domingo, 27 de junho de 2021

A causa das coisas e suas consequências


A Europa que não subestime a Rússia. E que não subestime também António Costa, cujas oportunidades conjunturais ainda o podem vir a tornar muito útil à Europa, devido às derivas desfavoráveis por que a Alemanha e a França vão passar nos próximos meses. A Alemanha com a saída de Angela Merkel; e a França com o enfraquecimento de Emmanuel Macron. Merkel, ao não querer utilizar o 'Nord Stream 2' como arma de pressão sobre Putin, perdeu a confiança daqueles que agora a acusam de colocar os interesses económicos do seu país à frente dos interesses do conjunto dos países europeus. As conclusões desta última Cimeira são muito duras em relação à Rússia, lembrando que ainda falta a Putin respeitar o acordo sobre a 'Ucrânia (Minsk 2)', negociado com a União Europeia e nunca cumprido.

A integração europeia tem na sua génese um conjunto de valores democráticos e liberais que constituem o seu mais sólido fundamento. Por isso, é muito mais do que uma simples associação de países que visam prosseguir interesses económicos comuns. Quando esses valores estão em causa é preciso defendê-los. Foi o que a esmagadora maioria dos seus líderes fez na quinta-feira passada, em Bruxelas, diante de mais uma violação desses valores na Hungria: a universidade fundada por George Soros em Budapeste foi encerrada, ao mesmo tempo que Viktor Orbán acolhia com entusiasmo a Universidade Fudan, uma universidade chinesa a se instalar pela primeira vez num país europeu. Os direitos e as liberdades dos indivíduos estão na base das democracias liberais que não permitem, por isso, qualquer espécie de discriminação política, religiosa, étnica, de género ou outra qualquer. Orbán mantém relações próximas com Moscovo e Pequim. A China fez da Hungria a plataforma regional da Huawei e dos seus esforços para expandir a tecnologia 5G, e de Budapeste o destino a nova “estrada dos Balcãs” que liga o Porto do Pireu (comprado por uma empresa estatal chinesa) até ao centro da Europa.

A paisagem política europeia fragmenta-se. E convém ter em mente que, embora Orbán seja um caso extremo, as coisas também não estão famosas na Polónia, na Eslovénia e noutros países da Europa de Leste. Está a dar-se um processo de imitação nesses países, sendo a Eslovénia a assumir a presidência do Conselho da União já a seguir a Portugal. 

Indo agora à causa das coisas: há quem veja na tão falada 'Teoria Cultural' como sendo a forma dominante de pensamento do atual ativismo pela 'Justiça Social', cuja forma de pensar o mundo e a sociedade “bebe do fino do pós-modernismo académico da segunda metade do século XX”, a causa, como reação, da deriva autocrática e extremista desta frente a leste da Europa. É “a Teoria”, que informa muitos dos estudos das humanidades, e que penetram particularmente as ciências sociais, separando radicalmente a Cultura da Biologia subjacente à “natureza humana”. “A Teoria” tem impregnado as academias como uma espécie de paradigma de esquerda ao qual os ativistas de todos os campos e causas se têm inspirado para levar a bom porto as suas lutas reivindicativas contra as "construções sociais modernas e iluministas" efetuadas pelo poder político instalado, de caráter opressor e explorador.

Desde os finais dos anos 1980 que “a Teoria” tem animado especialmente os discursos do "feminismo, dos estudos de género e sexualidade", em suma, as chamadas causas fraturantes. Reúne um conjunto de ideias radicalmente cínicas e céticas em relação à forma de conhecimento, poder e linguagem. Por fim, “a Teoria” saiu das universidades para ser aplicável pelos ativistas em movimentos junto do publico em geral, e veiculada pelos 'media' para a implantação na sociedade de um modelo cultural mais amplo. O que conta neste mundo hipermediatizo, é o Significado. E o Significado, como sabemos, assenta as suas raízes na Linguagem. E se é de certa maneira a Linguagem, através da língua falada, que dá forma à realidade, os 'media' exacerbaram-na de tal modo que a elevaram a um estado que se tornou hiper-real, artificial, um simulacro portanto, de um mundo que não deixa de ser cínico.


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