quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Atentar contra si


Vendo bem as coisas como elas são, a morte provocada pela covid-19 é uma espécie de suicídio do nosso corpo, porque são as reações inflamatórias, decorrentes da ação excessiva da nossa imunidade no combate contra o SARS-CoV-2, que nos matam.

O que não se sabe, os tais mistérios, é porque é que certas pessoas têm o ataque mais nuns órgãos, e outras pessoas noutros. Numas, manifestações mais respiratórias, noutras mais cerebrais, noutras mais cardíacas, noutras mais renais... Também se sabe pelas autopsias que em todos a tiroide está carregadinha de vírus, associado clinicamente ao hipotiroidismo que isso provoca. O que se continua sem perceber é a variabilidade de indivíduo para indivíduo: tanto a variabilidade da infeção como a contagiosidade; quer as sequelas (os estragos que deixa no corpo). Quem morre é quem tem mais inflamação, um aspeto que é paradoxal: as pessoas com as melhores respostas imunológicas são aquelas que ficam pior. É o excesso da resposta imune que se vira contra si próprio. É como nas doenças autoimunes, embora estas aparentemente sem nenhum agente de fora.
E o pior foi perceber que estávamos muito pouco preparados para uma sociedade com fragilidades a muitos níveis … voltamos à pobreza que se agravou, uma assimetria assustadora. Temos fragilidades muito grandes. Para mim, os maiores problemas são, por exemplo, a longevidade crescente. Veja o que está a acontecer no Japão. Onde-é-que-a-gente vai caber? Não sei como vamos resolver isso. Não podemos continuar a viver tempo a mais … a maldade que é um tipo viver muito, mas com mal-estar. Mas, além da pobreza e da longevidade, há ainda o problema do trabalho. Este é o meu triângulo. Se fosse uma coisa piedosa, temos de diminuir o consumo. Os problemas com a biodiversidade, a água, o ozono . . . tudo isto é excesso de consumo. Nós somos predadores consumistas e fomos extraordinários a fazer o homem, quer dizer, é difícil fazer um gajo tão filho da mãe como o homem. 
Há muita gente que acredita que nestas crises há melhorias, nas coisas da informática e da inteligência artificial. E de certeza que há. Não tenho sentido que isto está a ser tão incorporado quanto deveria ser em Portugal. Quer dizer, nós não temos muita tradição de incorporar 'hands on' para progredir em coisas concretas. Temos muita tendência de fazer progressos na retórica porque nós temos muito o valor da palavra e do paleio . . . 
Vamos recuperar?
Não sei, mas há um desgaste. Sinto que estou a somatizar. Dói-me mais o corpo. Viajo menos, a última viagem que fiz foi em fevereiro a Londres. Desde aí, vou todas as semanas a Arouca. E é isso. 
Mas, como diz, isto vai melhorar e vai voltar a fazer essas coisas . . .
Não sei se me apetecerá. Como eu sou velhinho, tenho um cagaço de não ser tão fácil. Provavelmente, se fosse mais novo era outra coisa. Não sei se vou ter garra de retomar. Acho que isto tem um toque de fim de ciclo. [Manuel Sobrinho Simões numa entrevista a Andrea Cunha Freitas, do Público ]

As palavras de Manuel Sobrinho Simões, Prof. Catedrático jubilado de Anatomia Patológica da Universidade do Portosão tocantes quando diz: “é difícil fazer um gajo tão filho da mãe como o homem.” E, por exemplo, quando diz "
Não podemos continuar a viver tempo a mais" , a dizer de boa consciência que a longevidade não é assim tão boa como os 'politicamente corretos' a pintam, é porque não está interessado em passar pelas passas do inferno antes de morrer. Mas, a verdade, é que quem se ocupe da questão da morte voluntária, é porque não está bom da cabeça. Mas quando cai doente, pode não haver cama hospitalar disponível. Ou então não haver vaga nos Cuidados Paliativos porque ainda são raros. Ou o quarto individual não estar disponível. Mas, quem se decida a inclinar a sua vontade para a morte voluntária, a sociedade, que até aí pouca preocupação revelara pela sua existência, e pelo seu ser de uma certa maneira, é a mesma sociedade que o rodeia de uma maquinaria com um aspeto sinistro, entregue às mãos de especialistas súper, cuja ambição é inscrevê-lo na lista da “salvação”, quais desportistas caçadores a arrebatar à morte a caça abatida. Entretanto a eclosão de uma guerra foi fomentada, e alguém teve de ser arrancado à força da sua profissão, para a qual estudou meia vida, para prestar serviço militar. Com ordens de se opor ao inimigo com firmeza, tem de se salvar entre sangue e aço. Ma se salvou, se sobreviveu do campo de batalha, teve de se contentar ficar desempregado, com um subsídio de esmola, é certo, para gastá-lo consumindo-se e desgastando-se.

E, todavia, quando pagamos impostos, há uma série de pressupostos, que fazemos de conta que são sagrados, que os nossos concidadãos também pagam. Porque só há duas coisas certas na vida: a morte e os impostos. Em primeiro lugar, deve-se partir do princípio de que os nossos concidadãos também vão pagar os seus impostos, afinal somos todos irmãos, que importa uns serem ricos e outros serem pobres. E em segundo lugar, confiamos naqueles a quem demos autorização para gerir o que é nosso, porque certamente o vão fazer com competência e honestidade. No fim de contas, se descobrirmos que eles delapidaram o erário público sem rei nem roque, é sempre tarde demais para reparar os danos. Por isso, só nos restam três coisas: fé, esperança e caridade. Que em linguagem laica se resume a uma palavra chave: Confiança.

Então, o que é que define o putativo alcance de uma comunidade de confiança? Fica bem dizer aos intelectuais que é o cosmopolitismo desenraizado. Mas a maioria das pessoas vive numa bolha muito concreta: um lugar no espaço e no tempo; uma língua; na maioria dos casos uma religião. E se calhar, por lamentável que seja, não tão raro como os intelectuais querem fazer crer: uma cor, um clube desportivo, e assim por diante. É por isso que os holandeses torcem o nariz quando se lhes pede, ao abrigo de "todos somos europeus", que subsidiem os portugueses no que quer que seja. É como
 se fosse o caso, por exemplo, alguém do Alabama ver com bons olhos que os seus impostos iam servir para construir pontes na Malásia. A ninguém do Alabama iria passar pela cabeça que o seu homólogo malaio, mais tarde, iria fazer voluntariamente o mesmo por ele. O Brexit é, na atualidade, o paradigma irónico de tudo o que se vem dizendo acerca de qualquer habitante da Europa se definir, em primeiro lugar, como europeu. Ora, é mais plausível alguém de Monção definir-se como minhoto, ou galego tem dias  . . . do que dizer que se considera um europeu convicto. E o mesmo se podia dizer de um residente de ‘Putney’ - um dos muitos subúrbios de Londres. 

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