terça-feira, 16 de outubro de 2018

Falar barato


          Tal como mentir, falar barato é uma coisa muito feia. No entanto, não deve haver ninguém que não tenha mentido algumas vezes. Umas vezes por necessidade de salvar a pele, outras vezes para atingir certos objetivos, que de uma forma honesta não o conseguiria. Mas ao contrário do fala-barato, normalmente as pessoas não mentem por gostarem de mentor. Ao passo que o fala-barato fá-lo por gosto.
          O que o falar barato deturpa, essencialmente, não é o estado de coisas ao qual se refere – que a mentira deturpa por ser falso. O que tem é falsas crenças em relação a esse estado de coisas. Falar barato não envolve falsidade no sentido intencional de enganar, pelo que difere de mentir.
          O fala-barato pode não nos enganar, ou nem ao menos querer fazê-lo, sobre os factos ou a sua interpretação deles. O que ele deturpa é a realidade sem ter isso como objetivo. Esse é o ponto crucial da distinção entre ele e o mentiroso. Ele fala como se tentasse comunicar a verdade. De qualquer forma, o sucesso tanto de um como de outro reside no facto de fazer os outros acreditar no que diz como se fosse verdade. De resto, para o fala-barato, pouco importa que o que diz seja verdade ou não. A verdade não é a sua preocupação. Portanto, a sua intenção não é contar a verdade, mas também não é ocultá-la, como acontece com o mentiroso. É impossível para alguém mentir a menos que julgue conhecer a verdade. Isso não significa que seu discurso seja anarquicamente impulsivo. Seu enfoque não é sobre os factos, como o da pessoa honesta e do mentiroso. Ele não se importa se as coisas que fala descrevem a realidade corretamente. Apenas as escolhe ou inventa para satisfazer seu propósito.
         É inevitável falar barato todas as vezes que as circunstâncias exijam de alguém falar sem saber o que está a dizer. Assim, a produção de imbecilidades é estimulada sempre que as obrigações ou oportunidades que uma pessoa tem de se manifestar sobre algum tópico excederem o seu conhecimento dos factos pertinentes. Essa discrepância é comum nas redes sociais, em que os indivíduos são com frequência impelidos, seja pelas próprias inclinações ou por exigência de outrem, a falar sobre questões em que são até certo ponto ignorantes. Exemplos intimamente relacionados se originam de uma convicção generalizada de que é dever do cidadão, numa democracia, ter opiniões sobre tudo ou, pelo menos, tudo aquilo que diga respeito à política o a questões ditas fraturantes.
          A falta de um nexo significativo entre o fala-barato e a sua apreensão da realidade vai tornar-se ainda mais grave quando ele acredite ser seu dever, como agente moral, avaliar o comportamento dos outros. A atual proliferação do ato de falar imbecilidades tem também raízes muito profundas em várias formas de ceticismo, que negam o facto de que possamos ter acesso confiável a uma realidade objetiva, rejeitando, portanto, a possibilidade de sabermos como as coisas na verdade são.
          Vivemos numa época em que muitas pessoas acham que a verdade não merece nenhum respeito especial, baseando-se no facto de que o que há é pontos de vista, e há convicções que são levadas a serem consideradas verdadeiras por várias pressões sociais complexas e inelutáveis. Ora, não parece que uma civilização se aguenta muito tempo se se generalizar o desprezo pela verdade e a honestidade. Ninguém em sã consciência confia no construtor de uma ponte, ou se entrega aos cuidados de um médico, se eles não se importarem com a verdade.

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