O século das Luzes
teve importância que teve para os europeus porque fechou a época das
conquistas, da chacina e das pilhagens nas outras partes do mundo. Período
sombrio esse, para os patriotas de um mundo a que os europeus chamaram
terceiro. É por isso que agora ninguém gosta da palavra “Descobrimentos”,
porque os continentes que os europeus dizem que descobriram, não descobriram
coisa nenhuma, porque esses continentes eram conhecidos desde tempos imemoriais
pelos que sempre lá viveram.
O Iluminismo deu
início à época que, para todos os efeitos, está a chegar ao fim. Depressa as
coisas se complicaram quando a ciência iluminista deixou de se poder conformar
com as explicações da tradição bíblica. A encarnação de Deus – o dogma da
transubstanciação – e o mistério da Trindade ultrapassavam a sua capacidade de
compreensão. O mesmo se passava com os milagres. A par deste aspeto
histórico-religioso e histórico-eclesiástico, o Iluminismo significou simultaneamente
um movimento social, que impeliu à emancipação da burguesia. O édito de
tolerância no tempo de José II, do Sacro Império Romano Germânico, promulgava
publicamente o que amadurecera como fruto do Iluminismo católico, que lenta e
ininterruptamente se difundira nos territórios dos Habsburgo numa primeira fase
como um problema de religião.
Coube à literatura
desbravar o caminho para a revelação da dualidade do Outro. São exemplares as obras
de um Daniel Defoe, Jonathan Swift, Rousseau, Voltaire, Fontenelle, Goethe ou
de um Herder: um ser humano como qualquer um de nós, portador de
características raciais, de cultura, de crenças e convicções, com dias bons que
trazem as alegrias e satisfação, ou dias menos bons que trazem a fome, a dor e
a tristeza.
O tipo de
tolerância que se exige a uma sociedade civil é aquela que reconhece a cada
pessoa o direito de decidir por ela própria o que escolher, e formar as suas
próprias opiniões. É ilegítima qualquer tentativa no sentido de coagir alguém
pelas suas ideias ou opiniões. Mas isso não significa que não devamos tentar
procurar todos os meios de persuasão legítimos, por exemplo, para fazer com que
uma pessoa deixe de ser racista. Ao indivíduo tolerante cumpre reconhecer o
direito que assiste a outra pessoa discordar de si. Todavia, o indivíduo
tolerante não está obrigado a aceitar o convívio com o intolerante, e
obviamente também não com o racista.
No reino do
pensamento, isso corresponde aos limites da simples razão. A tolerância não é a
expressão da debilidade, mas da coragem. Não significa o reconhecimento igual
para todas as formas de pensamento. O que é tolerado limita-se à esfera da
subjetividade de cada um, da sua interioridade psíquica, e não ao exercício
prático de ideias que colidam com determinados valores morais.
Focando agora a
tolerância no âmbito das religiões, o diálogo inter-religioso não se limita
apenas às grandes religiões universais, mas também ao diálogo entre estas
religiões e o ateísmo. E o apelo à tolerância aplica-se obviamente também aos
ateístas científicos. Conseguirá a ideia de tolerância sair-se bem no seio da
ciência, que de vez em quando se endurece para fazer o frete a um certo tipo de
capitalismo cujos propósitos é o abominável domínio da Terra.
As relações entre
os homens por vezes perdem a sinceridade e a confiança recíproca. Por isso a
tolerância está em ação em tudo, não só enquanto virtude de convívio que nos é
inculcada, mas como fundamento da disposição anímica humana, que conta com a
alteridade do Outro. Ora, nestes tempos da técnica da comunicação, que encurta
as distâncias desenfreadamente, em vez de gerar diálogos compassivos e
consensuais, gera confrontos que levam à intolerância. Vejam-se as tendências
separatistas nos países com estados configurados há séculos, aparentemente
estáveis. Uns por causa da língua, outros por causa da religião, e ainda outros
por fatores económicos que têm a ver com catástrofes ecológicas e ambientais.
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