De volta à
espiritualidade, à transcendência, mas liberto de religião e metafísica, eis de
novo o humanismo a ler com agrado Homero, ou a ouvir Bach, ou fascinado com o
templo de Angkor para ver se consegue libertar-se das garras do materialismo.
É a crença na universalidade
da pluralidade do Outro, que impulsiona este novo humanismo para o “amor do
próximo”. Já não é com o pensamento frouxo da “tolerância” democrática, mas sim
com um pensamento aberto e alargado que possa abarcar o significado da “transcendência
na imanência”. Assim se resume em pensamento a experiência fundamental da
humanidade que passa pela compreensão do estoicismo, do budismo, do espinosismo
e de todas as filosofias que nos convidam a esperar um pouco menos e a amar um
pouco mais.
A transcendência na
imanência de 2018 é uma transcendência enraizada no humano, e já não em Deus nem
na Pátria, fundamentada na sacralidade do Outro. O slogan do “mais vale
vermelho que morto” desapareceu em 1989 com o totalitarismo soviético. Mas até
aí, mais valia ceder à opressão do que arriscar a vida resistindo-lhe. Os motivos
tradicionais do sacrifício, em que a vida não era o único valor importante e
por isso se prescindia dela em nome de Deus ou da Pátria, já não fazem sentido.
Agora é pelo Outro.
É por isso que é
deplorável ainda vermos humanos a massacrarem outros humanos inocentes.
Enquanto seres humanos eles poderiam ter agido de outra maneira. Eles têm
liberdade de escolha. Não são ursos, animais selvagens.
Há na técnica uma
transcendência em relação aos códigos morais. Na técnica não há juízos de valor
em relação à vida, ou mesmo à própria existência do Universo. Neste ponto a
técnica falha o essencial. Num pequeno ensaio intitulado “A Superação da
metafísica”, Heidegger descreve como o domínio da técnica resulta de um
processo que tem origem na ciência do século XVII para se estender pouco a
pouco a todos os domínios da vida democrática. Lamentavelmente foi a sua
descrença na democracia que o fez lançar-se nos braços do pior regime
autoritário que a humanidade conheceu: “a maldade absoluta”. Já em apontamento
anterior eu havia recordado o debate entre os filósofos sobre a “maldade” a
seguir ao famoso terramoto de Lisboa em 1755. Decididamente, a Natureza, tal
como propalavam os estoicos antigos, nada tinha de cosmos harmonioso e bom. E
todos, ou quase todos, pensavam na época que a ciência iria salvar-nos das
tiranias da Natureza. Havia entrado em cena a ideia moderna de uma felicidade
conquistada pela ciência, de um bem-estar tornado possível pelo domínio do
mundo.
A técnica é um
processo sem finalidade, desprovido de qualquer espécie de objetivo definido. Diz
respeito aos meios e não aos fins. Numa lógica de competição globalizada, uma
empresa que não progrida todos os dias é uma empresa votada à morte. Mas este
progresso não tem outro objetivo senão ele mesmo. Tudo isto ultrapassa, em
muito, as vontades individuais conscientes.
Hoje já ninguém
arrisca dizer que a sobrevivência da espécie está garantida. Pela primeira vez
na história da vida, uma espécie viva detém os meios de destruir o planeta
inteiro. Os seus poderes de transformação são suficientemente gigantescos para
provocar a destruição do mundo na Terra. Líderes europeus, ou melhor, burocratas,
apesar de empregarem discursos moralizadores e piedosos, assistem praticamente impotentes
a tudo isto.
Sem comentários:
Enviar um comentário