terça-feira, 4 de junho de 2019

As pessoas felizes depois dos tempos da . . .



Mandem alterar os títulos das notícias que foram publicadas na manhã de 3 de junho de 2019. Agustina não morreu. Agustina vive, Agustina é, Agustina somos nós. [Joana Beleza – in Expresso]
«Há muitas coisas belas na terra, mas nada iguala a recordação de um dia de Verão que declina, e temos onze anos e sabemos que o dia seguinte é fundamental para que os nossos desejos se cumpram. Quem conservar este sentimento pela vida fora está predestinado a um triunfo, talvez um tanto sedentário, mas que tem o seu reino no coração das pessoas. O coração das pessoas! Queremos dizer, em regra, a sua fantasia, equivalente a uma fraqueza, ou mórbido impulso de ceder perante os outros. Mas é, na verdade, a sua aspiração a um amor desesperado das realidades da vida, diferentes da maneira em que elas se cumprem.»

Nel, é uma mulher que não é feliz do mesmo modo que os outros, homens e mulheres, mas que quer ser feliz, para o que terá de deixar de ser aquilo a que estava destinada. Há qualquer coisa de premonitório neste romance. Pelos costumes das pessoas, pelos sentimentos, pelas relações entre parentes e familiares, percebe-se que já muita coisa mudou ou está em mudança antes mesmo de a revolução acontecer. A revolução, aliás, é o coroar de um processo de mudança, mais do que o seu começo. Em algo de essencial, de fundamental, isto é, nos sentimentos, as coisas já eram diferentes antes de 1974.

No final dos anos 90, no tempo da Expo e de Guterres, Mário Soares e Mitterrand, podíamos dizer que, de certo modo, as pessoas eram felizes. Apesar de os bens materiais não satisfeitos completamente, era bom porque o próprio excesso de consumo engendra insatisfação e infelicidade. Se tudo estivesse disponível a qualquer momento as pessoas considerariam essa disponibilidade como uma evidência da vida e deixariam de apreciar a sorte que tinham. A vida seguia, portanto, o seu curso regular e previsível, sem abalos nem grandes esforços. Cada um tinha o direito de se retirar e ir jogar uma partida de gamão, ou ir para a praia. Tudo o que corria mal era imputado ao Outro; ninguém se sentia verdadeiramente responsável.

A felicidade no Ocidente é um conceito pagão, em que a finalidade da vida consiste em ser feliz. E o ser feliz tem a ver com o princípio do prazer. Quando o paganismo ocidental se cristianizou, a sua insistência num Além minou esse princípio. E então a felicidade no Ocidente passou a ser hipócrita, as pessoas sonhando com coisas que não desejam verdadeiramente. Assim, aquelas pessoas intelectuais, os privilegiados, quando formulam slogans como: pleno emprego e verdadeiros direitos para os imigrantes, realmente não estão a querer vê-los satisfeitos. Porque eles sabem muito bem que a implementação dessas medidas teria como repercussão uma vaga de milhões de recém-chegados, provocando desse modo uma reação de índole “racista” na classe trabalhadora, que por sua vez iria comprometer o seu estado de vida privilegiada. Por isso, o seu verdadeiro desejo é esperar que os seus pedidos não sejam satisfeitos, e assim continuarem hipocritamente a viver as suas vidinhas.

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