sexta-feira, 21 de junho de 2019

Os caminhos da tolerância


O século das Luzes teve importância que teve para os europeus porque fechou a época das conquistas, da chacina e das pilhagens nas outras partes do mundo. Período sombrio esse, para os patriotas de um mundo a que os europeus chamaram terceiro. É por isso que agora ninguém gosta da palavra “Descobrimentos”, porque os continentes que os europeus dizem que descobriram, não descobriram coisa nenhuma, porque esses continentes eram conhecidos desde tempos imemoriais pelos que sempre lá viveram.

O Iluminismo deu início à época que, para todos os efeitos, está a chegar ao fim. Depressa as coisas se complicaram quando a ciência iluminista deixou de se poder conformar com as explicações da tradição bíblica. A encarnação de Deus – o dogma da transubstanciação – e o mistério da Trindade ultrapassavam a sua capacidade de compreensão. O mesmo se passava com os milagres. A par deste aspeto histórico-religioso e histórico-eclesiástico, o Iluminismo significou simultaneamente um movimento social, que impeliu à emancipação da burguesia. O édito de tolerância no tempo de José II, do Sacro Império Romano Germânico, promulgava publicamente o que amadurecera como fruto do Iluminismo católico, que lenta e ininterruptamente se difundira nos territórios dos Habsburgo numa primeira fase como um problema de religião.

Coube à literatura desbravar o caminho para a revelação da dualidade do Outro. São exemplares as obras de um Daniel Defoe, Jonathan Swift, Rousseau, Voltaire, Fontenelle, Goethe ou de um Herder: um ser humano como qualquer um de nós, portador de características raciais, de cultura, de crenças e convicções, com dias bons que trazem as alegrias e satisfação, ou dias menos bons que trazem a fome, a dor e a tristeza.

O tipo de tolerância que se exige a uma sociedade civil é aquela que reconhece a cada pessoa o direito de decidir por ela própria o que escolher, e formar as suas próprias opiniões. É ilegítima qualquer tentativa no sentido de coagir alguém pelas suas ideias ou opiniões. Mas isso não significa que não devamos tentar procurar todos os meios de persuasão legítimos, por exemplo, para fazer com que uma pessoa deixe de ser racista. Ao indivíduo tolerante cumpre reconhecer o direito que assiste a outra pessoa discordar de si. Todavia, o indivíduo tolerante não está obrigado a aceitar o convívio com o intolerante, e obviamente também não com o racista.

No reino do pensamento, isso corresponde aos limites da simples razão. A tolerância não é a expressão da debilidade, mas da coragem. Não significa o reconhecimento igual para todas as formas de pensamento. O que é tolerado limita-se à esfera da subjetividade de cada um, da sua interioridade psíquica, e não ao exercício prático de ideias que colidam com determinados valores morais.
Focando agora a tolerância no âmbito das religiões, o diálogo inter-religioso não se limita apenas às grandes religiões universais, mas também ao diálogo entre estas religiões e o ateísmo. E o apelo à tolerância aplica-se obviamente também aos ateístas científicos. Conseguirá a ideia de tolerância sair-se bem no seio da ciência, que de vez em quando se endurece para fazer o frete a um certo tipo de capitalismo cujos propósitos é o abominável domínio da Terra.

As relações entre os homens por vezes perdem a sinceridade e a confiança recíproca. Por isso a tolerância está em ação em tudo, não só enquanto virtude de convívio que nos é inculcada, mas como fundamento da disposição anímica humana, que conta com a alteridade do Outro. Ora, nestes tempos da técnica da comunicação, que encurta as distâncias desenfreadamente, em vez de gerar diálogos compassivos e consensuais, gera confrontos que levam à intolerância. Vejam-se as tendências separatistas nos países com estados configurados há séculos, aparentemente estáveis. Uns por causa da língua, outros por causa da religião, e ainda outros por fatores económicos que têm a ver com catástrofes ecológicas e ambientais.

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