sábado, 20 de outubro de 2018

Os cérebros de iogues tibetanos estudados por Richard Davidson


          Richard Davidson é um neurocientista à frente do laboratório de imagiologia cerebral do Centro Waisman, no Wisconsin-Madison, onde na última década intensificou o estudo do cérebro de iogues com larga experiência em meditação.
          A princípio foi impossível ter a cooperação dos iogues de alto nível. Mas quando Matthieu Ricard – um cientista francês que havia abandonado François Jacob nos anos 70 para se retirar nos mosteiros budistas do Nepal, e atualmente um iogue de alto nível, e o primeiro meditador a colaborar com Richard Davidson – assegurou aos seus pares iogues que a sua participação na investigação científica podia ser benéfica para as pessoas, Richard Davidson acabou por conseguir que 21 iogues de alto nível concordassem em colaborar.
          Entretanto com a aquisição da última versão da Ressonância Magnética de alta resolução, e a Eletroencefalografia de 256 canais, os investigadores do Wisconsin atingiram um grau de mapeamento cerebral centenas de vezes superior aos equipamentos convencionais utilizados noutros centros de investigação, já para não falar em relação aos vulgares equipamentos utilizados em Medicina.
          Assim, Richard Davidson havia descoberto agora que podia usar marcos anatómicos do cérebro que comparavam o cérebro dos iogues com o cérebro de outras pessoas guardados numa grande base de dados. Um aspeto que ele pode constatar, para além de muitos outros mais polémicos, foi que estes 21 iogues de alto nível apresentavam uma espessura de matéria cinzenta, comparada com pessoas com a mesma idade, muito superior. Isto significava que o grau de envelhecimento do cérebro dos iogues era inferir ao das outras pessoas. Em relação a este aspeto sabe-se que o cérebro não envelhece de igual modo em todas as pessoas, numas envelhece mais depressa, noutras mais devagar.
          Este facto, bastante notável, veio confirmar aquilo que Richard Davidson já suspeitava, na base do que se já conhecia da neuroplasticidade do cérebro: a meditação de longo curso permitia aos iogues a capacidade de voluntariamente poderem modelar a estrutura do cérebro sobretudo ao nível das áreas pré-frontais do cérebro.
          Todos se submeteram ao mesmo protocolo científico. Entravam nos estados modificados especificados quando queriam, com uma surpreendente facilidade. Cada um marcava uma assinatura neuronal distinta na geração de sentimentos de compaixão. Entravam e saiam numa questão de segundos desses níveis de consciência difíceis de atingir. Essas mudanças de consciência eram acompanhadas por mudanças igualmente pronunciadas n a atividade cerebral mensurável.
Tal coisa, nunca antes havia sido vista pela ciência. Uma assinatura neuronal que mostrava uma transformação duradoura. Em média, os iogues tinham uma amplitude nas oscilações gama vinte e cinco vezes maior – na linha de base – do que o grupo de controlo.
          Tudo começou em 1992, quando Richard Davidson, acompanhado da sua equipa de cientistas, encetou uma viagem de três dias a McLeod Ganj, a estância montanhosa nos sopés dos Himalaias perto da residência oficial do Dalai-Lama no exílio. Isto porque o Dalai-Lama prometeu ajudar ao identificar alguns mestres iogues a viver em pequenas cabanas, ou até em grutas, nas íngremes colinas dos Himalaias perto dali. O Dalai-Lama escrevera uma carta incitando os iogues a cooperar e enviou mesmo um emissário pessoal, um monge do seu gabinete privado, para reforçar tal pedido de colaboração. Mas quando os cientistas chegaram ao contacto dos iogues, todos eles responderam: não! Corriam pela montanha rumores que um iogue que havia abandonado o seu retiro para ir colaborar numa universidade na distante América, morrera pouco depois de regressar devido a essa viagem.
          Alguns dos iogues apresentaram o astuto argumento de que não faziam ideia do que, exatamente, eles queriam medir com aquelas máquinas. Além de que, se defraudassem as expectativas científicas, podiam ser levados a pensar que os seus métodos não serviam para nada. Eles tinham um grande orgulho pessoal nas suas realizações interiores e não acreditavam que aquelas máquinas as pudessem medir.
          Apesar de as perspetivas para os estudos científicos serem sombrias, Richard Davidson não baixou os braços. Graças à sua grande amizade com Matthieu Ricard e com Francisco Varela, foi inestimável a sua ajuda no prosseguimento das experiências com o cérebro. Assim, Matthieu ofereceu-se como a primeira cobaia de estudo. A sua formação em biologia molecular deu-lhe facilidade em lidar com os rigores e regras dos métodos científicos.
          Os iogues tinham, de facto, razão, porque o que eles queriam estudar era exclusivamente privado, ou seja, eram experiências na primeira pessoa e as medições objetivas da ciência biológica, quando muito, mostravam uma realidade apenas na terceira pessoa, isto é, vista de fora. Ora, o que Matthieu se propôs fazer, por orientação de Francisco Varela, foi precisamente encurtar essa distância entre a primeira e a terceira pessoa, ao ser ele ao mesmo tempo o cientista e o iogue a analisar. A sua mente bem treinada acabou por fornecer melhores dados do que se fossem pessoas menos treinadas.
          A equipa laboratorial percebeu naquele momento quão preciosa havia sido aquela experiência com Matthieu Ricard, pois constituiu a base daquilo que viria a acontecer nos anos que se seguiram com a participação de outros monges que eles apelidaram de olímpicos. Ninguém conseguiria prever onde tal conduziria, mas todos sentiam que era um ponto de inflexão crítico na história da neurociência, que não ficou indiferente ao estudo que eles publicaram em 2004 no “Proceedings of the National Academy of Sciences” – Long-Term Meditators Self-Induce High-Amplitude Gamma Synchrony During Mental Practice – artigo que no início de 2018 já havia sido citado na literatura científica mundial mais de mil vezes.


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