Talvez para um
cristão católico, o que se passou depois de Rómulo Augústulo ter sido deposto
pelo general germânico Odoacro em 476, e até à entrada de Maomé II em
Constantinopla em 1453, não foi o que durante séculos se disse: uma “idade de
trevas”. A alvorada da civilização cristã, com todas as suas formas de criação,
e que perduraram até aos dias de hoje, diz um católico, criou uma cultura com
raízes comuns e unidade, apesar do seu passado conturbado em guerras internas.
Uma herança cristã comum com boas credenciais históricas para a base de uma
cultura e identidade comuns. Mas a retórica não cola à realidade, e ainda nos
dias de hoje o cristianismo é tão divisório como outrora. Em todo o caso, hoje
seria impensável o Papa ter aquelas ideias que os papas tiveram no tempo de
Carlos Magno.
Os romanos, antes
da queda, estavam tão certos como nós estamos hoje de que o seu mundo
continuaria para sempre substancialmente inalterado. É o que alguns historiadores
da atualidade, sobretudo os pós-estruturalistas, pensam para se sentirem mais
confortáveis a discutir ascensões disto ou daquilo do que quedas ou declínios
de aqueloutro. Parece que assim correm menos riscos, com um vocabulário
otimista e positivo. Parece que há menos dificuldades e menos complicações se
concebermos as transformações das sociedades de uma forma suave e contínua,
essencialmente num sentido positivo. Portanto, para os intelectuais de agora,
sobretudo os do norte da Europa, os povos germânicos foram sobretudo migrantes
que se acomodaram pacificamente nas províncias romanas, e não invadiram coisa
nenhuma. E a cultura de Roma evoluiu lentamente para novas formas.
Depois de leituras
de um lado e de outro, eu ainda acredito que os séculos pós-romanos assistiram
a um declínio dramático na sofisticação e prosperidade económica, com impacte
em toda a sociedade. Independentemente da influência do cristianismo, ao fim e
ao cabo, sempre foram as condições materiais que condicionaram e ditaram os
fluxos humanos para fazer andar a roda da História. Daí que eu também acredite,
mais cedo do que tarde, que o declínio dos EUA e o fim da UE, à semelhança do
fim da civilização greco-romana antiga arrastada pelo declínio de Roma, será
inexorável.
Tem sido nestes
últimos tempos de “despreocupação descontraída com os factos” que se tem
contrariado a teoria histórica que interpretava o facto de a civilização
mediterrânica do mundo antigo, centrada em Roma, ter colapsado a partir do
século V devido ao golpe de misericórdia dado pelas invasões germânicas. Em
primeiro lugar, porque o conceito de civilização é um conceito ultrapassado
pelo conceito de culturas. Segundo, porque não houve invasões nenhumas.
Terceiro, porque Roma era um império.
Estas ideias, tão
auspiciosas e tão radicalmente diferentes, terão suportado o facto de o Império
Romano, por si só, nunca ter merecido a satisfação dos líderes políticos como um
antepassado honroso da União Europeia. Acreditam que uma União Europeia
inteiramente mediterrânica marginalizaria a Europa do Norte, a Europa de
Bruxelas e Estrasburgo, a pouco mais de 100 quilómetros da residência favorita
de Carlos Magno e de Aachen, o local onde está enterrado.