não cola à realidade, e ainda nos dias de hoje o cristianismo é tão divisório como outrora. Em todo o caso, hoje seria impensável o Papa ter aquelas ideias que os papas tiveram no tempo de Carlos Magno.
          Os romanos, antes da queda, estavam tão certos como nós estamos hoje de que o seu mundo continuaria para sempre substancialmente inalterado. É o que alguns historiadores da atualidade, sobretudo os pós-estruturalistas, pensam para se sentirem mais confortáveis a discutir ascensões disto ou daquilo do que quedas ou declínios de aqueloutro. Parece que assim correm menos riscos, com um vocabulário otimista e positivo. Parece que há menos dificuldades e menos complicações se concebermos as transformações das sociedades de uma forma suave e contínua, essencialmente num sentido positivo. Portanto, para os intelectuais de agora, sobretudo os do norte da Europa, os povos germânicos foram sobretudo migrantes que se acomodaram pacificamente nas províncias romanas, e não invadiram coisa nenhuma. E a cultura de Roma evoluiu lentamente para novas formas.



          Depois de leituras de um lado e de outro, eu ainda acredito que os séculos pós-romanos assistiram a um declínio dramático na sofisticação e prosperidade económica, com impacte em toda a sociedade. Independentemente da influência do cristianismo, ao fim e ao cabo, sempre foram as condições materiais que condicionaram e ditaram os fluxos humanos para fazer andar a roda da História. Daí que eu também acredite, mais cedo do que tarde, que o declínio dos EUA e o fim da UE, à semelhança do fim da civilização greco-romana antiga arrastada pelo declínio de Roma, será inexorável.
          Tem sido nestes últimos tempos de “despreocupação descontraída com os factos” que se tem contrariado a teoria histórica que interpretava o facto de a civilização mediterrânica do mundo antigo, centrada em Roma, ter colapsado a partir do século V devido ao golpe de misericórdia dado pelas invasões germânicas. Em primeiro lugar, porque o conceito de civilização é um conceito ultrapassado pelo conceito de culturas. Segundo, porque não houve invasões nenhumas. Terceiro, porque Roma era um império.
          Estas ideias, tão auspiciosas e tão radicalmente diferentes, terão suportado o facto de o Império Romano, por si só, nunca ter merecido a satisfação dos líderes políticos como um antepassado honroso da União Europeia. Acreditam que uma União Europeia inteiramente mediterrânica marginalizaria a Europa do Norte, a Europa de Bruxelas e Estrasburgo, a pouco mais de 100 quilómetros da residência favorita de Carlos Magno e de Aachen, o local onde está enterrado.  

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