Assumamo-lo: o que importa aos vários poderes em Portugal é a economia e não a preservação da saúde pública. E, dentro da economia, o poder político ajoelha-se perante a chamada “indústria do futebol”. É curioso, aliás, que esta expressão seja assim aplicada num país que quase não tem indústria, mas tem futebol, o próprio e o importado. De facto, a proeminência dada ao futebol diz muito sobre o país.[…]em Portugal pode tudo acabar, as pessoas podem morrer e têm morrido de covid-19, mas não acaba o poder do futebol. Mais uma vez, voltamos ao país dos três F. Mantém-se, pelo menos, o F de futebol. Hoje em dia, a FPF tem mais poder do que a Conferência Episcopal, que tem cumprindo à risca as regras sanitárias em todas as celebrações, incluindo em Fátima.
“Seja realista: exija o impossível!” Apesar da hipérbole deste slogan do Maio de 68 em Paris, é bastante preciso. O que é realisticamente necessário para consertar a sociedade está além dos poderes do sistema dominante e, nesse sentido, é impossível. Mas é realista crer que o mundo possa em princípio ser imensamente melhorado.
Se olharmos para o fenómeno do futebol como um fenómeno humano do mesmo tipo que o fenómeno religioso, naturalmente com as devidas proporções, não ficaremos tem zangados com o governo pelo facto de não ter sido competente na sua autoridade para controlar a euforia dos adeptos. É a inevitabilidade dos efeitos colaterais das idiossincrasias da espécie humana. Era assim que Karl Marx (coisa diferente de marxistas) via a Natureza Humana em progresso na sua luta de classes, não por ser ou não desejável, mas por ser inevitável. E isso não queria significar que ele fosse um determinista absoluto, porque acreditava de certa maneira que as lideranças desempenhavam o seu papel em alguns sentidos, mas não em todos.
Realismo e visão das coisas como elas são, andam de mãos dadas: ver o presente como ele verdadeiramente é significa vê-lo à luz da sua possível transformação. De contrário, simplesmente não o vemos como ele é. O capitalismo deu à luz poderes e possibilidades extraordinários, aos quais, ao mesmo tempo, cria entraves, e é por isso que Marx pode ser esperançoso sem se transformar num defensor veemente do progresso. É brutalmente realista sem ser cínico ou derrotista. Marx deve ter sido influenciado por Shakespeare quando foi viver para Londres. Deve ter ouvido falar no Globe Theatre em Londres, um teatro que foi construído em 1599 na margem esquerda do rio Tamisa, e no conhecido poeta e dramaturgo William Shakespeare, que fez do espaço uma arena para representações das suas peças trágicas. Em 1613 o teatro foi afetado pelo incêndio de Londres e teve que ser reconstruído, mas anos depois foi encerrado. Só em 1997 é que restauraram e reinauguraram o teatro, chamado agora de Shakespeare’s Globe Theatre. Dentro do Teatro há um museu, que mostra como era o tempo de Shakespeare na Inglaterra, como eram as vestimentas e como foi a vida do próprio autor de Hamlet, ou Romeu e Julieta.
Depois deste parentese, voltemos então a Karl Marx, para dizer que graças a uma campanha de arrecadação de donativos promovida por Ferdinand Lassale na Alemanha, Marx e família conseguem migrar para Londres, onde fixaram residência definitiva. Trabalhou como correspondente em Londres para o New York Tribune onde declarou o seu apoio público ao governo de Abraham Lincoln durante a Guerra da Secessão. Deprimido pela morte da esposa em dezembro de 1881, Marx desenvolveu uma série de doenças que lhe precipitaram a morte em 1883. Foi enterrado na condição de apátrida no Cemitério de Highgate em Londres.
É característica da visão trágica encarar o pior sem receio, mas superá-lo por meio do próprio ato de assim agir. Marx é sob certos aspetos, um pensador trágico, o que não significa chamá-lo de pessimista. Ao passo que os marxistas são outra coisa, para além de serem uns tipos teimosos. Com as suas mentes naturalmente desconfiadas, tendem a enveredar por teorias da conspiração, procurando os interesses materiais que espreitam por trás da retórica política, forças ignóbeis subjacentes ao discurso piedoso e às visões sentimentais. No entanto, isso acontece porque desejam libertar homens e mulheres dessas forças, na crença de serem capazes de coisas melhores. E por isso são considerados otimistas, combinando a sua teimosia com uma fé na humanidade. Houve combinações piores na história da humanidade.
O que falar de Marx traz para o presente, é uma colisão letal de interesses. Enquanto um utopista, como se define um marxista, tem conflitos porque anseia por um amanhã que cantará um homem novo, limpo de pecados, Marx olhava para as coisas de uma forma bem diversa. Na verdade, ele acreditava nos valores do amor e da camaradagem, mas não achava que eles eram alcançados por meio de uma falsa harmonia. Os explorados e os despossuídos não deviam abandonar os seus interesses, o que os seus patrões esperam que eles façam. Mas há uma coisa, estão condenados a lutar para sempre, o tempo todo. Só então uma sociedade acima do interesse próprio talvez venha, finalmente, a emergir. Não existe nada de errado em defender os próprios interesses se a alternativa for acariciar os próprios grilhões num falso espírito de autossacrifício.
Os críticos de Marx talvez considerem de mau gosto essa ênfase nos interesses classistas, mas não podem afirmar, com o mesmo fôlego de Marx, uma noção da impossibilidade da Natureza Humana vir a tornar-se um mar de rosas. Apenas partindo do presente não redimido, submetendo-se à lógica corrompida, é possível esperar seguir adiante e além dele. Também isso pertence ao espírito tradicional da tragédia. Somente aceitando que as contradições são peculiares à natureza da sociedade classista, e não as negando num espírito de sereno desinteresse, é possível libertar a riqueza humana que elas contêm. É nos pontos em que a lógica do presente se desfaz e toma o rumo do impasse e da incoerência que Marx, surpreendentemente, encontra o esboço de um futuro transfigurado. A verdadeira imagem do futuro é o fracasso do presente.
Por conseguinte, os marxistas, como reclamam alguns de seus críticos, têm uma visão idealizada da Natureza Humana. E se Marx ignorou a Natureza Humana, foi porque não acreditava nessa noção, mas num futuro no qual todos buscarão a camaradagem e a cooperação. Só nesse tempo indeterminado a rivalidade, a inveja, a desigualdade, a violência, a agressão e a competição terão sido banidas da face da Terra. Pouco existe na obra de Marx para alicerçar essa afirmação bizarra. É um engano aquilo que se diz de Marx, que antecipou um estado de virtude humana conhecido como comunismo ao qual até o Arcanjo Gabriel teria dificuldade para fazer jus. Ele sugere que os seres humanos são criaturas frágeis, corruptas, egoístas; que isso permanece inalterável ao longo de toda a história e que é a pedra sobre a qual qualquer tentativa de mudança radical há de fracassar.
“Não se pode mudar a Natureza Humana” - é uma das objeções mais comuns aos marxistas, por parte de cínicos e céticos. Contra isso, marxistas intitulados “historicistas” insistem em que não existe uma essência imutável nos seres humanos: é a História Humana, e não a Natureza Humana, que nos faz ser o que somos, e, como a História tem tudo a ver com Mudança, podemos nos transformar, alterando as nossas condições históricas.
Marx não era um adepto integral desse argumento “historicista”. Acreditava numa Natureza Humana, e não via isso como algo que atropelasse a importância do indivíduo; ao contrário, considerava tratar-se de um aspeto paradoxal da nossa natureza comum, o facto de sermos todos individualizados. Em seus primeiros trabalhos, ele fala de um ser humano que é genérico, igual em todo o lado. É a sua versão "materialista" da Natureza Humana. Em virtude da natureza biológica dos seres humanos, cujos corpos materiais são do nível da animalidade, à qual se acrescenta o domínio da linguagem, uma característica exclusivamente humana enxertada na animalidade, mas imprescindível à sobrevivência. Uma realização no já citado companheirismo que transcende a mera utilidade social. Falamos uns com os outros; uns trabalhando com os braços para outros; e uns produzindo aquilo a que chamam arte para outros; ou produzindo algo que pareça vagamente arte sem dar a impressão de não fazer qualquer sentido, como a arte de fazer piadas com a morte. Tudo factos biológicos, e ainda assim, de onde se podem extrair consequências morais e até políticas.
O que falar de Marx traz para o presente, é uma colisão letal de interesses. Enquanto um utopista, como se define um marxista, tem conflitos porque anseia por um amanhã que cantará um homem novo, limpo de pecados, Marx olhava para as coisas de uma forma bem diversa. Na verdade, ele acreditava nos valores do amor e da camaradagem, mas não achava que eles eram alcançados por meio de uma falsa harmonia. Os explorados e os despossuídos não deviam abandonar os seus interesses, o que os seus patrões esperam que eles façam. Mas há uma coisa, estão condenados a lutar para sempre, o tempo todo. Só então uma sociedade acima do interesse próprio talvez venha, finalmente, a emergir. Não existe nada de errado em defender os próprios interesses se a alternativa for acariciar os próprios grilhões num falso espírito de autossacrifício.
Os críticos de Marx talvez considerem de mau gosto essa ênfase nos interesses classistas, mas não podem afirmar, com o mesmo fôlego de Marx, uma noção da impossibilidade da Natureza Humana vir a tornar-se um mar de rosas. Apenas partindo do presente não redimido, submetendo-se à lógica corrompida, é possível esperar seguir adiante e além dele. Também isso pertence ao espírito tradicional da tragédia. Somente aceitando que as contradições são peculiares à natureza da sociedade classista, e não as negando num espírito de sereno desinteresse, é possível libertar a riqueza humana que elas contêm. É nos pontos em que a lógica do presente se desfaz e toma o rumo do impasse e da incoerência que Marx, surpreendentemente, encontra o esboço de um futuro transfigurado. A verdadeira imagem do futuro é o fracasso do presente.
Por conseguinte, os marxistas, como reclamam alguns de seus críticos, têm uma visão idealizada da Natureza Humana. E se Marx ignorou a Natureza Humana, foi porque não acreditava nessa noção, mas num futuro no qual todos buscarão a camaradagem e a cooperação. Só nesse tempo indeterminado a rivalidade, a inveja, a desigualdade, a violência, a agressão e a competição terão sido banidas da face da Terra. Pouco existe na obra de Marx para alicerçar essa afirmação bizarra. É um engano aquilo que se diz de Marx, que antecipou um estado de virtude humana conhecido como comunismo ao qual até o Arcanjo Gabriel teria dificuldade para fazer jus. Ele sugere que os seres humanos são criaturas frágeis, corruptas, egoístas; que isso permanece inalterável ao longo de toda a história e que é a pedra sobre a qual qualquer tentativa de mudança radical há de fracassar.
“Não se pode mudar a Natureza Humana” - é uma das objeções mais comuns aos marxistas, por parte de cínicos e céticos. Contra isso, marxistas intitulados “historicistas” insistem em que não existe uma essência imutável nos seres humanos: é a História Humana, e não a Natureza Humana, que nos faz ser o que somos, e, como a História tem tudo a ver com Mudança, podemos nos transformar, alterando as nossas condições históricas.
Marx não era um adepto integral desse argumento “historicista”. Acreditava numa Natureza Humana, e não via isso como algo que atropelasse a importância do indivíduo; ao contrário, considerava tratar-se de um aspeto paradoxal da nossa natureza comum, o facto de sermos todos individualizados. Em seus primeiros trabalhos, ele fala de um ser humano que é genérico, igual em todo o lado. É a sua versão "materialista" da Natureza Humana. Em virtude da natureza biológica dos seres humanos, cujos corpos materiais são do nível da animalidade, à qual se acrescenta o domínio da linguagem, uma característica exclusivamente humana enxertada na animalidade, mas imprescindível à sobrevivência. Uma realização no já citado companheirismo que transcende a mera utilidade social. Falamos uns com os outros; uns trabalhando com os braços para outros; e uns produzindo aquilo a que chamam arte para outros; ou produzindo algo que pareça vagamente arte sem dar a impressão de não fazer qualquer sentido, como a arte de fazer piadas com a morte. Tudo factos biológicos, e ainda assim, de onde se podem extrair consequências morais e até políticas.
Esta maneira de falar, conhecida tecnicamente por antropologia filosófica, anda bastante fora de moda hoje em dia, mas era o que Marx pensava quando escreveu os seus primeiros trabalhos. E não existe motivo convincente para acreditarmos que ele o tenha abandonado mais tarde.
Há um outro pensamento que diz assim: "Não queira saber como são as coisas; queira saber como nós somos. Onde há diamantes há criminosos". Por sermos criaturas batalhadoras, capazes de transformar as nossas condições ao longo do processo histórico, acabamos por nos transformar a nós mesmos. A Mudança, por outras palavras, faz parte da Natureza Humana. A mudança é possível porque somos seres criativos, indefinidos, inacabados. Isso, pelo que sabemos, não é válido para as abelhas, por mais fascinante que seja a sua organização social e o seu mel. Dentro de uma das pirâmides do Egito foi encontrado um pote com mel do tempo dos faraós, de alguns séculos a.C., e ainda em muito bom estado. Todavia, as abelhas não têm uma História. Nem política, a menos que a tenham astuciosamente escondido. Não existe motivo para temer que um dia elas possam vir a nos governar, mesmo considerando que talvez fizessem um trabalho bem melhor do que nós. Pelo que sabemos, não há abelhas de direita ou de esquerda, mas parece que têm classes: uma líder a que nós humanos chamamos rainha; um macho cobridor da rainha a que nós chamamos zangão, que por ter apenas papel reprodutor não tem ferrão; e as obreiras que fazem todo o trabalho.
Há um outro pensamento que diz assim: "Não queira saber como são as coisas; queira saber como nós somos. Onde há diamantes há criminosos". Por sermos criaturas batalhadoras, capazes de transformar as nossas condições ao longo do processo histórico, acabamos por nos transformar a nós mesmos. A Mudança, por outras palavras, faz parte da Natureza Humana. A mudança é possível porque somos seres criativos, indefinidos, inacabados. Isso, pelo que sabemos, não é válido para as abelhas, por mais fascinante que seja a sua organização social e o seu mel. Dentro de uma das pirâmides do Egito foi encontrado um pote com mel do tempo dos faraós, de alguns séculos a.C., e ainda em muito bom estado. Todavia, as abelhas não têm uma História. Nem política, a menos que a tenham astuciosamente escondido. Não existe motivo para temer que um dia elas possam vir a nos governar, mesmo considerando que talvez fizessem um trabalho bem melhor do que nós. Pelo que sabemos, não há abelhas de direita ou de esquerda, mas parece que têm classes: uma líder a que nós humanos chamamos rainha; um macho cobridor da rainha a que nós chamamos zangão, que por ter apenas papel reprodutor não tem ferrão; e as obreiras que fazem todo o trabalho.
Os seres humanos, diferentes de todos os outros animais, são animais políticos por natureza. Não só por viverem em comunidade uns com os outros, mas porque precisam de um sistema para reger a sua vida material. Precisam também de um sistema para reger as suas vidas sexuais. Porque a sexualidade, ao contrário do que que se passa com as abelhas, é algo socialmente muito perturbador. O desejo sexual não respeita nada. E a política, apesar da política, ainda não produziu até hoje qualquer solução para a exploração do homem pelo homem. Exploração e desigualdade. Ainda não foi inventado um sistema político que contivesse os conflitos resultantes da própria política.
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