segunda-feira, 22 de novembro de 2021

O culto de aflição





Nos jornais, principalmente “Correio da Manhã” e “Jornal de Notícias”, volta e meia aparecem notícias acerca do regresso dos exorcistas, que a sua procura está a aumentar. Em 2018, o bispo da diocese de Bragança/Miranda – D. José Manuel Garcia Cordeiro – revelou que havia cada vez mais pessoas a recorrerem à ajuda da Igreja Católica para se libertarem do mal e das suas dependências através do sacramento do exorcismo: "Há muitas pessoas que nos procuram a pedir ajuda e eu espero que haja mais tempo disponível para responder a estas necessidades. Este tipo de acompanhamento precisa de muita escuta e muita atenção. As pessoas com o ritmo de vida atual querem respostas imediatas, mas este processo requer fé e tempo". O exorcismo é uma celebração litúrgica, pelo que para não cair na "banalização" ou em qualquer tipo "de comercialização" tudo terá de passar pela decisão do bispo de cada diocese.

culto de aflição tem a ver com a prática popular de recorrer ao serviço do divino ou sobrenatural para resolver não apenas crises de aflição ou angústia existencial, como o medo da morte, mas também para doenças banais ou graves, quer do foro físico, quer psíquico. Pessoas aflitas em busca da resolução de problemas concretos do quotidiano. Com esse enfoque a religiosidade é usada para resolver problemas que dizem respeito a doenças, dificuldades amorosas, financeiras ou das relações familiares. Os problemas de saúde em primeiro lugar, seguido por problemas económicos e sentimentais, constituem a parte mais expressiva da aflição que leva as pessoas a procurarem uma ajuda religiosa. E essa procura será tão maior quanto mais incómodos forem os problemas e quanto mais escassas forem as condições institucionais para resolvê-los. Normalmente a religião motiva as pessoas a procurarem ajuda por causa de suas representações mágicas. Há ainda um elemento facilitador que é a conceção cultural da existência de dois tipos de doenças; as do corpo e, desafiando qualquer avanço científico, as do espírito. A religião, de modo geral, se ocupa do segundo tipo.

Quem crê no rito católico de expulsão do demónio de uma pessoa possuída, considera que a Igreja está perante uma “emergência pastoral”. Em Itália, por exemplo, noticia-se que, nos últimos anos, triplicaram os pedidos de assistência espiritual a padres exorcistas por parte de fiéis que se sentiam sob possessão demoníaca. O aumento de crentes que procuram esse tipo de ajuda regista-se também noutros países europeus e americanos. 
Cientificamente, entretanto, não podemos considerar uma religião ou seita como algo patológico, ainda que seja demasiadamente estapafúrdia em seus cultos e liturgias. Trata-se de uma questão lógica, pois a patologia é um atributo das pessoas e não das associações, seitas ou agremiações. No entanto, podemos dizer que existem algumas seitas ou religiões que são patogénicas, ou seja, capazes de desencadear ou agravar quadros psicopatológicos em pessoas predispostas, ou circunstancialmente vulneráveis.

O culto de aflição, que vai para lá das religiões, sejam elas de seita ou de igreja propriamente dita, é um assunto que tem sido estudado tanto por filósofos e teólogos, como por psicólogos sociais, sociólogos e antropólogos. É um fenómeno que transita entre a ciência e a fé, entre a objetividade e a subjetividade, entre a dúvida e a certeza. Uma das características fundamentais do ser humano é a atração pelo sublime que se traduz na sua religiosidade e capacidade para acreditar em forças invisíveis. Faz parte das suas condições de sobrevivência e desenvolvimento. E será sempre um risco que as pessoas correm, quando a crença resulta numa submissão ao desconhecido, ao grande Outro, credibilidade em aceitar o discurso do outro, que controla a mente do crente. 

Aceitando como uma necessidade antropológica, o facto de as pessoas procurarem apoio religioso diretamente proporcional à angústia que as aflige, tudo isto é visto com alguma condescendência por parte das autoridades políticas e académicas. E é assim que quem se dedica a estas práticas tem uma clientela sempre garantida pelas vicissitudes da vida, pelo sofrimento e desiquilíbrio emocional dos afetos, que desagua na angústia existencial cada vez mais premente nestes tempos de pandemias e apocalipses. 
Essas pessoas angustiadas, ou que tenham alguma fragilidade emocional, são as mais predispostas a deixarem-se influenciar pelas crenças mais estapafúrdias. E não faltam religiões canónicas ou espirituais que tentam tornar a vida mais compreensível e suportável, auxiliando as pessoas a se orientarem dentro de seus contextos problemáticos, recorrendo a todo o tipo de rituais e manobras para "exorcizar os maus olhados". O aspecto mórbido ou patológico dessas crenças está no sofrimento causado pela falsa esperança, pela expectativa frustrada que adia os tratamentos psiquiátricos necessários. Um dos perigos mais contundentes desses "cultos de aflição" é a alteração de personalidade tentada através do significado demoníaco que é atribuído ao sofrimento existencial. 

Tanto faz ser uma seita ou a religião que se professa a título oficial, todas estas atividades de culto de aflição incorrem no erro de prejudicar mais do que beneficiar o crente ingénuo e aflito. O que está em causa é o paradigma da crença. O comportamento determinado pela fé expressa-se por um rito, por uma liturgia que congrega em torno de si uma comunidade, cuja finalidade é sustentar essa mesma comunidade de cariz sectário ou religioso. 
Assim sendo, existem alguns comportamentos e liturgias que são comuns a quase todas as religiões: o pedido; a promessa; o sacrifício e a purificação; a oferenda; o pagamento da promessa. Principalmente nas religiões proféticas e monoteístas, como é o caso do cristianismo, a liturgia visa estabelecer algum vínculo entre o Deus transcendente e o homem pecador. Em geral o estigma do homem religioso é aquele “justo” e que “teme a Deus”, que descobre a sua falta e se arrepende, é um pecador que receberá o perdão.

Um dos perigos mais contundentes desses cultos de aflição é tentar alterar o significado de alguma doença para aquele que a está a sofrer. Mas os rituais não implicam a remoção definitiva dos sintomas, mas a mudança dos significados que a pessoa atribui a esses sintomas. O objetivo vai mais no alcance de uma alteração mais profunda da visão do mundo, protelando perigosamente um tratamento médico adequado. Fenómenos como a possessão pelo demónio ou por um espírito, muitas vezes são sintomas de transtornos emocionais mas, no contexto religioso a possessão e o transe são comportamentos culturalmente aceites e raramente vistos como sintomas de distúrbio mental.

Enquanto na terminologia psiquiátrica conversão significa a passagem ou o salto de um conteúdo psíquico para o orgânico, quadro que faz parte do espectro histérico ou histriónico, em religião conversão significa uma grande mudança na atitude cognitiva da pessoa. Após a conversão as pessoas percebem-se a si mesmas como mudadas em seus traços de personalidade. E na própria identidade social, incluindo vínculos comunitários, sentimentos de pertença, de papéis desempenhados e percepção do mundo ou mundividência. Entre as mudanças cognitivas operadas na conversão destacam-se as concepções de si mesmo e a aquisição de um novo sistema cognitivo do “estar-no-mundo”.

A sociedade tem momentos históricos e circunstâncias que induzem diferentes comportamentos, atitudes e desempenho de seus membros. Autoflagelações, jejuns prolongados, danças que se prolongam até a exaustão, enfim, a sociedade costuma estimular determinados modelos de comportamento e certas sugestões de suas massas. O psiquiatra e/ou profissional da área deve estar atento para diferenciar o que é interferência da cultura no comportamento e na atitude da pessoa e o que é manifestação de um processo doentio. 

Os Dons do Espírito Santo ou Carismas conforme algumas denominações cristãs, nomeadamente as pentecostais e as católicas, são diversos dons que o Espírito Santo dota os cristãos, concedendo-lhes determinadas graças para além das suas aptidões naturais e dando-lhes a oportunidade de se tornarem instrumentos especiais de Deus neste mundo, para se fortalecerem junto da Igreja e a ajudar a edificá-la. Esses dons são descritos no Novo Testamento, principalmente em I Coríntios 12, Romanos 12 e Efésios 4. Completam e intensificam as virtudes de quem os recebe. Tornam os fiéis cristãos dóceis, na obediência pronta, às inspirações divinas, apresentadas por esta ação de Deus em nós, pela qual Ele nos leva à perfeição. Realizam uma união íntima de Caridade na nossa alma, que nos leva direto a ver e a praticar o bem.

O pentecostalismo é um movimento do cristianismo evangélico que dá ênfase especial numa experiência direta e pessoal de Deus através do batismo do Espírito Santo. O termo pentecostal é derivado de Pentecostes, um termo grego que descreve a festa judaica das semanas. Para os cristãos, este evento comemora a descida do Espírito Santo sobre os seguidores de Jesus Cristo, conforme descrito no Atos 2. Pentecostais tendem a ver que seu movimento reflete o mesmo tipo de poder espiritual, estilo de adoração e ensinamentos que foram encontrados na Igreja primitiva. Por este motivo, alguns pentecostais também usam o termo Apostólica ou Evangelho Pleno para descrever o seu movimento. O pentecostalismo é um termo amplo que inclui uma vasta gama de diferentes perspectivas teológicas e organizacionais. Como resultado, não existe nenhuma organização central ou igreja que dirige o movimento. Os pentecostais podem ser inseridos em mais de um grupo cristão.

A ênfase do pentecostalismo sobre o carisma o coloca dentro do cristianismo carismático, um enorme agrupamento de cristãos que tem aceitado alguns ensinamentos pentecostais sobre o batismo no Espírito e dons espirituais. O pentecostalismo está teologicamente e historicamente próximo do movimento carismático, porque o pentecostalismo influenciou significativamente o movimento carismático, que às vezes os termos pentecostal e carismático são usados como sinónimo. 

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