quarta-feira, 26 de junho de 2019

Comportamento: Crenças e Desejos


Os filósofos analíticos, sobretudo os da corrente anglo-americana, gostam de dignificar estes dois pilares da vida mental com o rótulo “atitudes proposicionais”, porque se trata de ter uma atitude (comportamento) para com uma proposição. Uma proposição é o conteúdo verdadeiro ou falso expresso por uma afirmação. Usamos frases para exprimir proposições. Mas nem toda a frase exprime uma proposição: ordens, perguntas, conselhos só em casos especiais exprimem proposições. As proposições especificam estados de coisas, e as crenças e os desejos são atitudes que temos para com estados de coisas.

Uma coisa é certa: os nossos comportamentos são atitudes dos nossos corpos que se correlacionam com os estados cerebrais. Dos estados cerebrais releva a mente, o conceito difuso da nossa linguagem onde são enquadradas as atitudes proposicionais: acreditar, raciocinar, desejar, esperar, lamentar. . . A vida mental é sobre isto. As atitudes proposicionais constituem as razões da ação, as forças que moldam o comportamento humano. São o que nos faz agir. Temos de rejeitar a suposição de que as propriedades mentais são independentes das propriedades corporais. Pelo contrário, o mental é determinado pela nossa parte física. Em jargão filosófico a mente é uma superveniência do corpo. Este conceito tem o seguinte sentido: o que é da Química será sobreveniente ao que é da Física; o que é da Biologia será sobreveniente ao que é da Química; e no mesmo sentido o que é da Mente, da consciência, será sobreveniente à Neurofisiologia. Mas o facto de as propriedades mentais sobrevirem da matéria física do cérebro não implica que o cérebro tenha de ter propriedades da mesma natureza. E, dentro do mesmo raciocínio, a superveniência não implica imediatamente que os atributos mentais tenham uma natureza física. De certo modo, o mesmo critério se poderia aplicar à vida. O fenómeno da vida, esta propriedade, também é sobreveniente em relação ao físico.

É assim razoável a expectativa de podermos afirmar que as propriedades físicas determinam as propriedades mentais. É como acontece, independentemente de não sabermos explicar como acontece. À luz do que já sabemos através dos progressos não apenas da ciência, mas também dos progressos da filosofia na nossa maneira de pensar. Mas a verdade é que a ciência até agora ainda não consegue elucidar como o mental se manifesta em certas formas complexas de matéria. Neste ponto a comunidade científico-filosófica divide-se em otimistas e pessimistas. Os otimistas acreditam que ainda não sabemos, mas um dia saberemos. Até se admiram como os físicos de partículas, que dominam a teoria standard da Física, ao desenvolverem as suas teorias acerca da matéria, nunca tenham tido a ousadia de questionar os poderes causais das partículas sobre a emergência daquilo a que chamamos mente. Os pessimistas, por seu lado, acreditam que, enquanto o ser humano estiver limitado ao seu cérebro para conhecer, nunca se saberá.

Mas regressemos ao tópico das proposições, frases e pensamentos. Uma frase é uma sequência de palavras, formada segundo as regras sintáticas de uma língua. Mas uma frase tanto tem propriedades semânticas como sintáticas: tanto as palavras como a frase completa têm significado. Os filósofos têm tido tendência para se centrar nas propriedades semânticas das frases indicativas, em particular no facto de serem verdadeiras ou falsas. Aos significados de tais frases têm chamado “proposições”, e têm ligado a noção de proposição às condições de verdade da frase associada. O termo “proposição” é por vezes assimilado à própria frase; por vezes ao significado linguístico de uma frase; por vezes “ao que é dito”; por vezes aos conteúdos das crenças e de outras atitudes proposicionais. Mas seja como for que se definam, as proposições têm de ter duas características: a capacidade para serem verdadeiras ou falsas; e estrutura composicional (serem compostas de elementos que determinam as suas propriedades semânticas). Uma frase pode ser destituída de significado, e por isso nada dizer, mas ser ainda uma frase.

Não são as frases, mas antes as afirmações, que são verdadeiras ou falsas. Para Frege, uma proposição é um “pensamento”, que é simultaneamente o significado cognitivo expresso por uma frase e o conteúdo de uma atitude proposicional como a crença ou o desejo. O pensamento é o que dá sentido à frase. Os pensamentos distinguem-se segundo o seguinte princípio: se for racionalmente possível acreditar que p e não acreditar que q, então o pensamento de que p e o pensamento de que q são diferentes. Uma perspetiva alternativa das proposições como entidades é que são coleções de entidades propriamente ditas que constituem “factos” ou “estados de coisas”.

Em suma, sabemos que há disposições cerebrais por trás dos comportamentos que no nosso vocabulário conceptual são do domínio mental. É por isso que dizemos, por exemplo, que uma pessoa retira a mão da água a ferver por causa das dores que não aguenta. Ainda que as dores possam ser redutíveis a uma explicação fisicalista – as dores são sinais emitidos por disposições específicas no cérebro para salvaguarda do equilíbrio vital do ser vivo – a descrição funcional, apesar de tudo, não abrange completamente o caráter fenomenológico da dor enquanto aspeto subjetivo de um fenómeno que se se passa no interior de um corpo. O caráter fenomenológico dos estados interiores de cada indivíduo, como é o caso de todas as sensações, tem um nível de apresentação que as atitudes proposicionais não têm, que é o nível de perspetiva na primeira pessoa.

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