No artigo que
precede este, a parte final ocupou-se de certa maneira do problema da
existência. É obviamente fundamental, mas o que quer dizer exatamente? Publico
este artigo quase numa atitude provocatória, porque estamos num tempo em que as
autoridades políticas, e certos círculos da elite cultural “bem-pensante” que tem
influência no poder político, defendem que o mais importante é a ciência, a
filosofia e a história pode esperar porque não serve para nada, principalmente
no currículo das escolas secundárias e até universitárias. Ora, a existência
não é um tópico que a ciência possa alguma vez vir a ser capaz de dar conta. É
uma questão puramente filosófica, simples, mas surpreendentemente confusa. Pensar
sobre ela faz-nos ver que mesmo os nossos conceitos mais básicos não são claros
para nós. É um erro pensar que todas as questões genuínas são científicas ou
empíricas. Na verdade, a própria ciência levanta problemas filosóficos.
Hoje, a maior
parte dos jovens estudantes universitários, tirando aquele número reduzido de
jovens, a que os outros chamam “refugo” a frequentar os cursos de História e
Filosofia, têm ouvidos moucos no que diz respeito a questões filosóficas. E
esse preconceito que vem já de trás, dos liceus, é ampliado pela formação que
recebem por parte dos seus professores universitários das áreas ditas “duras”,
que lhes dizem que as únicas verdadeiras questões são aquelas que podem ser
resolvidas através de experiências controladas. O resultado disso é, pura e
simplesmente, a sua debilidade para trabalharem questões conceptuais mais
complexas e abstratas.
Não significa que
os cientistas das áreas matemáticas não são suficientemente inteligentes para
continuar a descobrir coisas que ainda não sabemos. Nem, por outro lado, que se
prestassem mais atenção à Filosofia, eles iriam poder dar todas as respostas em
questão de dias. O que está em causa é que as perguntas da Filosofia são mais
profundas do que as perguntas da ciência pura e dura, ou a ciência por trás da
técnica, que diz respeito apenas ao mundo empírico vulgar da observação
sensorial.
Wittgenstein
defendeu que os problemas filosóficos surgem da incompreensão da nossa própria
linguagem. Muitas vezes usámo-la de uma forma que não pode ser sustentada. A
única maneira de perscrutarmos outras realidades, ou mesmo certos momentos da
realidade comum, é através de estados de consciência alterados que por
redundância é habitual chamar misticismo. E efetivamente Wittgenstein também
teve o seu momento místico.
Bem, com menos
misticismo os chamados filósofos da linguagem comum e os positivistas lógicos,
um grupo de cientistas de inclinações filosóficas a trabalhar sobretudo em
Viena nos anosa 30 do século XX, defenderam que a Filosofia não passava de um
conjunto de pseudoproblemas sem sentido. Dividiram as frases com sentido em
duas classes: as que poderiam ser verificadas através da observação e de
experiências – como as frases da Química e da Física – e as que eram meras
tautologias. Coisas como, por exemplo: o livre arbítrio, ou a existência, ou a
verdade, não pertencem a qualquer dessas categorias, então não podem ter
significado. E não tendo significado, devem ser banidas do discurso intelectual
respeitável. A inteligência humana não evoluiu por seleção natural para
resolver problemas filosóficos, mas sim para garantir uma maior sobrevivência
individual e persistência da espécie. E essa era então outra razão para afirmar
o caráter intratável da Filosofia em geral. Os problemas filosóficos seriam de
uma natureza incompatível com o nosso modo de apreender a realidade do mundo
que conta para nós.
A experiência
vivida, tal como a sentimos quando a temos, não se decompões em processos
físicos elementares. É por isso que não temos acesso direto ao funcionamento do
nosso cérebro quando estamos a pensar, ou a fazer qualquer outra coisa. É o
problema da mente consciente. A consciência não é, claramente, “uma fatia
grossa de tecido cerebral”. Claro que esta é precisamente a razão pela qual o
dualista acha que a mente é uma coisa separada do cérebro.
A essência do
problema da consciência, ou o problema mente-corpo, é o salto inexplicável, a
passagem do cérebro à mente, ou à consciência, como se andássemos à procura da
ponte que suporta a passagem. E não encontramos ponte nenhuma. Assim,
suspeitamos que os estados conscientes não podem ser explicados em termos dos
processos neuronais de que emanam.
A realidade pode
obviamente ultrapassar, de várias formas, a nossa capacidade para a conhecer.
Mas apesar disso a humanidade não desiste, e é através da Filosofia que tenta
compensar a frustração pelo esforço intelectual perdido. Convencidos de que
precisamos apenas de prestar atenção ao nosso vocabulário habitual, para que
vejamos que não há nenhum problema em “fazer sair a mosca da garrafa”.
As crianças fazem
perguntas, que apesar de serem espontâneas e parecer que vieram do nada, a
verdade é que são as verdadeiras perguntas filosóficas que espantam os pais e
os deixam de certo modo frustrados, porque não abem como responder. Os
conceitos extremamente gerais são aqueles que surgem de súbito e em todo o lado
em que há um jovem ser humano. São conceitos que nenhuma disciplina científica
nos pode dizer o que eles envolvem, porque quando os cientistas dessas
disciplinas partem para o seu labor já dão como pressupostos e adquiridos um
número infindável de conceitos que ainda ocupam o trabalho diário e fastidioso
dos filósofos. A maior parte dos cientistas das ciências físicas, biológicas e económico-financeiras,
não conseguem fazer o seu trabalho sem usarem a matemática. Portanto, a
ferramenta dos números. Mas quanto à questão: de onde vieram os números? A sua
atitude é olharem para nós com o sobrolho carregado num ar de espanto ou de
indiferença. Será que são, como Platão pensava, entidades objetivas e
independentes da mente que existem fora do espaço e do tempo? Nada disto pode
ser dado numa aula normal de Matemática. Embora isso não signifique que os
nossos professores de Matemática não se preocupem com as ideias filosóficas acerca
destas questões.
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