quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Os Passadores de Agadez


          Como fenómeno, a passagem de migrantes por Agadez não é nova, mas para os seus habitantes foi só nos últimos cinco anos que a palavra ‘migração’ entrou no vocabulário deles. Para os viajantes e mercadores que se atrevem na travessia do Sara, Agadez sempre foi incontornável. Mas agora é também ponto de passagem obrigatória para gente subsariana que arrisca a sorte da rota pela Líbia a fim de entrar na Europa. Até há uns dez anos podia-se também chegar à Europa via Senegal e com destino às ilhas Canárias. Ou de Marrocos para os enclaves espanhóis no noroeste de África. Mas essas rotas estão hoje cortadas. E por essa razão Agadez, no centro do Níger, adquiriu uma importância ainda maior como etapa de migração.
          Só alguns condutores locais, poucos e escolhidos, sabem quais os trilhos que conduzem ao outro lado do deserto do Sara. Em três dias de condução, são muitos os cruzamentos que se podem falhar, e onde africanos ocidentais, muitos nigerianos, camaroneses ou senegaleses vão morrer antes de arriscarem a morte no Mediterrâneo. Para estes migrantes, há o perigo do mar Mediterrâneo. Mas há quem diga que o perigo do “mar do Sara” não é menor.



          Muitos dos passadores do Níger, antes de se dedicarem a traficar migrantes subsarianos, eram guias turísticos em excursões pelo Sara. Mas essa indústria desapareceu na esteira de uma insurreição regional. Cada um com a sua carrinha Toyota de caixa aberta faz o trajeto dessa rota invisível que conduz à Líbia com 30 passageiros empilhados como sardinhas. É preciso ser-se um grande perito do deserto, pois em segundos as habituais tempestades de areia mudam a topografia das dunas, e em menos de uma hora uma carrinha pode ficar toda soterrada debaixo da areia. E se se perdem, acaba-se o combustível. Depois acaba-se a água. E sem água não se dura vivo mais do que três dias.
          Além do risco do deserto, há o risco dos bandidos e dos jihadistas. Muitos morrem numa dessas emboscadas quando não têm a sorte de um resgate. Ninguém sabe quantos morrem destas diferentes maneiras. E, contudo, o número dos que arriscam continua a bater recordes. Qualquer pessoa com meios pode tomar um autocarro nas costas da Nigéria e seguir até ao fim em Agadez, ao fim de vinte horas de viagem, onde os condutores dos autocarros param e os passadores entram. Os pátios são os lugares ideias para esconder uma centena de migrantes até partirem para norte. Em média, os passadores cobram o equivalente a 500 euros por cada migrante. A polícia faz de conta que é proibido, mas a corrupção é muita, e o exército não manda parar ninguém. Num ano cada passador pode fazer 350 mil euros. No total dos passadores deve rondar os 22 milhões de euros. E estima-se que milhão e meio fique para os subornos da polícia.


          Esta é mais uma das realidades nuas e cruas da migração para a Europa. É fútil qualquer tentativa para fazer parar as migrações. Até porque não há ninguém interessado em tentar detê-las. As agências de viagens agora estão fechadas e entaipadas, desde que uma rebelião de berberes e a ascensão duma representante regional da al-Qaeda, em 2007, interromperam o comércio turístico. Os hotéis estão na sua maioria fechados e saqueados. As autoridades do Níger explicam que o boom do tráfico de pessoas deve ser visto pelo prisma do colapso da economia. Muitos artesãos viram-se obrigados a mudar de trabalho. E alguns agora são contrabandistas.


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