quarta-feira, 19 de junho de 2019

Filosofia – para que serve?


No artigo que precede este, a parte final ocupou-se de certa maneira do problema da existência. É obviamente fundamental, mas o que quer dizer exatamente? Publico este artigo quase numa atitude provocatória, porque estamos num tempo em que as autoridades políticas, e certos círculos da elite cultural “bem-pensante” que tem influência no poder político, defendem que o mais importante é a ciência, a filosofia e a história pode esperar porque não serve para nada, principalmente no currículo das escolas secundárias e até universitárias. Ora, a existência não é um tópico que a ciência possa alguma vez vir a ser capaz de dar conta. É uma questão puramente filosófica, simples, mas surpreendentemente confusa. Pensar sobre ela faz-nos ver que mesmo os nossos conceitos mais básicos não são claros para nós. É um erro pensar que todas as questões genuínas são científicas ou empíricas. Na verdade, a própria ciência levanta problemas filosóficos.

Hoje, a maior parte dos jovens estudantes universitários, tirando aquele número reduzido de jovens, a que os outros chamam “refugo” a frequentar os cursos de História e Filosofia, têm ouvidos moucos no que diz respeito a questões filosóficas. E esse preconceito que vem já de trás, dos liceus, é ampliado pela formação que recebem por parte dos seus professores universitários das áreas ditas “duras”, que lhes dizem que as únicas verdadeiras questões são aquelas que podem ser resolvidas através de experiências controladas. O resultado disso é, pura e simplesmente, a sua debilidade para trabalharem questões conceptuais mais complexas e abstratas.

Não significa que os cientistas das áreas matemáticas não são suficientemente inteligentes para continuar a descobrir coisas que ainda não sabemos. Nem, por outro lado, que se prestassem mais atenção à Filosofia, eles iriam poder dar todas as respostas em questão de dias. O que está em causa é que as perguntas da Filosofia são mais profundas do que as perguntas da ciência pura e dura, ou a ciência por trás da técnica, que diz respeito apenas ao mundo empírico vulgar da observação sensorial.

Wittgenstein defendeu que os problemas filosóficos surgem da incompreensão da nossa própria linguagem. Muitas vezes usámo-la de uma forma que não pode ser sustentada. A única maneira de perscrutarmos outras realidades, ou mesmo certos momentos da realidade comum, é através de estados de consciência alterados que por redundância é habitual chamar misticismo. E efetivamente Wittgenstein também teve o seu momento místico.
Bem, com menos misticismo os chamados filósofos da linguagem comum e os positivistas lógicos, um grupo de cientistas de inclinações filosóficas a trabalhar sobretudo em Viena nos anosa 30 do século XX, defenderam que a Filosofia não passava de um conjunto de pseudoproblemas sem sentido. Dividiram as frases com sentido em duas classes: as que poderiam ser verificadas através da observação e de experiências – como as frases da Química e da Física – e as que eram meras tautologias. Coisas como, por exemplo: o livre arbítrio, ou a existência, ou a verdade, não pertencem a qualquer dessas categorias, então não podem ter significado. E não tendo significado, devem ser banidas do discurso intelectual respeitável. A inteligência humana não evoluiu por seleção natural para resolver problemas filosóficos, mas sim para garantir uma maior sobrevivência individual e persistência da espécie. E essa era então outra razão para afirmar o caráter intratável da Filosofia em geral. Os problemas filosóficos seriam de uma natureza incompatível com o nosso modo de apreender a realidade do mundo que conta para nós.

A experiência vivida, tal como a sentimos quando a temos, não se decompões em processos físicos elementares. É por isso que não temos acesso direto ao funcionamento do nosso cérebro quando estamos a pensar, ou a fazer qualquer outra coisa. É o problema da mente consciente. A consciência não é, claramente, “uma fatia grossa de tecido cerebral”. Claro que esta é precisamente a razão pela qual o dualista acha que a mente é uma coisa separada do cérebro.

A essência do problema da consciência, ou o problema mente-corpo, é o salto inexplicável, a passagem do cérebro à mente, ou à consciência, como se andássemos à procura da ponte que suporta a passagem. E não encontramos ponte nenhuma. Assim, suspeitamos que os estados conscientes não podem ser explicados em termos dos processos neuronais de que emanam.

A realidade pode obviamente ultrapassar, de várias formas, a nossa capacidade para a conhecer. Mas apesar disso a humanidade não desiste, e é através da Filosofia que tenta compensar a frustração pelo esforço intelectual perdido. Convencidos de que precisamos apenas de prestar atenção ao nosso vocabulário habitual, para que vejamos que não há nenhum problema em “fazer sair a mosca da garrafa”.

As crianças fazem perguntas, que apesar de serem espontâneas e parecer que vieram do nada, a verdade é que são as verdadeiras perguntas filosóficas que espantam os pais e os deixam de certo modo frustrados, porque não abem como responder. Os conceitos extremamente gerais são aqueles que surgem de súbito e em todo o lado em que há um jovem ser humano. São conceitos que nenhuma disciplina científica nos pode dizer o que eles envolvem, porque quando os cientistas dessas disciplinas partem para o seu labor já dão como pressupostos e adquiridos um número infindável de conceitos que ainda ocupam o trabalho diário e fastidioso dos filósofos. A maior parte dos cientistas das ciências físicas, biológicas e económico-financeiras, não conseguem fazer o seu trabalho sem usarem a matemática. Portanto, a ferramenta dos números. Mas quanto à questão: de onde vieram os números? A sua atitude é olharem para nós com o sobrolho carregado num ar de espanto ou de indiferença. Será que são, como Platão pensava, entidades objetivas e independentes da mente que existem fora do espaço e do tempo? Nada disto pode ser dado numa aula normal de Matemática. Embora isso não signifique que os nossos professores de Matemática não se preocupem com as ideias filosóficas acerca destas questões.

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