Hoje é o Dia Internacional dos Migrantes. Reinventando a Mobilidade Humana é o lema das Nações Unidas que estimam que 272 milhões vivam fora de seus países, 51 milhões a mais que em 2010. O secretário-geral António Guterres realçou o momento de oportunidade na recuperação da pandemia para se implementar o Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular. No Dia Internacional dos Migrantes é preciso falar dos que são violentamente barrados às portas da Europa. O número está sempre a aumentar e não há uma contagem oficial de quantas pessoas possam ter sido ilegalmente expulsas ao chegarem às fronteiras da UE desde que a crise migratória se agudizou. A repatriação de migrantes que não consigam provar que necessitam de proteção internacional está prevista na lei europeia, mas a expulsão violenta e imediata, sem acesso a um processo de pedido de asilo, é uma quebra da lei internacional.
Os estados pós-Jugoslávia sofreram conflitos, mas os Balcãs Ocidentais estão a passar pela desindustrialização secundária à globalização, vivendo a sua própria migração para o norte da Europa. Assim se perpetua uma região como rota migratória preferencial, uma fronteira a ser assaltada como se de uma conjura da História se tratasse. A Sérvia não é um país da União Europeia, mas é vista como menos hostil em relação aos migrantes ilícitos. Além da Grécia, é por onde os migrantes entram na rota dos Balcãs Ocidentais. Os migrantes não querem simplesmente comida e abrigo, querem construir uma nova vida num país seguro e próspero. Por isso, registar-se oficialmente e ser autorizado a viver na Sérvia ou, na melhor das hipóteses, ser autorizado a fazer um pedido de asilo na União Europeia através da Bulgária ou da Grécia, é apenas um primeiro passo, um ponto de partida para depois concretizarem um sonho migratório que é muito mais do que isso.
A União Europeia (UE) tem estado preocupada com a forma como os Estados da UE e não UE ao longo da rota dos Balcãs Ocidentais têm permitido a passagem de migrantes. Apesar da boas intenções da União Europeia através da Frontex a coordenar as operações entre os Estados-membros nas fronteiras externas, a verdade é que as redes de tráfico de pessoas e contrabando de armas e droga estão constantemente a retomar as suas atividades ilícitas. O modelo da Fortaleza Europa é visto como um fracasso. Os Estados do norte da Europa não confiam mais na capacidade ou na vontade dos Estados do sul da Europa de manter as fronteiras europeias, mesmo com o reforço da Frontex. Em outubro de 2015, a UE deu 17 milhões de euros extra em ajudas à Sérvia e à antiga República Jugoslava da Macedónia como um gesto de boa vontade em cooperar sobre a crise dos refugiados. No entanto, tem-se verificado que a transferência de somas de dinheiro para essa finalidade não são de modo nenhum a forma mais adequada.
Enquanto isso, na Bulgária, onde a sociedade é mais hostil aos migrantes, e há grupos autoproclamados de defesa popular que policiam o campo contra os migrantes, procede-se como se de uma fronteira militar informal se tratasse. Há o perigo de as terras fronteiriças se deteriorarem numa existência económica e social insegura, onde a única atividade económica é a típica dos “guardas” de fronteiras: atividade comercial informal periférica. Os historiadores dizem que os Balcãs são um dos vários sítios onde a História dá lições. Nas ainda não tão longínquas terras da Casa de Habsburgo, ou então dos mais longínquos países do Sacro Império Romano-Germânico, liberdade e prosperidade nunca foram desfrutadas nas terra à volta das suas fronteiras.
A Sérvia forma-se nos finais do século XII, tendo adotado a fé ortodoxa, dado situar-se na esfera de influência do Império Bizantino. Mas depois vai sofrer a ocupação turca depois da batalha do Kosovo em 1389. E depois de tomada Constantinopla em 1453, passa a fazer parte do Império Otomano. No século XVII, uma parte de população sérvia do Kosovo emigra, e o Kosovo é repovoado por Albaneses. Muitos sérvios refugiaram-se na zona onde atualmente é a Croácia, e na zona da atual Voivodina. Mantendo o sonho de reconquistarem Belgrado, e voltarem, fornecem tropas aos exércitos da Casa de Habsburgo. A partir do início do século XIX (1806-1815) a nação Sérvia revolta-se e emancipa-se do Império Otomano, com a ajuda da Rússia. Constitui-se, por conseguinte, o primeiro estado soberano que se emancipa da tutela otomana.
A Bósnia e Herzegovina, por sua vez, esteve sob administração otomana até 1878, quando é Áustria a assumir o mandato administrativo sobre o seu território. E em 1909 é anexada ao Império Austro-Húngaro. A Bósnia, um microcosmo de etnias e de confissões religiosas, representa em si o verdadeiro mosaico que veio a ser a Jugoslávia que, para além dos eslavos islamizados, ainda tinha a memória dos bogomilos, um grupo de hereges que sofrera uma perseguição feroz no tempo das Cruzadas. Na Bósnia o principal grupo étnico é bósnio, ao qual se junta um terço de sérvios e um quinto de croatas. A maioria dos habitantes que vive no país são falantes do servo-croata e adotantes do alfabeto cirílico. Cinquenta por cento da população segue o cristianismo (35% segue a Igreja Ortodoxa Sérvia e 15% segue a Igreja Católica de Roma); e quarenta e seis por cento são muçulmanos.
A Jugoslávia havia sido uma ideia nascida na Croácia e na Eslovénia, por ocasião das revoluções de 1848, e que se tornou realidade em 1918, depois da Primeira Guerra Mundial. E os povos dos Balcãs Ocidentais assim reunidos como jugoslavos, foram-no sob o domínio centralizador da monarquia sérvia. Depois veio a Segunda Guerra Mundial e os sérvios massacraram croatas. Os croatas, por sua vez, forneceram guerrilheiros à resistência de Tito, filho de mãe eslovena e pai croata, e nascido em território que ao tempo fazia parte do Império Austro-Húngaro. Os Chetniks (uma organização paramilitar nacionalista e monárquica sérvia que operou nos Balcãs antes e durante a Segunda Guerra Mundial) estabeleceram acordos com as tropas alemãs para evitar o esmagamento comunista. Muçulmanos alistados pelas SS massacraram sérvios. Chetniks massacraram muçulmanos. Durante a guerra de Hitler, croatas, eslovenos e muçulmanos eram pró-alemães. Porque eram contra sérvios. Os alemães, libertadores da opressão sérvia, tornaram-se os novos opressores.
A Assembleia Antifascista de 1943 decidiu que a Jugoslávia seria um Estado Federal, que foi instituído após a libertação. O regime de Tito determinou então as fronteiras em prejuízo da Sérvia, de modo a impedir o regresso da dominação da Sérvia. Assim, é atribuída à Croácia uma grande parte da costa da Dalmácia e da Ístria, depois de esta ter sido esvaziada dos italianos. A Constituição de Tito de 1974 cria no território da Sérvia as províncias autónomas do Kosovo e da Voivodina, povoando-as de albaneses e muçulmanos. De facto, com Tito, forma-se uma Jugoslávia na base de uma Federação (República Socialista Federativa da Jugoslávia) que agrupava 6 Repúblicas: Sérvia; Croácia; Eslovénia; Bósnia e Herzegovina; Montenegro; Macedónia. Ele criou também um sistema rotativo para o governo, que para evitar a insatisfação de qualquer uma das repúblicas, consistia na indicação do presidente por parte de cada uma das repúblicas. Uma anedota que sintetizava o sistema político-étnico da Jugoslávia sob Tito era: "Seis repúblicas, cinco etnias, quatro línguas, três religiões, dois alfabetos e um Partido".
Parecia que a tripla crise que se generalizou no bloco soviético a partir de 1989 não chegaria à Jugoslávia, já que esta se tinha durante muito tempo dissociado desse bloco e empreendido a sua própria evolução liberalizante. Mas é o impacto dessa crise que vai causar o desastre jugoslavo que se iria estender na década de 1990.
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