Se calhar, o momento mais difícil de todos os que tive foi quando me disseram: “Dr. Ferraz, vai ser entubado. É uma semaninha.” E eu só pensei: “Ok, já foste.” A primeira coisa que fiz foi mandar aos meus filhos uma mensagem de despedida e a dizer: “O código para desbloquear o telemóvel é ‘x’.” Acho que foi o momento em que bati no fundo, naquela meia horita em que me disseram que ia para os cuidados intensivos. A gente sabe que vai, mas às vezes não volta.© Cristina Faria Moreira – Público
No dia 11 de abril, sábado de Páscoa, o Dr. Ferraz voltou para o Hospital da Figueira, onde permaneceu uma semana antes de ter alta para casa. Mas ainda teve de passar pelo drama de à chegada ao hospital saber que a mulher estava lá internada também com covid. Consciência plena de ter sido ele a infetá-la. Haviam passado quase três semanas sem se contactarem. O Dr. Ferraz emagreceu 12 quilos. Mais de duas semanas sem conseguir tomar um duche em pé, nem conseguir vestir um pijama ou umas calças. Tinha de se sentar sem força alguma.
O prognóstico nesta doença é uma espécie de roleta russa. Já se sabe muita coisa sobre o SARS-CoV-2, mas ainda muito pouco sobre os efeitos a longo prazo. Para este propósito, ainda não passou tempo suficiente. O genoma e a constituição das proteínas do vírus da covid-19, bem como o modo como se replica nas células que infecta, são conhecimentos já seguros. Apanhamos o vírus através de gotículas respiratórias quando alguém infetado, tosse, ou espirra contra nós. Ou então por partículas aéreas de muito pequena dimensão que pairam no ar de sítios pouco ventilados que frequentamos (os chamados aerossóis); ou mesmo de superfícies onde o vírus tenha pousado recentemente. As portas de entrada deste vírus são as vias respiratórias, e parece que também pode entrar pelos olhos. Infeta células do trato respiratório superior, logo nas vias nasais, onde temos os recetores em que a proteína à sua superfície do vírus se encaixa. Depois desse encaixe, a membrana da célula cede e o vírus entra na célula, onde se vai replicar à vontade. Depois sai para o exterior da célula envolto com uma camada de lípidos que teve origem na membrana celular, indo infetar outras células ao seu lado, recomeçando o ciclo replicativo. Depois de um número significativo de células infetadas no aparelho respiratório, entra na corrente sanguínea indo infetar outros órgãos que tenham o mesmo recetor (ACE2) permeável à entrada do vírus dentro da célula, indispensável para a continuação da sua replicação. Todos os órgãos que têm recetores para o vírus são potenciais locais onde ele se pode multiplicar e causar danos. Mas de resto, ainda há muita coisa acerca da biologia deste vírus que ainda não se sabe. Essa investigação básica é mais demorada e só terá impacto daqui a uns anos. Geralmente os sintomas predominam ao nível do aparelho respiratório: tosse, dificuldade respiratória, dor torácica, congestão nasal acompanhada por vezes de perda do olfato. Ao nível da cabeça e do sistema nervoso central: dor de cabeça, insónia, ansiedade, problemas de concentração, memória e raciocínio. E sintomas sistémicos: febre, mialgias, fadiga, náuseas, vómitos e perda de apetite. Por vezes diarreia e erupções cutâneas.
Mas em relação à doença, e a todas as suas complexidades de transmissão, ainda é mais o que não se sabe do que o que se sabe. Os casos documentados de pessoas reinfectadas são poucos. O quadro clínico é muito diversificado. As autópsias ainda são menos. Nunca se investigou tanto em tão pouco tempo. E nunca a informação pública foi tanta. E mais, no meio de tanta informação e desinformação, metade dos estudos publicados contrariam a outra metade. É convicção da maioria dos especialistas médicos que têm estado envolvidos no combate a esta pandemia, que os estudos já publicados nas revistas médicas de melhor referência, e já são da ordem dos milhares, vai valer pouco em termos científicos daqui a um ou dois anos. E no entanto, comunidade científica nunca tinha dado as mãos com tanta força como agora. Uma resposta relâmpago que culminou na administração de uma vacina passado menos de um ano após o aparecimento do primeiro caso.
Entre os vários, para já, mistérios, um é o das crianças poderem albergar cargas virais maiores do que os adultos doentes. Essas crianças na sua enorme maioria ficam assintomáticas, ou têm manifestações leves da doença. Outro é o da imunidade de grupo. Quando a infeção está controlada ao nível da comunidade, os portadores assintomáticos do vírus não parecem originar novos surtos. Mas no caso de a infeção se descontrolar, que é expressa em vários casos de sintomáticos, portanto doentes a necessitar de internamento hospitalar. As incógnitas na imunidade são muitas e complexas.
A imunidade de grupo não será alcançada de forma natural e será mesmo necessária a vacinação. Já houve estudos que apontaram que 20% da população tinha de estar imunizada e outros indicaram cerca de 70%. Estamos, muito provavelmente, numa situação clássica em que se precisará de 70% da população imunizada e de forma natural não vamos conseguir isso.
Quanto às mutações genéticas, elas fazem parte do processo natural de evolução de um vírus. Será que há algumas que podem ser prejudiciais? Para este vírus já se descreveram milhares de mutações e a sua taxa de mutação é de cerca de duas mutações por mês desde o primeiro genoma sequenciado, o que é baixo comparando com a maioria dos vírus deste tipo. Saber exatamente o efeito que têm ao nível da transmissão é extremamente difícil.
Por fim, a vacina. Há ainda muitas incógnitas em relação às vacinas, nomeadamente se é igualmente eficaz em todos os grupos etários ou se a sua eficácia é longa. “Vamos ter de tomar a vacina todos os anos? Ou de dez em dez anos? São tudo questões em aberto. O mais certo é o vírus continuar a acompanhar-nos, tal como nos acompanham outros vírus respiratórios com que temos tido contacto ao longo de séculos.
Entre os vários, para já, mistérios, um é o das crianças poderem albergar cargas virais maiores do que os adultos doentes. Essas crianças na sua enorme maioria ficam assintomáticas, ou têm manifestações leves da doença. Outro é o da imunidade de grupo. Quando a infeção está controlada ao nível da comunidade, os portadores assintomáticos do vírus não parecem originar novos surtos. Mas no caso de a infeção se descontrolar, que é expressa em vários casos de sintomáticos, portanto doentes a necessitar de internamento hospitalar. As incógnitas na imunidade são muitas e complexas.
A imunidade de grupo não será alcançada de forma natural e será mesmo necessária a vacinação. Já houve estudos que apontaram que 20% da população tinha de estar imunizada e outros indicaram cerca de 70%. Estamos, muito provavelmente, numa situação clássica em que se precisará de 70% da população imunizada e de forma natural não vamos conseguir isso.
Quanto às mutações genéticas, elas fazem parte do processo natural de evolução de um vírus. Será que há algumas que podem ser prejudiciais? Para este vírus já se descreveram milhares de mutações e a sua taxa de mutação é de cerca de duas mutações por mês desde o primeiro genoma sequenciado, o que é baixo comparando com a maioria dos vírus deste tipo. Saber exatamente o efeito que têm ao nível da transmissão é extremamente difícil.
Por fim, a vacina. Há ainda muitas incógnitas em relação às vacinas, nomeadamente se é igualmente eficaz em todos os grupos etários ou se a sua eficácia é longa. “Vamos ter de tomar a vacina todos os anos? Ou de dez em dez anos? São tudo questões em aberto. O mais certo é o vírus continuar a acompanhar-nos, tal como nos acompanham outros vírus respiratórios com que temos tido contacto ao longo de séculos.
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