"Judeu turco nascido em Constantinopla", na descrição de Soljenitsin, o nome de Frenkel aparece em muitas das memórias escritas sobre os primeiros tempos do 'sistema de campos', e por elas fica claro que, mesmo em vida, a identidade daquele homem já estava envolta em mito. Fotos oficiais mostram um indivíduo de aparência calculadamente sinistra, usando boné de couro e bigode muito bem aparado; um memorialista recorda que Frenkel "se trajava como um dândi". Um de seus colegas da OGPU, o qual o admirava muitíssimo, surpreendia-se com a sua memória infalível e a sua aptidão para fazer contas de cabeça: "Ele nunca punha nada no papel". Depois, a propaganda soviética também teceria eloquentes elogios à sua "incrível memória e excelentes conhecimentos do trabalho madeireiro e florestal em geral". A sua perícia em matéria de agricultura e engenharia era excecional.
A história fica um tanto mais clara quando se lê o seu registo de preso, que informa que ele nasceu em Haifa em 1883, época em que a Palestina era parte do Império Otomano. De lá, ele provavelmente seguiu, talvez por Odessa, talvez pela Áustria-Hungria, para a URSS. Aqui aparece como "comerciante". Em 1923 é preso por "ter atravessado fronteiras ilegalmente", o que podia significar que era um comerciante que se permitia fazer algum contrabando, ou que era apenas um comerciante que se tornara demasiado bem-sucedido para o gosto soviético. Foi condenado a dez anos de trabalhos forçados em Solovetsky.
Soljenitsin, em Arquipélago Gulag refere que o próprio Frenkel concebeu o sistema de alimentar os presos segundo o trabalho produzido. Esse sistema tornou-se fatal, em questão de semanas os presos mais fracos morriam. Por outro lado, uma ampla gama de historiadores russos e ocidentais contesta a importância de Frenkel e descarta como mera lenda as muitas façanhas dele. É provável que Soljenitsin exagere ao falar de Frenkel. Todavia, permanece um mistério o modo exato pelo qual Frenkel se metamorfoseou de preso em comandante de campo. A lenda diz que, ao chegar lá, ele ficou tão horrorizado com a má organização, com o desperdício puro e simples de dinheiro e mão-de-obra, que resolveu escrever uma carta descrevendo de maneira precisa o que estava errado com cada uma das atividades económicas locais, entre elas a silvicultura, a agropecuária e a olaria.
Colocou a carta na "caixa de reclamações" dos presos que depois um administrador enviou como curiosidade para Genrikh Yagoda, um chefe da polícia secreta. Consta que Yagoda quis conhecer de imediato o autor da carta. De acordo com um contemporâneo (e com Soljenitsin, que não explicita nenhuma fonte), o próprio Frenkel afirmou que, em certa altura, foi levado a Moscovo para ser presente a Estaline. É aí que a lenda fica mais nebulosa: embora os registos realmente mostrem que Frenkel se encontrou com Estaline nos anos 1930, e embora tenha sido protegido durante as purgas no Partido, ainda não se achou nenhuma comprovação de uma visita na década anterior. Isso não quer dizer que ela não tenha acontecido - pode ter acontecido os registos terem desaparecido.
Surpreendentemente Naftaly Frenkel foi promovido de preso a guarda passado pouco tempo. Em novembro de 1924, quando estava no campo havia menos de um ano, era solto. Todas as informações eram elogiosas a seu respeito: "no campo, ele se portou como um trabalhador excecionalmente talentoso, tendo adquirido estima e confiança da administração. Tal êxito logo se tornou o principal argumento para que se reestruturasse todo o sistema prisional soviético. Se isso se fizesse a custo de piores rações e condições de vida para os presos, ninguém se importaria muito. Na realidade, o sistema de Frenkel era bem simples. Ele dividia os presos em três grupos, consoante a aptidão física: os considerados capazes de trabalho pesado; os capazes de serviços leves; e os inválidos. Cada grupo recebia uma série diferente de tarefas e metas. Eram então alimentados de acordo - e as diferenças entre as rações se mostravam bem nítidas. Uma tabela, elaborada entre 1928 e 1932, destinava oitocentos gramas de pão e oitenta gramas de carne aos integrantes do primeiro grupo; quinhentos de pão e quarenta de carne aos do segundo; e quatrocentos de pão e quarenta de carne aos do terceiro. A categoria de trabalhador mais baixa recebia o equivalente a apenas metade do que comia a mais alta.
Na prática, o sistema dividia bem depressa os presos entre os que iriam e os que não iriam sobreviver. Os fortes, sendo relativamente bem alimentados, ficavam mais fortes. Os mais fracos, estando privados de comida, se enfraqueciam e acabavam adoecendo ou morrendo. O processo se tornava mais rápido e mais radical porque as metas de trabalho eram com frequência muito elevadas - absurdamente elevadas para alguns presos, em especial a gente da cidade que nunca trabalhara escavando turfa ou cortando árvores. Em 1928, as autoridades centrais puniram um grupo de guardas de campo porque eles, a fim de cumprir a meta, haviam forçado 128 pessoas a trabalhar a noite inteira na floresta em pleno inverno. Um mês depois, 75% desses presos ainda estavam com graves queimaduras de frio.
Frenkel "racionalizou" outros aspetos da vida no campo, descartando aos poucos tudo o que não contribuísse para a produtividade económica. Bem depressa renunciou toda pretensão de reabilitar. Como se queixavam os detratores de Frenkel, ele fechara os jornais e outros periódicos do campo e suspendera as reuniões da Associação de Estudos Locais de Solovetsky. O museu e o teatro continuaram a existir, mas só para impressionar os maiorais que chegavam de visita. Por fim, sob a liderança de Frenkel, o conceito de "preso político" mudou em definitivo. No outono de 1925, abandonaram-se as distinções artificiais que se haviam traçado entre quem fora condenado por atividades criminais e quem fora condenado por atividades antirrevolucionárias, uma vez que ambos os grupos eram mandados juntos ao continente para trabalhar nos enormes projetos de abate de árvores e processamento de madeira na Carélia.
Em outubro de 1924, seguiu-se uma série de artigos no Izvestiya. "Quem acredita que Solovetsky seja uma prisão deprimente e sombria, onde as pessoas ficam inativas, perdendo o tempo em celas superlotadas, está muito enganado", escreveu N. Krasikov. "O campo inteiro consiste numa enorme organização económica de 3 mil trabalhadores braçais, atuando nos mais diversos tipos de produção." A vida que levam pode ser caracterizada como intelectual anarquista, com todos os aspetos negativos dessa forma de existência. A contínua ociosidade, a insistência nas mesmas dissensões políticas, as brigas de família, as disputas sectárias e, sobretudo, uma atitude agressiva e hostil para com o governo, em geral, e a administração local e os guardas do Exército Vermelho, em particular [...], tudo isso combinado faz que aquelas trezentas pessoas (mais ou menos) se mostrem refratárias a toda medida e toda tentativa das autoridades locais para introduzir regularidade e organização em suas vidas.
Era o começo do fim. Após uma série de discussões, durante as quais o Comitê Central ponderou e rejeitou a ideia de mandar esses presos para o exílio no exterior (preocupava-se com o impacto disso sobre os socialistas ocidentais - especialmente, por alguma razão, sobre o Partido Trabalhista britânico), tomou-se uma decisão. Ao amanhecer de 17 de junho de 1925, soldados cercaram o Mosteiro. Deram duas horas para que os presos fizessem as malas. Em seguida, conduziram-nos marchando para o porto, obrigaram-nos a embarcar e os despacharam para longínquas prisões na Rússia central, de regime realmente fechado - Tobolsk, na Sibéria ocidental, e Verkhneuralsk, nos Urais -, onde os presos encontraram condições muito piores que as de Solovetsky. Embora continuassem lutando por seus direitos, enviando cartas para o exterior, telegrafando mensagens uns para os outros pelas paredes das prisões e organizando greves de fome, a propaganda bolchevique seguia sufocando os protestos dos socialistas. Em Berlim, Paris e Nova York, as antigas associações de auxílio aos presos começaram a encontrar maior dificuldade para recolher fundos.
Surpreendentemente Naftaly Frenkel foi promovido de preso a guarda passado pouco tempo. Em novembro de 1924, quando estava no campo havia menos de um ano, era solto. Todas as informações eram elogiosas a seu respeito: "no campo, ele se portou como um trabalhador excecionalmente talentoso, tendo adquirido estima e confiança da administração. Tal êxito logo se tornou o principal argumento para que se reestruturasse todo o sistema prisional soviético. Se isso se fizesse a custo de piores rações e condições de vida para os presos, ninguém se importaria muito. Na realidade, o sistema de Frenkel era bem simples. Ele dividia os presos em três grupos, consoante a aptidão física: os considerados capazes de trabalho pesado; os capazes de serviços leves; e os inválidos. Cada grupo recebia uma série diferente de tarefas e metas. Eram então alimentados de acordo - e as diferenças entre as rações se mostravam bem nítidas. Uma tabela, elaborada entre 1928 e 1932, destinava oitocentos gramas de pão e oitenta gramas de carne aos integrantes do primeiro grupo; quinhentos de pão e quarenta de carne aos do segundo; e quatrocentos de pão e quarenta de carne aos do terceiro. A categoria de trabalhador mais baixa recebia o equivalente a apenas metade do que comia a mais alta.
Na prática, o sistema dividia bem depressa os presos entre os que iriam e os que não iriam sobreviver. Os fortes, sendo relativamente bem alimentados, ficavam mais fortes. Os mais fracos, estando privados de comida, se enfraqueciam e acabavam adoecendo ou morrendo. O processo se tornava mais rápido e mais radical porque as metas de trabalho eram com frequência muito elevadas - absurdamente elevadas para alguns presos, em especial a gente da cidade que nunca trabalhara escavando turfa ou cortando árvores. Em 1928, as autoridades centrais puniram um grupo de guardas de campo porque eles, a fim de cumprir a meta, haviam forçado 128 pessoas a trabalhar a noite inteira na floresta em pleno inverno. Um mês depois, 75% desses presos ainda estavam com graves queimaduras de frio.
Frenkel "racionalizou" outros aspetos da vida no campo, descartando aos poucos tudo o que não contribuísse para a produtividade económica. Bem depressa renunciou toda pretensão de reabilitar. Como se queixavam os detratores de Frenkel, ele fechara os jornais e outros periódicos do campo e suspendera as reuniões da Associação de Estudos Locais de Solovetsky. O museu e o teatro continuaram a existir, mas só para impressionar os maiorais que chegavam de visita. Por fim, sob a liderança de Frenkel, o conceito de "preso político" mudou em definitivo. No outono de 1925, abandonaram-se as distinções artificiais que se haviam traçado entre quem fora condenado por atividades criminais e quem fora condenado por atividades antirrevolucionárias, uma vez que ambos os grupos eram mandados juntos ao continente para trabalhar nos enormes projetos de abate de árvores e processamento de madeira na Carélia.
Em outubro de 1924, seguiu-se uma série de artigos no Izvestiya. "Quem acredita que Solovetsky seja uma prisão deprimente e sombria, onde as pessoas ficam inativas, perdendo o tempo em celas superlotadas, está muito enganado", escreveu N. Krasikov. "O campo inteiro consiste numa enorme organização económica de 3 mil trabalhadores braçais, atuando nos mais diversos tipos de produção." A vida que levam pode ser caracterizada como intelectual anarquista, com todos os aspetos negativos dessa forma de existência. A contínua ociosidade, a insistência nas mesmas dissensões políticas, as brigas de família, as disputas sectárias e, sobretudo, uma atitude agressiva e hostil para com o governo, em geral, e a administração local e os guardas do Exército Vermelho, em particular [...], tudo isso combinado faz que aquelas trezentas pessoas (mais ou menos) se mostrem refratárias a toda medida e toda tentativa das autoridades locais para introduzir regularidade e organização em suas vidas.
Era o começo do fim. Após uma série de discussões, durante as quais o Comitê Central ponderou e rejeitou a ideia de mandar esses presos para o exílio no exterior (preocupava-se com o impacto disso sobre os socialistas ocidentais - especialmente, por alguma razão, sobre o Partido Trabalhista britânico), tomou-se uma decisão. Ao amanhecer de 17 de junho de 1925, soldados cercaram o Mosteiro. Deram duas horas para que os presos fizessem as malas. Em seguida, conduziram-nos marchando para o porto, obrigaram-nos a embarcar e os despacharam para longínquas prisões na Rússia central, de regime realmente fechado - Tobolsk, na Sibéria ocidental, e Verkhneuralsk, nos Urais -, onde os presos encontraram condições muito piores que as de Solovetsky. Embora continuassem lutando por seus direitos, enviando cartas para o exterior, telegrafando mensagens uns para os outros pelas paredes das prisões e organizando greves de fome, a propaganda bolchevique seguia sufocando os protestos dos socialistas. Em Berlim, Paris e Nova York, as antigas associações de auxílio aos presos começaram a encontrar maior dificuldade para recolher fundos.
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