Os filósofos
analíticos, sobretudo os da corrente anglo-americana, gostam de dignificar
estes dois pilares da vida mental com o rótulo “atitudes proposicionais”,
porque se trata de ter uma atitude (comportamento) para com uma proposição.
Uma proposição é o conteúdo verdadeiro ou
falso expresso por uma afirmação. Usamos frases para exprimir proposições.
Mas nem toda a frase exprime uma proposição: ordens, perguntas,
conselhos só em casos especiais exprimem proposições. As proposições especificam
estados de coisas, e as crenças e os desejos são atitudes
que temos para com estados de coisas.
Uma
coisa é certa: os nossos comportamentos são atitudes dos nossos corpos
que se correlacionam com os estados cerebrais. Dos estados cerebrais
releva a mente, o conceito difuso da nossa linguagem onde são
enquadradas as atitudes proposicionais: acreditar, raciocinar, desejar,
esperar, lamentar. . . A vida mental é sobre isto. As atitudes
proposicionais constituem as razões da ação, as forças que moldam o
comportamento humano. São o que nos faz agir. Temos de rejeitar a suposição de
que as propriedades mentais são independentes das propriedades corporais. Pelo
contrário, o mental é determinado pela nossa parte física. Em jargão filosófico
a mente é uma superveniência do corpo. Este conceito tem o
seguinte sentido: o que é da Química será sobreveniente ao que é da Física; o
que é da Biologia será sobreveniente ao que é da Química; e no mesmo sentido o
que é da Mente, da consciência, será sobreveniente à Neurofisiologia. Mas o
facto de as propriedades mentais sobrevirem da matéria física do cérebro não
implica que o cérebro tenha de ter propriedades da mesma natureza. E, dentro do
mesmo raciocínio, a superveniência não implica imediatamente que os
atributos mentais tenham uma natureza física. De certo modo, o mesmo critério
se poderia aplicar à vida. O fenómeno da vida, esta propriedade, também é
sobreveniente em relação ao físico.
É
assim razoável a expectativa de podermos afirmar que as propriedades físicas
determinam as propriedades mentais. É como acontece, independentemente de não
sabermos explicar como acontece. À luz do que já sabemos através dos progressos
não apenas da ciência, mas também dos progressos da filosofia na nossa maneira de
pensar. Mas a verdade é que a ciência até agora ainda não consegue elucidar
como o mental se manifesta em certas formas complexas de matéria. Neste ponto a
comunidade científico-filosófica divide-se em otimistas e pessimistas. Os
otimistas acreditam que ainda não sabemos, mas um dia saberemos. Até se admiram
como os físicos de partículas, que dominam a teoria standard da Física, ao
desenvolverem as suas teorias acerca da matéria, nunca tenham tido a ousadia de
questionar os poderes causais das partículas sobre a emergência daquilo a que
chamamos mente. Os pessimistas, por seu lado, acreditam que, enquanto o ser
humano estiver limitado ao seu cérebro para conhecer, nunca se saberá.
Mas regressemos ao tópico das proposições, frases e
pensamentos. Uma frase é uma sequência de palavras, formada segundo as regras
sintáticas de uma língua. Mas uma frase tanto tem propriedades semânticas como
sintáticas: tanto as palavras como a frase completa têm significado. Os
filósofos têm tido tendência para se centrar nas propriedades semânticas das
frases indicativas, em particular no facto de serem verdadeiras ou falsas. Aos
significados de tais frases têm chamado “proposições”, e têm ligado a
noção de proposição às condições de verdade da frase associada. O termo “proposição”
é por vezes assimilado à própria frase; por vezes ao significado linguístico de
uma frase; por vezes “ao que é dito”; por vezes aos conteúdos das
crenças e de outras atitudes proposicionais. Mas seja como for que se definam,
as proposições têm de ter duas características: a capacidade para serem
verdadeiras ou falsas; e estrutura composicional (serem compostas de elementos
que determinam as suas propriedades semânticas). Uma frase pode ser destituída
de significado, e por isso nada dizer, mas ser ainda uma frase.
Não são as frases, mas antes as afirmações, que são
verdadeiras ou falsas. Para Frege, uma proposição é um “pensamento”, que é
simultaneamente o significado cognitivo expresso por uma frase e o conteúdo de
uma atitude proposicional como a crença ou o desejo. O
pensamento é o que dá sentido à frase. Os pensamentos distinguem-se segundo o
seguinte princípio: se for racionalmente possível acreditar que p e
não acreditar que q, então o pensamento de que p e
o pensamento de que q são diferentes. Uma perspetiva
alternativa das proposições como entidades é que são coleções de entidades
propriamente ditas que constituem “factos” ou “estados de coisas”.
Em suma, sabemos que há disposições cerebrais por trás
dos comportamentos que no nosso vocabulário conceptual são do domínio mental. É
por isso que dizemos, por exemplo, que uma pessoa retira a mão da água a ferver
por causa das dores que não aguenta. Ainda que as dores possam ser redutíveis a
uma explicação fisicalista – as dores são sinais emitidos por disposições
específicas no cérebro para salvaguarda do equilíbrio vital do ser vivo – a
descrição funcional, apesar de tudo, não abrange completamente o caráter
fenomenológico da dor enquanto aspeto subjetivo de um fenómeno que se se passa
no interior de um corpo. O caráter fenomenológico dos estados interiores de
cada indivíduo, como é o caso de todas as sensações, tem um nível de
apresentação que as atitudes proposicionais não têm, que é o nível de
perspetiva na primeira pessoa.
Sem comentários:
Enviar um comentário