sábado, 13 de novembro de 2021

Os Manuscritos Nag Hammadi e outras heresias cristãs




Se houve uma região onde os primeiros hereges estavam bem entrincheirados, essa região era o Egito, e mais especificamente Alexandria - a cidade mais educada e cosmopolita do mundo na época, a segunda maior cidade do Império Romano e repositório de uma extravagante variedade de crenças, ensinamentos e tradições. Quando irromperam as duas revoltas na Judeia, o Egito, e particularmente a cidade de Alexandria, tornou-se o refúgio mais acessível tanto para judeus como para cristãos. Assim, não é de se surpreender que o Egito tenha sido o local onde foram produzidos os chamados Evangelhos Gnósticos ou, mais precisamente, os Manuscritos Nag Hammadi.

Praticamente, desde a última diáspora em 132 d.C. da Palestina, não aparecem registos, nos duzentos anos seguintes, da vida de cristãos e judeus em Jerusalém. Muitos judeus e cristãos permaneceram no país, mas fora de Jerusalém. Chegou, no entanto, a haver uma seita de judeus chamada ebionita que reverenciava Jesus como um profeta, mas sem a crença da ressuscitação. Os crentes
 do judaísmo e do cristianismo desapareceram da Terra Santa. Como seria de esperar, as narrativas começaram a proliferar com as mais variadas efabulações que depois passaram a chamar-se heresias. Algumas derivavam indubitavelmente de algum tipo de conhecimento direto, preservado por judeus devotos e por grupos como a seita ebionita. Eram judeus convertidos a uma ou outra forma de cristianismo. Outras narrativas são flagrantemente baseadas em lendas, rumores, uma mistura de crenças correntes.

Marcion, um rico magnata da navegação e bispo, que chegou a Roma por volta de 140 d.C., foi excomungado quatro anos depois. Marcion fazia uma distinção radical entre lei e amor, a primeira associada ao Velho Testamento, e o segundo ao Novo. Algumas destas ideias marcionistas emergiram mil anos depois como foi o caso de Perlesvaus, também chamado: "li Hauz Livres du Graal" – um antigo romance arturiano francês datado da primeira década do século XIII. Pretende ser uma continuação do Perseval inacabado de Chrétien de Tryes, a História do Graal. Marcion foi o primeiro escritor a compilar uma lista canónica de livros bíblicos, que excluía totalmente o Velho Testamento. Em resposta direta a Marcion, Ireneu compilou a sua lista canónica, que forneceu a base para a Bíblia como a conhecemos hoje.

Basilides, um intelectual de Alexandria que escreveu entre 120 e 130 d.C., versado tanto em escrituras hebraicas como em Evangelhos cristãos, mergulhou no pensamento egípcio e helenístico como um verdadeiro herege. Teria escrito nada menos que 24 comentários sobre os Evangelhos e, segundo Ireneu, promulgou a mais odiosa heresia. Basilides afirmou que a crucificação foi uma farsa, que Jesus não morreu na cruz, e que um substituto - Simão de Cirene tomou o seu lugar. Tal afirmação pareceria estranha, mas revelou-se persistente e tenaz.

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Nag Hammadi, no Alto Egito, foi o sítio onde em 1945 foram encontrados uns textos do primitivo cristianismo gnóstico, quem em 325, no Primeiro Concílio de Niceia, foram classificados como apócrifos. Portanto, versões não canónicas dos Testamentos. Após esse Concílio, terão sido monges a esconder os papiros embrulhados em couro, dentro de potes de barro, na base de um penhasco chamado Djebel El-Tarif. Os textos estão escritos em copta, embora todos os trabalhos sejam traduções do grego. O texto mais conhecido é provavelmente o Evangelho de Tomé, cujo único texto completo está na Biblioteca de Nag Hammadi. Atualmente, todos os códices estão preservados no Museu Copta do Cairo.

Os manuscritos são cópias, e os originais, a partir dos quais eles foram copiados, datam de muito antes. Alguns deles - o Evangelho de Tomé, por exemplo, o Evangelho da Verdade e o Evangelho dos Egípcios - são mencionados por Clemente de Alexandria, Ireneu e Orígenes, os chamados Padres da Igreja. Os pesquisadores modernos estabeleceram que alguns manuscritos, ou a maioria deles, datam de, no máximo, 150 d.C. E pelo menos um pode incluir material ainda mais antigo do que os quatro Evangelhos do Novo Testamento que conhecemos.

Considerado como um todo, a coleção Nag Hammadi constitui um repositório valioso de documentos cristãos iniciais - alguns dos quais podem ter uma autoridade igual à dos Evangelhos sinópticos (Mateus, Marcos, Lucas). Além do mais, alguns documentos podem ser considerados possuidores de uma verosimilhança própria e singular. Em primeiro lugar, eles escaparam à censura e revisão da ortodoxia romana. Em segundo lugar, foram originalmente escritos para uma audiência egípcia, não romana, e desta forma não são distorcidos ou adaptados aos ouvidos romanos. Finalmente, eles podem basear-se em fontes de primeira mão e/ou testemunhas vivas - narrativas orais de judeus que fugiram da Terra Santa, por exemplo, talvez até mesmo conhecidos ou seguidores de Jesus, que contariam a sua história com uma fidelidade histórica que os Evangelhos não puderam reter.

Como seria de se esperar, os Manuscritos Nag Hammadi contêm muitas passagens que são contraditórias com as versões ortodoxas dos "seguidores da mensagem". Há um documento, o chamado Segundo Tratado do Grande Seth, que descreve Jesus precisamente como ele aparece na heresia de Basilides - escapando à morte na cruz através de uma engenhosa substituição.

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