Na segunda-feira passada, depois da cimeira da NATO, Biden pôde demonstrar aos jornalistas que é, de facto, um “profissional”. As perguntas, sobretudo da imprensa americana, foram todas dirigidas para o seu encontro com Putin nesta quarta-feira. O Presidente lembrou-lhes que não ia “negociar em público” e por antecipação com o seu homólogo russo. Não teve a menor hesitação em reconhecer que Putin é um político “brilhante e duro”. Ou seja, não o subestima. Deixou-lhe, no entanto, um aviso breve e conciso: se mantiver o mesmo comportamento, os EUA “responderão com a mesma moeda”. Lembrou a velha máxima de Reagan nas negociações com a União Soviética, na década de 1980: “Verificar e, depois, confiar”. Aliás, há algumas semelhanças entre ambos. Antes de negociar com Gorbachev o desarmamento nuclear, Reagan descreveu a União Soviética como o “império do mal” e anunciou a célebre “guerra das estrelas” para sublinhar que só negociava com o “inimigo” numa posição de força. Biden conhece Putin, com quem se encontrou na qualidade de vice-presidente de Obama. Não tem quaisquer ilusões. Já como Presidente, quando uma jornalista lhe perguntou se o considerava um “assassino”, respondeu laconicamente: “Sim”. O que pretende deste encontro é simples: criar canais de comunicação que lhe permitam manter uma relação “estável e previsível” com a Rússia. Oferece a Putin em troca aquilo que Putin mais aprecia: ser tratado como um “igual”. [Teresa de Sousa no Público, 16 de junho 2021]
Gorbachev era demasiado emocional, e este assunto do Estaline era aquele tipo de coisas que não podia guardar só para si. Ficou furioso quando viu as listas de execuções de 1937 a 1938 com as assinaturas e os comentários de Estaline e de outros líderes. Por isso, Gorbachev deu ordens para que essas listas fossem tornadas públicas. Porque haveria de ocultar ainda mais provas dos crimes de Estaline? A 23 de dezembro, Gorbachev abriu o cofre pessoal, retirou uma pilha de dossiers secretos, e tentou entregá-los a Yeltsin. Mas este disse-lhe que os entregasse nos arquivos e fizessem assinar o recibo de entrega. Ele não pretendia ser responsável por eles. Por que haveria de se responsabilizar? Gorbachev já não era secretário-geral. E Yeltsin nunca foi nem seria.
Quando a reunião com Yeltsin finalmente acabou, Gorbachev engoliu 2 tragos de vodka, confessou que não estava a sentir-se bem e desapareceu, indo descansar para uma sala das traseiras. Yeltsin e Yakovlev continuaram a falar, bebendo e comendo, até que Yeltsin se decidiu a retirar-se indo pelo corredor vazio como se marchasse numa parada militar. No dia seguinte, 24 de dezembro, Gorbachev dirigiu umas palavras de despedida aos assessores, conselheiros e outros membros do quadro de pessoal presidencial, entre 40 e 50 ao todo, na sala grande onde o politburo e mais tarde do conselho de estado costumava reunir-se. Disse-lhes que a sessão com Yeltsin fora dura. Este recusara conceder-lhes indemnizações, mas podiam usar a policlínica do Kremlin por 1 ano. Gorbachev instou os funcionários a seguirem o seu exemplo reprimindo as emoções o mais possível.
“Cesso as minhas atividades enquanto presidente da URSS”. No dia 25 de dezembro de 1991 Gorbachev faz o discurso de despedida na televisão. À porta do edifício do Senado, Gorbachev parou e citou Winston Churchill: “O político pensa na próxima eleição – o estadista pensa na próxima geração.” No discurso Gorbachev explicou o motivo por que as coisas haviam corrido mal: "resistência por parte da estrutura partidária arreigada a velhos hábitos e preconceitos ideológicos". Expressou arrependimento, coisa que os russos gostam, pois tendem a valorizar a penitência e o arrependimento. Nove anos mais tarde Yeltsin faria o mesmo, quando abdicou da presidência russa, expressando vergonha e remorsos, depois de prometer renovação, mas enterrando ainda mais o país.
No mesmo dia, que era Natal, os grandes líderes da Europa e da América do Norte telefonaram-lhe transmitindo-lhe respeito e amizade. Nunca tal tinha acontecido no passado. Ao passo que nenhum dos presidentes das repúblicas recém-soberanas, homens com quem tivera relações de camaradagem durante tantos anos, se dignou a estar em Moscovo ou sequer a telefonar-lhe. Na noite de 25 de dezembro de 1991 a bandeira soviética foi retirada do mastro do Kremlin, o mais alto símbolo de poder durante sete décadas.
Sexta-feira, 27 de dezembro - Gorbachev devia chegar ao gabinete às 11 horas para uma entrevista com jornalistas japoneses. Mas às 8:15 Yeltsin entrou na sala de receção de Gorbachev, acompanhado pelo primeiro-ministro-adjunto, o ministro da imprensa e da informação, e o presidente do parlamento russo. A placa na porta do gabinete “Presidente da URSS, M.S. Gorbachev” já havia sido removida. Yeltsin, ao vasculhar as gavetas de uma secretária, encontrou uma trancada. “Porque está trancada?” Alguém entrou com uma chave e abriu a gaveta. Estava vazia. Depois sentaram-se à grande mesa oval e Yeltsin ordenou que lhe trouxessem copos. Quase de imediato apareceu um homem com uma garrafa de uísque e copos, que os convidados encheram e engoliram. “Assim está melhor”, afirmou Yeltsin. Os homens de Yeltsin riam-se. Gorbachev, nas suas memórias chamar-lhes-ia “o triunfo dos saqueadores”. Gorbachev, depois de ter recebido os jornalistas japoneses noutro gabinete mais abaixo, deixou o Kremlin e voltou para a dacha, que teria de deixar dentro de 24 horas, por ordens superiores, e com a grande indignação de Raisa Gorbachev.
Em termos gerais, Gorbachev é bem visto no mundo Ocidental, graças à sua contribuição para o fim da Guerra Fria. Contudo, na Rússia, a sua reputação não é tão favorável devido à crise económica e social que se instalou logo após a queda da URSS. Criou a Fundação Gorbachev em 1992, e em1993 fundou a Cruz Verde Internacional. Foi um dos principais promotores da Carta da Terra em 1994. Tornou-se, igualmente, membro do Clube de Roma. A 17 de Junho de 1995, com o seu amigo Mário Soares ainda Presidente da República, foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade de Portugal. Em eleições em 1996, Gorbachev ainda se atreveu a concorrer a Presidente da Federação Russa, para se opor a Yeltsin, mas obteve menos de um por cento dos votos. Desde 1993, o Presidente da Rússia deixou de fazer parte do governo que ainda exercia o poder executivo. Gorbachev já não representava uma ameaça real.
Com o objetivo de financiar a sua Fundação, Gorbachev pintou trinta por uma linha com palestras pelo mundo fora pelas quais cobrava honorários avultados. E marcava presença em anúncios publicitários a pisas e sacos Vuitton na TV, para além dos direitos de autor dos livros. Várias foram as universidades no estrangeiro que lhe atribuíram graus honoris causa. Recebeu de braços abertos a ascensão de Vladimir Putin à presidência e 1999 após renúncia de Yeltsin, em parte porque o via como o anti-Yeltsin. Mas depois de um período inicial afável, a relação entre os dois azedou. Em 1997, Gorbachev entrou num anúncio da Pizza Hut, que passou na televisão norte-americana. A 26 de novembro de 2001 funda o Partido Social Democrata Russo, como resultado da união de vários partidos que partilhavam esta ideologia. Demitiu-se como líder partidário em julho de 2004 em consequência de desacordos com o presidente do partido em relação às opções tomadas durante as eleições de dezembro de 2003. No início de 2004, regista a sua marca de nascença na testa para a utilizar numa marca de vodka que lhe fazia referência. O caso é tanto mais curioso quanto Gorbachev, enquanto líder da União Soviética, tinha sido um feroz combatente contra o alcoolismo. A referida marca de vodka, entretanto, mudou de rótulo.
Vinte anos após a sua renúncia, Gorbachev aconselhou Putin a deixar a presidência, por conta da onda de protestos em massa. Em 2 de março de 2021 Gorbachev fez 90 anos. São raras as imagens recentes de Mikhail Gorbachev. Diz-se que a pandemia agravou o isolamento a que a frágil saúde já o obrigava.
Raisa tinha um pequeno gabinete junto ao do marido, na Fundação, para promover o bem-estar feminino na Rússia. Ela como presidente e a filha Irina como vice-presidente, faziam conferências apesar da saúde de Raisa, sobretudo a depressão, não lhe afetar a meticulosidade com que preparava os conteúdos, falando de forma clara e simples. Mas o espaço tornou-se exíguo, e havia necessidade de encontrar outro edifício. Mas era difícil por falta de verbas. Até que um dia conheceram Ted Turner na Califórnia. Raisa não se conteve e apresentou o seu dilema a Turner. Ele perguntou de quanto precisariam para a construção. Gorbachev não quis adiantar um valor sequer, mas Raisa não esteve com rodeios e disse: “Um milhão d dólares”. Depois de Turner consultar rapidamente aquela que na altura era a sua nova esposa, Jane Fonda, Turner concordou em fornecer esse valor e mais ainda para um belo edifício na Leningradskii Prospect, que só ficou completo após a morte de Raisa em 20 de setembro de 1999.
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