O estar
introspetivamente ciente não é, em si, um tipo de experiência. Não temos uma
experiência da nossa experiência como a que temos de um pôr do Sol. Isto é
assim porque o ato de estar interiormente ciente não possui a fenomenologia
característica de uma modalidade dos sentidos. A única fenomenologia presente
em semelhante consciência provém do objeto de que se está ciente.
Enquanto dormimos
não estamos cientes de nada. Mas durante o dia todo acordados estamos
permanentemente em relação com o mundo externo ao nosso corpo, sendo a
perceção, e dentro desta a visão, a forma mais importante de contacto com o
mundo. Por exemplo, os objetos externos com os quais o sujeito da perceção se
encontra perceptualmente, são a coisa concreta que através da experiência parece
ser de determinada forma. É a esta determinada forma de aparência que se
designa por conteúdo da experiência. É importante não se confundir aqui
o objeto em si do conteúdo da experiência. Assim, relativamente a
qualquer experiência percetual, podemos sempre fazer duas perguntas: qual é o objeto
da experiência; qual é o conteúdo da experiência. E esta diferenciação é
importante por causa das ilusões e alucinações. Numa alucinação
total, realmente não há objeto, mas há conteúdo. Possuir conteúdo é condição da
própria existência de uma alucinação. As coisas nem sempre parecem o que são, é
o caso da ilusão. O conteúdo de uma ilusão pode ser o de um objeto com
características que o objeto concreto na realidade não possui.
Estou à janela com
a Maria a conversar enquanto passam pessoas na rua. A certa altura digo: olha,
parece que vai ali o Carlos. Usei a palavra “parece” como modo estritamente
fenomenológico de representação. O conteúdo das nossas perceções é o modo como
as coisas nos parecem, acompanhado, claro, de um ou mais conceitos previamente
adquiridos. Há uma relação causal entre o objeto e a experiência. Faz parte do
conceito de perceção que a relação percetual implique uma relação
causal. Há um tipo de correspondência entre conteúdo e objeto, mediada por uma
cadeia causal. Quando usamos uma palavra para nos referirmos a alguma coisa
fazemos dessa coisa objeto de u ato representacional. A perceção, por
conseguinte, envolve três elementos: o sujeito da perceção; a experiência
representacional; e o objeto. De forma semelhante, a referência, envolve
três elementos: o falante; a palavra; e objeto. Proferir uma palavra é algo
semelhante a vivenciar a experiência percetiva. Mas atenção, percecionamos
coisas e não experiências. E seria um erro dizer que as palavras são os objetos
imediatos da referência.
Se estar
introspetivamente ciente de uma dor é problemático – estar ciente de uma dor é o
caso de tomar a dor por objeto – muito mais o é estar ciente de si, daquilo que
é referido por self ou eu. Tal como podemos estar cientes da nossa experiência
observacional do mundo lá fora, assim podemos estar cientes de nós nos mesmos
termos. Tanto quanto podemos conjeturar, não é provável que os animais
irracionais tenham esse atributo: “estar ciente de si”. Eles não podem dar-se
ao luxo de ter pensamentos acerca dos seus próprios eus.
Bem, este aspeto
da experiência do “eu” não é de todo pacífica entre os investigadores, sejam
eles filósofos ou cientistas. Pode-se ter a perspetiva de o eu ser
identificado com o corpo. De acordo com esta perspetiva estamos cientes
do “Eu” através dos mesmos sentidos que nos levam a estar cientes do mundo
exterior ao nosso corpo, acrescidos de pelo menos mais dois sentidos exclusivos
do corpo: o sentido cinestésico e o sentido propriocetivo. Mas também há quem
defenda que a autoconsciência não depende de perceções aparentemente idênticas
às do nosso próprio corpo. Por conseguinte, para estes autores a consciência do
eu não é constituída pela consciência do corpo.
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