terça-feira, 21 de setembro de 2021

A normatividade sociológica



O conceito de “sociologia normativa” tem a sua origem numa piada que Robert Nozick fez em Anarquia, Estado e Utopia. Quando os sociólogos normativos estudam os problemas sociais, é frequente a tentação, quase irresistível, de partir de uma causa que gostariam que fosse, negligenciando as causas mais prováveis. E isso tem a sua razão de ser, que se prende com aquilo que agora se costuma chamar por “politicamente correto”. Como as pessoas se deixam cada vez mais amedrontar pela censura das redes sociais, deixam-se arrastar por explicações cujas conexões são popularmente mais aceitáveis. Depois da chegada das famigeradas redes sociais, as pessoas até se sentem obrigadas a fazê-lo, independentemente das provas que possam existir para o sustentar. Assim, uma das maiores vantagens das abordagens quantitativas das ciências sociais é o facto de ser praticamente impossível fazer impunemente sociologia normativa. 

Os sociólogos normativos hoje em dia sentem-se obrigados a fazer os seus estudos sob a agenda dos movimentos de causas. Assim, a questão sobre quem é responsável é uma questão separada da questão da causalidade, uma vez que o significado de causalidade ligada à causa dos fenómenos sociais não tem nada a ver com a agenda de causas. A agenda de causas tem a ver não com a causa das coisas mas com que é o culpado de um certo estado de coisas. Portanto, deveria ser possível conversar sobre o que causa o quê de modo completamente separado da questão de quem tem culpa do quê. Mas tal deixou de ser possível no terreno da agitação social nas ruas das cidades. E traduza-se 'ruas das cidades' por cidadania e dever cívico.

Até aqui, a “sociologia normativa” tem sido ligada a um certo viés de esquerda. Mas não tem necessariamente que ter um viés de esquerda. Há vários exemplos de conservadores que se agitam com grande violência, por exemplo contra o aborto, alegando que a culpa está no alegado aumento de divórcios, que por sua vez leva à baixa da natalidade. Outra alegada causa é o aumento da tolerância à homossexualidade. Ou que os nascimentos fora do casamento têm como causa o sistema de previdência social. 

A diferença entre direita e esquerda é que as pessoas à esquerda frequentemente são mais ativas na resolução dos problemas sociais. De qualquer modo, isso não as isenta de um conjunto de interesses que podem enviesar significativamente a sua razão. Isto é particularmente frustrante, pois se o plano é resolver alguns problemas sociais, atacando os seus antecedentes causais, então é muito importante ver corretamente as conexões causais. De contrário, a sua intervenção será inútil e muito possivelmente prejudicial.

As esquerdas quiseram realmente acreditar que o capitalismo tinha uma “contradição” interna. Com essa ideia, uma grande quantidade de energia foi desperdiçada em ativismo. Ora, nada mais frustrante quando se tenta mudar um certo estado de coisas quando na realidade se ataca o flanco que nada tem a ver com as causas do problema. Nunca foi colocado na equação o problema do excesso de consumismo.

Os críticos de esquerda veem o sistema de mercado com lentes muito menos lisonjeiras. No mercado, veem antes de tudo um sistema no qual os fortes exploram os fracos. Firmas com poder de mercado tiram vantagem de trabalhadores cujas oportunidades são limitadas. Os críticos de esquerda ao excesso de consumismo veem o sistema de mercado como seu promotor. E, de facto, o mercado quase depende da venda de produtos que não servem qualquer necessidade social. É a publicidade manipuladora que persuade as pessoas a gastarem o que não têm com o supérfluo, com a vaidade. E entretanto o meio ambiente vai-se degradando. Cada vez mais se vê que a recompensa não tem praticamente qualquer relação com o valor social do trabalho que é feito. E, por outro lado, vão crescendo como cogumelos escritórios de advogados cuja tarefa é ensinar os clientes a explorar brechas tributárias.

A maior parte das pessoas, obviamente, não está em qualquer extremo do espectro político. Os que estão no meio presumivelmente acreditam que a verdade real sobre o mercado está em algum lugar entre as perspetivas oferecidas pelos campos extremos. A esquerda, perdendo-se em causas espúrias, tem encontrado dificuldades para formular políticas públicas coerentes. Pode acertar nos diagnósticos, mas não tem encontrado a terapêutica mais apropriada a este capitalismo em estado agónico.

Muitos dos nossos problemas sociais permanecem marcantes porque ocorrem em áreas que estão fora da jurisdição imediata do Estado. Seja porque ocorrem na esfera privada (que envolve o exercício da autonomia individual, e também familiar. Como resultado, não há qualquer “alavanca política” óbvia que possa ser acionada para solucionar os problemas do trabalho, pois o Estado Democrático simplesmente não possui a autoridade, e o poder não quer, para intervir diretamente na relação laboral. Como resultado, as pessoas que gostariam de ver os seus problemas do trabalho resolvidos pela esquerda, ficam frustradas porque na realidade a esquerda não tem uma alavanca política efetiva. O caso em que percebi isso mais claramente é a tendência de sobrestimar os efeitos causais da desigualdade. Os Estados Democráticos perderam a capacidade de a controlar através da distribuição da riqueza. 

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