segunda-feira, 3 de junho de 2019

O falar verdade e o seu paradoxo nestes tempos de redes sociais virtuais



Ao contrário do que possa parecer, a nossa reação de uma forma pungente em calão vernáculo, quando nos apercebemos que nos estão a manipular, mostra quão agredidos nos sentimos com essa violação mental. O vigor das palavras sugere a intensidade do ato e as suas consequências psicológicas.

Há um género de ataque à mente dos outros por parte de algumas pessoas que não passam de tretas com a tentativa deliberada de lavagem cerebral. Traduzindo o conceito para vernáculo, tal manobra podia muito bem receber da nossa parte a seguinte reação verbal: "não me fodam o juízo com essas tretas de merda".

O manipulador no conto do vigário explora o que já está presente na vítima, cheirando-lhe a terreno fértil. Há uma predisposição prévia para a queda no conto do vigário. A vítima é recetiva ao paleio e às invocações do perpetrador. Ou seja, no esfarrapado conto do vigário, em que algumas pessoas estão constantemente a cair, elas também são vítimas da sua própria ganância parola.

Um outro exemplo clássico, a que era costume recorrer antes do advento da Internet, era o das Testemunhas de Jeová, que nos vinham bater à porta de casa para nos "foder o juízo". É claro que o que conta é desde logo o processo, independentemente do resultado. Particularmente o caso exemplificado, é muito fraco para nos conseguir dar a volta. Mas hoje, nas ditas redes sociais, os exemplos diversificaram-se vertiginosamente. O que caracteriza agora os novos manipuladores de cérebros é a sua intencionalidade quanto a falsidades e fingimentos, dando a volta às pessoas através da exploração emocional, como se as violassem mentalmente. As seitas religiosas instilam um conjunto de crenças, geralmente falsas, por vezes de um modo extravagante, tipicamente apelando ao medo e à ansiedade. Um outro exemplo de manipulação mental é o dos crentes na homeopatia.

Quando eles dão o exemplo da mudança de paradigma geocêntrico para o paradigma heliocêntrico, para nos fazer acreditar que não é uma pseudociência, o que devemos responder é que se assim fosse, não se trataria apenas da substituição de uma crença por outra, mas uma mudança sísmica na conceção do mundo. Seria uma revolução cognitiva. O truque está em não apresentar argumentos que sejam racionais, de modo a evitar serem contestados pelo método da falsificação de Karl Popper. É mais pela via da persuasão psicológica.

O paradoxo reside no facto de hoje, apesar da ubiquidade e do maior acesso das pessoas às fontes dos factos, quer por via dos novos meios de comunicação social, quer por via das redes sociais informais digitais, o falar verdade está muito mais distante do que antigamente. As pessoas sentem uma necessidade cada vez maior de fingir uma coisa que não são, levando-as a servirem-se da conversa da treta por tudo e por nada. As pessoas sentem-se com mais à vontade para falar barato.

Por um lado, a ascensão dos meios de comunicação através da Internet, alargou consideravelmente a tendência para fazer lavagens ao cérebro das pessoas. Dão-nos a volta a toda a hora. Nem sempre a discussão pública se pauta pela verdade como valor supremo. As redes estão enxameadas de publicitários, políticos e promotores de todo o tipo e feitio de causas sociais. Por estranho que pareça, continua a ser muito difícil distinguir o discurso sério e genuíno, do discurso cujo objetivo é lixar-nos o juízo.

É evidente que o fanatismo religioso não desapareceu com a maior divulgação de conhecimentos científicos na comunicação social. E se o decréscimo de crentes e fiéis no catolicismo se fez acompanhar de uma diminuição de gente supersticiosa em toda a Europa, o mesmo não se verificou ao nível de outras religiões. Por outro lado, há a salientar o recrudescimento de crenças do chamado paganismo e outros credos arrumados sob a designação de New Age. A manipulação mental atinge forçosamente a máxima intensidade quando as mentes das pessoas podem formar opiniões dissidentes, quando deixadas entregues a si próprias.

Vale a pena recordar que, apesar de tudo, há formas muito antigas de nos darem a volta à cabeça, que remonta pelo menos ao tempo de Platão. Platão preocupava-se seriamente em combater aqueles oradores da Grécia Antiga conhecidos por sofistas. Os sofistas propunham-se, mediante pagamento, ganhar qualquer discussão, especialmente em tribunal, por quaisquer argumentos falaciosos e truques retóricos. Mas acreditemos em Platão e Xenofonte quando nos falam de Sócrates – percorria a praça pública questionando as crenças comuns das pessoas acerca das coisas, mostrando-lhes que na verdade ignoravam até os conceitos mais básicos. É claro que, no bom sentido, aqueles que tinham paciência para aceitar as marteladas na cabeça que Sócrates lhes dava, saíam do diálogo aturdidos pela dúvida, aparentemente mais confusos, mas só aparentemente, e desgastados física e mentalmente. O mesmo se pode dizer de Hume e Berkeley, que procuraram arruinar as nossas crenças de senso comum acerca do mundo. Estes filósofos lixam-nos de facto o juízo, perturbam-nos e alarmam-nos. E, no entanto, o que resulta daqui é mais sabedoria e entusiasmo. A Filosofia arrebata-nos intelectualmente, porque trata de revelações grandiosas, e isso ao fazer-nos a nossa mente em cacos, ao fazer-nos sentir abalados e estupefactos, leva-nos a sublevações profundas. Evidentemente, os sofistas davam a entender que usavam a persuasão racional, mas na realidade davam apenas a volta às pessoas.

Wittgenstein é uma espécie de caso à parte, porque combinava o ceticismo filosófico com o misticismo religioso, no melhor sentido do termo. Wittgenstein, tendo sido um grande treteiro, ao mesmo tempo era um exímio opositor a todo o tipo de tretas. Apenas acreditava nas suas próprias tretas. Dizia coisas do género: “A linguagem comum enfeitiça-nos a mente, iludindo e ludibriando nos vai fazendo cair em erros filosóficos graves; a única cura é fazer o tipo de filosofia terapêutica que pratico. Por exemplo, falamos de ter a mente cheia de ideias como se de uma gaveta cheia de berlindes se tratasse. E isto porque somos enganados pela semelhança gramatical entre palavras para a mente e palavras para objetos físicos. Como se a mente fosse um tipo de objeto quase espacial.”

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