quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Albi, Béziers e os Cátaros




Albi – é a sede de quatro cantões, e do Arcebispado de Albi, cobrindo 16 comunas. É a prefeitura do departamento Tarn, no rio Tarn, 85 km a nordeste de Toulouse. Albigeois, Albigeoise(s), em occitan, são os seus habitantes. A cidade episcopal, ao redor da Catedral de Sainte-Cécile, é Património Mundial da Unesco desde 2010.

Após a revolta da Cruzada Albigense contra os Cátaros, o bispo Bernard de Castenet, no final do século XIII, concluiu os trabalhos no Palácio de la Berbie, um Palácio dos Bispos com o traçado de uma fortaleza. Ele ordenou a construção da Catedral de Saint-Cécile a partir de 1282. A cidade desfrutou de um período de prosperidade comercial em grande parte devido ao cultivo de Isatis Tinctoria, comumente conhecido como woad. As belas casas construídas durante o Renascimento testemunham as vastas fortunas acumuladas pelos comerciantes de pastel.

Albi conserva uma rica herança arquitetónica que conserva os vários períodos brilhantes de sua história. Foram feitos consideráveis trabalhos de melhoria e restauração, para embelezar os antigos bairros e dar-lhes um novo olhar, no qual o tijolo reina por inerência. Albi tinha uma pequena comunidade judaica durante os tempos medievais até ser aniquilada na Cruzada dos Pastores na década de 1320. Depois os judeus só podiam transitar pela cidade mediante pagamento, sem viver nela. Em 1967, viviam em Albi cerca de 70 judeus, a maioria deles de origem norte-africana.

O primeiro assentamento humano em Albi foi na Idade do Bronze (3000-600 a.C.). Após a conquista romana da Gália, em 51 a.C., a cidade tornou-se Civitas Albigensium, território dos Albigeois, Albiga. Era um modesto assentamento romano. Em 1040, Albi expandiu e construiu a Pont Vieux (Ponte Velha). Novos bairros foram construídos, indicativo de considerável crescimento urbano. A cidade ficou rica nesta época, graças ao comércio e trocas comerciais, e também às portagens cobradas aos viajantes por usar a Pont Vieux. Em 1208, o Papa e o rei francês uniram forças para combater os cátaros, que haviam desenvolvido a sua própria versão do dualismo cristão ascético, e assim uma heresia considerada perigosa pela Igreja Católica dominante. A repressão foi severa, e muitos cátaros foram queimados na estaca em toda a região. A área, até então praticamente independente, foi reduzida a tal condição que foi posteriormente anexada pela Coroa Francesa.

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Béziers é uma das cidades mais antigas da França, datada de 575 a.C.,  logo a seguir a Marselha, Massalia grega, fundada em 600 a.C. A arqueologia mostra que o local foi ocupado desde os tempos neolíticos, antes da vinda dos Celtas, numa passagem entre a Provença e a Ibéria. Os romanos refundaram a cidade como uma nova colónia para veteranos entre 36 e 35 a.C. com o nome de Colónia Julia Baeterrae Septimanorum. As pedras do anfiteatro romano foram usadas para construir o muro da cidade
 durante o século III.

Béziers foi um reduto do Principado do Languedoc, e posteriormente dos Cátaros, os heréticos do catolicismo pesadamente castigados por forças católicas na célebre Cruzada  Albigense que foi exterminadora do catarismo. 
Os cruzados chegaram à cidade em 21 de julho de 1209. Os católicos de Béziers receberam um ultimato para entregar os hereges ou partir antes que os cruzados sitiassem a cidade e "evitem compartilhar seu destino e perecer com eles". No entanto, muitos recusaram e resistiram com os cátaros. A cidade foi saqueada no dia seguinte e no massacre sangrento ninguém foi poupado, nem mesmo padres católicos e aqueles que se refugiaram nas igrejas. Apesar do massacre, a cidade foi repovoada. Algumas partes da catedral românica de St-Nazaire sobreviveram à carnificina, e as reparações começaram em 1215. A restauração, juntamente com a do resto da cidade, continuou até ao século XV.




A área hoje conhecida como Languedoc, até ao século XIIInão fazia oficialmente parte da França. Era um principado independente, cuja cultura e instituições políticas possuíam menos afinidades com o Norte do que com os reinos de Leão, Catela e Aragão. O principado era governado por várias famílias nobres, cujos chefes eram os condes de Toulouse e sua poderosa casa de Trencavel. Nesse principado floresceu uma cultura que, na época, era muito mais avançada e sofisticada do que no Norte de França.

Languedoc e Bizâncio possuíam muitas coisas em comum. A filosofia e outras atividades intelectuais floresciam, poesia e amor cortês eram aplaudidos; o grego, o árabe e o hebraico eram entusiasticamente estudados; e em Lunel e Narbonne cresciam escolas devotadas à Cabala, antiga tradição esotérica do judaísmo. Linhas de pensamento islâmico e judaico, por exemplo, eram importadas da Espanha, através de centros mercantis como Marselha ou através dos Pireneus. Ao mesmo tempo a Igreja Romana não gozava de alta estima.

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Nas palavras da Igreja Católica, o Languedoc estava "infectado" pela heresia albigense, "a lepra louca do Sul". Embora os adeptos dessa heresia fossem essencialmente pacíficos, eles constituíam uma ameaça grave à autoridade romana, a mais grave que Roma experimentaria até três séculos depois, quando os ensinamentos de Martinho Lutero iniciaram a Reforma. Por volta de 1200, havia uma perspetiva real de que o catolicismo romano, como forma dominante de cristianismo, fosse substituído, no Languedoc, pela heresia. Os hereges eram conhecidos por vários nomes. Em 1165 eles haviam sido condenados por um conselho eclesiástico no Languedoc, na cidade de Albi. Por esta razão, ou talvez porque Albi continuasse a ser um de seus centros, eles eram chamados com frequência de albigenses; em outras ocasiões eram cátaros; na Itália chamavam patarines. Não raro, eram também estigmatizados com nomes de heresias anteriores, como arianos, marcionistas e maniqueístas.

Albigense e cátaro eram nomes genéricos. Não se referiam a uma única igreja coerente, como aquela de Roma, com teologia e doutrina fixas, codificadas, definitivas. Os hereges em questão pertenciam a uma multidão de seitas diversas, muitas sob a direção de um líder independente, cujo nome seus seguidores assumiam. Essas seitas se atinham a certos princípios comuns, mas divergiam radicalmente nos detalhes. Muitas informações provêm de fontes eclesiásticas, tais como documentos da Inquisição. Criar um quadro a partir de tais fontes é como tentar compreender a Resistência Francesa a partir de relatórios da Gestapo. Assim, é virtualmente impossível apresentar um resumo coerente e definitivo do que realmente constituiu o pensamento cátaro.

Em geral, os cátaros acreditavam numa doutrina de reencarnação e no reconhecimento de um princípio feminino da religião. De facto, os pregadores e professores, das congregações cátaras, conhecidos como parfaits ["perfeitos"], eram de ambos os sexos. Ao mesmo tempo, rejeitavam a Igreja Católica e negavam a validade das hierarquias clericais, ou de intercessores oficiais e ordenados entre Deus e o Homem. No centro desta posição, reside um princípio importante: o repúdio à fé, pelo menos na forma em que a Igreja a pregava. No lugar da fé, aceite em segunda mão, os cátaros insistiam no conhecimento direto e pessoal, numa experiência religiosa ou mística apreendida em primeira mão. Esta experiência conhecida por gnosis, termo grego para "conhecimento", os cátaros a privilegiavam sobre todos os credos e dogmas. A ênfase no contacto pessoal direto com Deus tornava supérfluo os padres, os bispos e outras autoridades eclesiásticas.

Os cátaros eram, por assim dizer, dualistas. Todo o pensamento cristão podia, certamente, ser visto como dualista, pois insistia no conflito entre dois princípios oponentes: bem e mal, espírito e carne, alto e baixo. Mas os cátaros levavam a dicotomia muito além do que o catolicismo ortodoxo estava preparado para aceitar. Para os cátaros, homens eram as espadas com que os espíritos lutavam, sem que ninguém visse suas mãos. Toda a Criação estava imersa numa guerra perpétua entre dois princípios irreconciliáveis: luz e escuridão, espírito e matéria, bom e mau. O catolicismo posicionava um Deus supremo cujo adversário, o demónio, era definitivamente inferior. Os cátaros proclamavam a existência não de um Deus, mas de dois, com posições mais ou menos comparáveis. Um deles - "deus um" - era um ser, ou princípio, de puro espírito, limpo das manchas da carne. Era o deus do amor, considerado incompatível com o poder. Ora, a Criação material, era uma manifestação de poder. Assim, a Criação material - o mundo - era intrinsecamente mau.

Os cátaros viam a realidade totalmente impregnada de uma forma de dualismo cosmológico. Esta era, para eles, uma premissa básica, mas a resposta variava de seita para seita. Segundo alguns cátaros, o propósito da vida do homem na Terra era o de transcender a matéria, renunciar para sempre a qualquer coisa relacionada com o princípio do poder e, dessa forma, atingir a união com o princípio do amor. Segundo outros, o propósito do homem era reclamar e recuperar a matéria, espiritualizá-la, transformá-la. É importante notar a ausência de um dogma, doutrina ou teologia fixos. Como na maioria dos desvios da ortodoxia estabelecida, havia apenas algumas atitudes definidas de forma flexível, e as obrigações morais pertinentes a essas atitudes eram sujeitas à interpretação individual.

Aos olhos da Igreja Romana, os cátaros cometiam sérias heresias ao considerar a Criação, em nome da qual Jesus supostamente havia morrido, como intrinsecamente má, e ao considerar que Deus, cuja palavra havia criado o mundo no início, era um usurpador. A mais grave heresia era, contudo, a atitude em relação ao próprio Jesus. Se a matéria era intrinsecamente má, Jesus não poderia ter partilhado dela, encarnado, e ainda ser o filho de Deus. Para alguns cátaros, ele era totalmente incorpóreo, um fantasma, uma entidade de puro espírito que, é claro, não poderia ter sido crucificado. A maioria dos cátaros, no entanto, parece tê-lo considerado um profeta como outros, um ser mortal que, em nome do princípio do amor, morreu na cruz. Em suma, não havia nada de místico, de sobrenatural, de divino, envolvendo a crucificação. Muitos pareciam duvidar que ela tivesse mesmo ocorrido.

A despeito dessas posições teológicas subtis, complexas, abstratas e, para uma mentalidade moderna, irrelevantes, a maioria dos cátaros não era fanática. Atualmente, é moda no meio intelectual considerar os cátaros uma congregação de sábios, místicos iluminados ou iniciados em conhecimentos misteriosos, e detentores de segredos cósmicos. Na realidade, a maioria deles era composta de homens e mulheres mais ou menos comuns, que encontraram em seu credo um refúgio contra a severidade do catolicismo ortodoxo, e um repouso para os dízimos, penas, obséquias, exigências e outras imposições sem fim da Igreja Romana.

Algumas evidências sugerem que os cátaros utilizavam controlo da natalidade pelo aborto. Nós conhecemos a posição atual de Roma sobre estes assuntos. Não é difícil imaginar com que energia e zelo vingativo esta posição se manifestava na Idade Média.

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