terça-feira, 2 de outubro de 2018

Os Transumanistas e o conceito de “natureza humana”


Enquanto que os Transumanistas, apostando na superação dos limites da condição humana, falam numa “pós-humanidade” como ampliação das possibilidades do “ser” no mundo; os Bioconservadores avocam o papel de defensores da “natureza humana”, pelo que são intransigentes quanto ao respeito pelos limites da condição humana. Ou seja, enquanto para os primeiros o processo de alteração da condição humana será algo de positivo, pois beneficiará o ser humano, para os segundos ocorrerá precisamente o contrário.

Interfaces cérebro-computador, ou membros biónicos, já hoje existem como exemplo do que a biotecnologia nos pode oferecer como algo benéfico e extraordinário. Qual é o problema de a biotecnologia permitir ao humano transcender as suas limitações biológicas? Doenças incuráveis, deficiências com limitação funcional, por vezes incapacitantes, podem ser erradicadas, e assim se promove a saúde e o bem-estar. Por outro lado, também se podem melhorar capacidades mentais, modelar emoções, elevando-se assim o nível de bem-estar individual e coletivo.

O Transumanismo é definido como uma mundividência filosófica no sentido da pós-humanidade. O Transumanismo compartilha muitos elementos do Humanismo, incluindo o respeito pela razão e pela ciência, um compromisso com o progresso e uma valorização da existência humana (ou transumana) na Terra, que nada tem a ver com o arquétipo de uma pós-vida sobrenatural. O Transumanismo difere do Humanismo ao reconhecer e antecipar as radicais alterações na natureza e as possibilidades que as várias ciências e tecnologias têm de modificar as nossas vidas para melhor.

Os Bioconservadores acusam os Transumanistas de anti-humanistas perigosos, pragmáticos sem valores e tecnoprofetas inconsequentes e ingénuos. Os Bioconservadores batem-se pela preservação do natural em detrimento do artificial. A natureza humana consiste em um conjunto de disposições que todos (ou pelo menos a maioria) os seres humanos têm, assim como uma vasta gama de atividades humanas que dão forma ao comportamento, independentemente do contexto cultural ao longo da história humana.

Para Habermas, a natureza humana é constituída por certas características que conferem ao humano vulnerabilidade e precariedade. Elas servem como firme fundamento para as nossas intuições morais, os nossos vínculos sociais e a nossa autocompreensão ética enquanto espécie, bem como para a autonomia, dignidade e autenticidade humanas. Habermas está especialmente preocupado com os limites daquilo que denomina de eugenia positiva da natureza humana pelos genes, supondo que esta seja como uma “massa de modelar” suscetível de manipulação e design.

O pós-humanismo filosófico é a antevisão da evolução da espécie humana para uma nova espécie inteligente. Os ideais do transhumanismo contrastam com o "pós-humanismo cultural" nas humanidades e nas artes. Um "pós-humanismo cultural" repensa apenas as relações entre humanos e máquinas. Concebem o transhumanismo como um descendente do movimento do livre-pensamento humanista e argumentam que os transumanistas diferem da corrente principal humanista por ter um foco específico em abordagens tecnológicas para resolver preocupações humanas.

Alguns teóricos, como Raymond Kurzweil, são otimistas quanto ao ritmo da inovação tecnológica para os próximos 50 anos poderem produzir não apenas avanços tecnológicos radicais, mas, possivelmente, uma singularidade tecnológica, o que pode mudar fundamentalmente a natureza dos seres humanos. Mas outros, como por exemplo Bostrom, têm escrito extensivamente sobre os riscos existenciais para o futuro bem-estar da humanidade, incluindo aqueles que poderiam ser criados pelas tecnologias emergentes.

Há uma variedade de opiniões dentro do pensamento transhumanista, defendendo pontos de vista que estão sob revisão e desenvolvimento constante. Embora muitos transhumanistas sejam ateus, agnósticos, ou humanistas seculares, alguns têm pontos de vista religiosos. Budistas transhumanistas têm procurado explorar áreas derivadas da meditação “mindfulness” como uma ferramenta para transcender a Humanidade. Desde 2009, a Academia Americana de Religião detém uma consulta sobre "Transhumanismo e Religião", onde estudiosos no campo de estudos religiosos procuram identificar e avaliar criticamente quaisquer crenças religiosas implícitas que podem estar nas reivindicações transhumanistas.

Enquanto alguns transhumanistas apenas fazem uma abordagem abstrata e teórica para os benefícios percebidos de tecnologias emergentes, outros têm oferecido propostas específicas de modificações no corpo humano, incluindo as hereditárias. Outros estão preocupados com métodos de melhoria do sistema nervoso humano. Embora alguns proponham a modificação do sistema nervoso periférico, o cérebro é considerado o denominador comum da pessoalidade e é, portanto, o foco principal das ambições transhumanistas.

Alguns relatórios sobre as tecnologias convergentes continuam a falar apenas num delírio de ficção científica. Mas ao mesmo tempo o Departamento de Defesa dos EUA está interessado ​​nas vantagens no campo de batalha dos Super Soldados, olhando para a possibilidade de aumentar a capacidade humana para o combate a um máximo de 168 horas sem dormir. O neurocientista Anders Sandberg tem praticado o método de digitalização de secções ultrafinas do cérebro. Este método está a ser usado para ajudar a compreender melhor a arquitetura do cérebro. Este é o primeiro passo para o upload do conteúdo do cérebro humano, incluindo memórias e emoções, para um computador.

Diante de tais evoluções, é prudente analisar os argumentos de um lado e do outro a fim de evitar uma polarização do tipo “bem contra o mal”. Cumpre analisar se a biotecnociência merece tanto crédito.

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