Como fenómeno, a
passagem de migrantes por Agadez não é nova, mas para os seus habitantes foi só
nos últimos cinco anos que a palavra ‘migração’ entrou no vocabulário deles. Para
os viajantes e mercadores que se atrevem na travessia do Sara, Agadez sempre
foi incontornável. Mas agora é também ponto de passagem obrigatória para gente
subsariana que arrisca a sorte da rota pela Líbia a fim de entrar na Europa.
Até há uns dez anos podia-se também chegar à Europa via Senegal e com destino
às ilhas Canárias. Ou de Marrocos para os enclaves espanhóis no noroeste de
África. Mas essas rotas estão hoje cortadas. E por essa razão Agadez, no centro
do Níger, adquiriu uma importância ainda maior como etapa de migração.
Só alguns
condutores locais, poucos e escolhidos, sabem quais os trilhos que conduzem ao
outro lado do deserto do Sara. Em três dias de condução, são muitos os
cruzamentos que se podem falhar, e onde africanos ocidentais, muitos
nigerianos, camaroneses ou senegaleses vão morrer antes de arriscarem a morte
no Mediterrâneo. Para estes migrantes, há o perigo do mar Mediterrâneo. Mas há
quem diga que o perigo do “mar do Sara” não é menor.
Muitos dos
passadores do Níger, antes de se dedicarem a traficar migrantes subsarianos,
eram guias turísticos em excursões pelo Sara. Mas essa indústria desapareceu na
esteira de uma insurreição regional. Cada um com a sua carrinha Toyota de caixa
aberta faz o trajeto dessa rota invisível que conduz à Líbia com 30 passageiros
empilhados como sardinhas. É preciso ser-se um grande perito do deserto, pois
em segundos as habituais tempestades de areia mudam a topografia das dunas, e
em menos de uma hora uma carrinha pode ficar toda soterrada debaixo da areia. E
se se perdem, acaba-se o combustível. Depois acaba-se a água. E sem água não se
dura vivo mais do que três dias.
Além do risco do
deserto, há o risco dos bandidos e dos jihadistas. Muitos morrem numa dessas
emboscadas quando não têm a sorte de um resgate. Ninguém sabe quantos morrem
destas diferentes maneiras. E, contudo, o número dos que arriscam continua a
bater recordes. Qualquer pessoa com meios pode tomar um autocarro nas costas da
Nigéria e seguir até ao fim em Agadez, ao fim de vinte horas de viagem, onde os
condutores dos autocarros param e os passadores entram. Os pátios são os
lugares ideias para esconder uma centena de migrantes até partirem para norte.
Em média, os passadores cobram o equivalente a 500 euros por cada migrante. A
polícia faz de conta que é proibido, mas a corrupção é muita, e o exército não
manda parar ninguém. Num ano cada passador pode fazer 350 mil euros. No total
dos passadores deve rondar os 22 milhões de euros. E estima-se que milhão e
meio fique para os subornos da polícia.
Esta é mais uma
das realidades nuas e cruas da migração para a Europa. É fútil qualquer
tentativa para fazer parar as migrações. Até porque não há ninguém interessado em
tentar detê-las. As agências de viagens agora estão fechadas e entaipadas,
desde que uma rebelião de berberes e a ascensão duma representante regional da
al-Qaeda, em 2007, interromperam o comércio turístico. Os hotéis estão na sua
maioria fechados e saqueados. As autoridades do Níger explicam que o boom do
tráfico de pessoas deve ser visto pelo prisma do colapso da economia. Muitos
artesãos viram-se obrigados a mudar de trabalho. E alguns agora são
contrabandistas.
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