Há uma prima filosofia que trata da condição
humana numa alteridade absoluta. Não é uma alienação através das consolações
fáceis da mística ou da religião, nem tão pouco uma vã e oculta tentativa de
provar a existência de Deus. Ora, o momento ontológico da partida é um
desses momentos em que a prima filosofia é convocada.
Como o mundo só
existe pela cognoscibilidade do ego
de cada um, sempre que um ego desaparece,
é também mais um mundo que desaparece. É na perspetiva existencialista de um
Sartre ou e de um Nietzsche que o ego transcendental
seja o Nada.
Há um aDeus relacional que outorgamos ao Outro,
que nos acolhe na abertura do mundo. E há um aDeus ao mundo, graças a Deus, em relação ao Outro.
Não há revelação direta da transcendência divina, como diz Emmanuel Levinas, um
discípulo de Husserl. Deus “escreve direito por linhas tortas” ao
revelar-se tortuosamente no rosto do Outro.
A nossa inclinação para
perguntar o que é a vida, ou o que é o espírito, não constitui a forma mais
correta de encontrar a resposta. Por isso não paro de querer saber o que é a vida itself, como diz Damásio. A vida no sentido de um imperativo que mandata todos os
seres vivos, sem exceção, na perseverança de nos mantermos vivos a qualquer
custo. Vigilância, atenção, memória e muito que
mais difícil capaz de descrever um perfume, uma exalação. É certo que ainda
hoje aceitamos que as qualidades das sensações que experimentamos na nossa
subjetividade intrínseca – aquilo que os filósofos chamam qualia – como
a dor, o perfume de uma flor, ou a cor de uma maçã, não são suscetíveis de uma
redução matemática, como o não são também a intencionalidade de um pensamento
ou a lealdade a um ideal.
Sempre
que um indivíduo morre é um universo completo que se extingue. As dores
sofridas, as angústias, a força de vontade todos os fenómenos idiossincráticos
e culturais.
Um ateu querer ter
fé religiosa, ou alguém querer ser amado, são coisas que não se conseguem pelo
querer. E, todavia, há pessoas que fazem tudo o que está ao seu alcance para
ter uma crença, pelo conforto espiritual que esta lhe poderá proporcionar.
Ninguém adquire crenças deste modo. O bem-estar que uma crença nos pode
proporcionar é um efeito colateral. E não é o bem-estar de que podemos
desfrutar por termos uma determinada fé, o que nos fará tê-la.
As coisas mais importantes
para as nossas vidas, que geralmente passam despercebidas por parecerem
irrelevantes à luz da razão, se as perseguirmos, não as obteremos nunca. Quanto
mais deliberada e racional for a sua busca, mais obstáculos nos aparecem à
frente, por mais lendas que os chamados livros de “autoajuda” nos possam
contar.
São absurdas
aquelas tiradas grandiloquentes desses “prémios Nobel da Metafísica” que nos
querem convencer para aderirmos a certas práticas para alcançar a felicidade.
Admitindo que seja algo que exista, é absurdo tentar de maneira premeditada e
consciente ser feliz. Em geral, desejamos coisas mais concretas do que a
felicidade. Envolvemo-nos em algo mais palpável, e depois, mais como um
subproduto, podemos ser visitados por uma experiência algo indefinível, mas
sentida, sem a termos convocado.
A ideia da existência
de um Eu substancial situado algures dentro da nossa cabeça é uma ideia
que hoje em dia, com o progresso das neurociências, e por que não dizer também
com o progresso das ideias filosóficas na disciplina da filosofia da mente,
não faz qualquer sentido. Podemos, contudo, aceitar que essa ideia seja uma ideia
de cariz metafísico, da mesma maneira que é considerada a ideia de Deus
ou de Alma. Não existe Deus ou Alma, da mesma maneira que
existem homens e vacas, mas sim a ideia de Deus e de Alma. Ora, o
mesmo se passa com o Eu, que apenas existe como ideia. É coisa que
logicamente jamais poderia ser detetada por uma ciência natural. A ideia de um sujeito
substancial, de algum modo distinto dos seus estados vivenciais, está
abandonada. Assim, a ideia dualista que coloca de um lado um Eu, ainda
que imaterial (espiritual), e do outro um corpo físico (material), considera-se
fracassada.
A existência
é uma coisa peculiar. Algumas coisas têm-na e outras não. Isto parece um
paradoxo, porque o que significa haver coisas que não existem? Vejamos, por
exemplo, a ideia de Pai Natal. Ou a ideia de unicórnio. As ideias existem, de
facto, acontece apenas que o próprio Pai Natal, como pessoa real, ou o
unicórnio como animal natural, não existem. Tal como uma imagem de um unicórnio
não pode ser identificada como o unicórnio que representa – uma vez que a
imagem do unicórnio existe, mas não aquilo que é representado – também a ideia
de uma coisa inexistente não é a mesma coisa que a própria coisa inexistente.
Assim, parece que estamos a dizer que certas entidades não mentais carecem de
existência. Como é isto possível?
Considerações como
estas levaram alguns filósofos a negar que a existência seja uma
propriedade real. É um erro lógico encarar a existência como uma
propriedade das coisas do mesmo género que a propriedade de ser pesado ou de
ser vermelho. O conceito de existência é um conceito universal que pertence a
um determinado tipo de conceitos, que são também universais no sentido de não
se aplicarem a atributos de particulares, como por exemplo, a ideia de numeroso.
Diz-se que na praga dos gafanhotos os gafanhotos eram numerosos, ou abundantes.
Mas isso não significa que um gafanhoto é numeroso ou abundante. Significa que
o atributo de gafanhoto tem muitos exemplares. Portanto, dizer que eu existo, e
que o leitor existe, não estou a dizer que ambos temos essa propriedade
peculiar de existir. Cada um de nós é apenas mais um exemplar, ou espécime, de
um tipo de espécie a que chamamos espécie humana. A existência é uma
propriedade de objetos, dos quais não faz sentido aceitar a inclusão no
conceito de objetos o conceito de Deus ou de Eu.
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