Richard Davidson é
um neurocientista à frente do laboratório de imagiologia cerebral do Centro
Waisman, no Wisconsin-Madison, onde na última década intensificou o estudo do
cérebro de iogues com larga experiência em meditação.
A princípio foi
impossível ter a cooperação dos iogues de alto nível. Mas quando Matthieu
Ricard – um cientista francês que havia abandonado François Jacob nos anos 70
para se retirar nos mosteiros budistas do Nepal, e atualmente um iogue de alto
nível, e o primeiro meditador a colaborar com Richard Davidson – assegurou aos
seus pares iogues que a sua participação na investigação científica podia ser
benéfica para as pessoas, Richard Davidson acabou por conseguir que 21 iogues
de alto nível concordassem em colaborar.
Entretanto com a
aquisição da última versão da Ressonância Magnética de alta resolução, e a
Eletroencefalografia de 256 canais, os investigadores do Wisconsin atingiram um
grau de mapeamento cerebral centenas de vezes superior aos equipamentos
convencionais utilizados noutros centros de investigação, já para não falar em
relação aos vulgares equipamentos utilizados em Medicina.
Assim, Richard
Davidson havia descoberto agora que podia usar marcos anatómicos do cérebro que
comparavam o cérebro dos iogues com o cérebro de outras pessoas guardados numa
grande base de dados. Um aspeto que ele pode constatar, para além de muitos
outros mais polémicos, foi que estes 21 iogues de alto nível apresentavam uma
espessura de matéria cinzenta, comparada com pessoas com a mesma idade, muito
superior. Isto significava que o grau de envelhecimento do cérebro dos iogues
era inferir ao das outras pessoas. Em relação a este aspeto sabe-se que o
cérebro não envelhece de igual modo em todas as pessoas, numas envelhece mais
depressa, noutras mais devagar.
Este facto,
bastante notável, veio confirmar aquilo que Richard Davidson já suspeitava, na
base do que se já conhecia da neuroplasticidade do cérebro: a meditação de
longo curso permitia aos iogues a capacidade de voluntariamente poderem modelar
a estrutura do cérebro sobretudo ao nível das áreas pré-frontais do cérebro.
Todos se
submeteram ao mesmo protocolo científico. Entravam nos estados modificados
especificados quando queriam, com uma surpreendente facilidade. Cada um marcava
uma assinatura neuronal distinta na geração de sentimentos de compaixão.
Entravam e saiam numa questão de segundos desses níveis de consciência difíceis
de atingir. Essas mudanças de consciência eram acompanhadas por mudanças
igualmente pronunciadas n a atividade cerebral mensurável.
Tal coisa, nunca
antes havia sido vista pela ciência. Uma assinatura neuronal que mostrava uma
transformação duradoura. Em média, os iogues tinham uma amplitude nas
oscilações gama vinte e cinco vezes maior – na linha de base – do que o grupo
de controlo.
Tudo começou em
1992, quando Richard Davidson, acompanhado da sua equipa de cientistas, encetou
uma viagem de três dias a McLeod Ganj, a estância montanhosa nos sopés dos
Himalaias perto da residência oficial do Dalai-Lama no exílio. Isto porque o
Dalai-Lama prometeu ajudar ao identificar alguns mestres iogues a viver em
pequenas cabanas, ou até em grutas, nas íngremes colinas dos Himalaias perto
dali. O Dalai-Lama escrevera uma carta incitando os iogues a cooperar e enviou
mesmo um emissário pessoal, um monge do seu gabinete privado, para reforçar tal
pedido de colaboração. Mas quando os cientistas chegaram ao contacto dos iogues,
todos eles responderam: não! Corriam pela montanha rumores que um iogue que
havia abandonado o seu retiro para ir colaborar numa universidade na distante América,
morrera pouco depois de regressar devido a essa viagem.
Alguns dos iogues
apresentaram o astuto argumento de que não faziam ideia do que, exatamente,
eles queriam medir com aquelas máquinas. Além de que, se defraudassem as
expectativas científicas, podiam ser levados a pensar que os seus métodos não
serviam para nada. Eles tinham um grande orgulho pessoal nas suas realizações interiores
e não acreditavam que aquelas máquinas as pudessem medir.
Apesar de as
perspetivas para os estudos científicos serem sombrias, Richard Davidson não
baixou os braços. Graças à sua grande amizade com Matthieu Ricard e com
Francisco Varela, foi inestimável a sua ajuda no prosseguimento das experiências
com o cérebro. Assim, Matthieu ofereceu-se como a primeira cobaia de estudo. A
sua formação em biologia molecular deu-lhe facilidade em lidar com os rigores e
regras dos métodos científicos.
Os iogues tinham,
de facto, razão, porque o que eles queriam estudar era exclusivamente privado,
ou seja, eram experiências na primeira pessoa e as medições objetivas da
ciência biológica, quando muito, mostravam uma realidade apenas na terceira
pessoa, isto é, vista de fora. Ora, o que Matthieu se propôs fazer, por
orientação de Francisco Varela, foi precisamente encurtar essa distância entre
a primeira e a terceira pessoa, ao ser ele ao mesmo tempo o cientista e o iogue
a analisar. A sua mente bem treinada acabou por fornecer melhores dados do que
se fossem pessoas menos treinadas.
A equipa
laboratorial percebeu naquele momento quão preciosa havia sido aquela
experiência com Matthieu Ricard, pois constituiu a base daquilo que viria a
acontecer nos anos que se seguiram com a participação de outros monges que eles
apelidaram de olímpicos. Ninguém conseguiria prever onde tal conduziria, mas
todos sentiam que era um ponto de inflexão crítico na história da neurociência,
que não ficou indiferente ao estudo que eles publicaram em 2004 no “Proceedings
of the National Academy of Sciences” – Long-Term Meditators Self-Induce
High-Amplitude Gamma Synchrony During Mental Practice – artigo que no início de
2018 já havia sido citado na literatura científica mundial mais de mil vezes.
Sem comentários:
Enviar um comentário