sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Racialização


Joacine Katar Moreira, por estes dias volta à carga, agora com a sua cruzada contra as pinturas do Salão Nobre da Assembleia da República. Ou colocando lá uma explicação de enquadramento histórico, ou retirando dali os painéis e levando-os para um museu. Não na Casa da Democracia. Joacine Katar Moreira já fez o seu trabalho quando chamou a atenção para tudo o que se pode ver nos painéis. Ninguém de boa-fé pode passar por aquela sala sem olhar de frente para o que também está lá.




Entretanto a convergência de estudos desenvolvidos em várias escolas divergentes conseguiram um consenso num ponto: que as noções de raça não tinham uma origem natural ou biológicas, mas sim uma construção das sociedades. Esses estudos científicos, e também historiográficos, chegaram a esse denominador comum. No entanto, o ónus para a civilização ocidental ou europeia continua ainda a ser muito pesado. A partir de 1970 meteu-se na cabeça dos académicos, sobretudo franceses, que o chamado processo de 'racialização', não era um fenómeno universal, mas sim criado no que também chamavam 'mundo ocidental'. 

O termo 'racialização' surgiu na década de sessenta do século XX para exprimir o processo social, político e religioso a partir do qual certas camadas da população de etnia diferente eram identificadas em relação à maioria da população, tendo em conta que esta identificação estava diretamente associada ao seu aspeto, características fenotípicas ou à sua cultura étnica, normalmente associada a preconceitos relativamente à diferença. 

Convém distinguir os conceitos de 'racismo' e de 'racialização'Por exemplo, no caso das vítimas de racismo, estas ao sofrerem de um processo de 'racialização' estabelecem, nesse processo com as pessoas que as vitimizaram, uma relação que as distingue como raça. Mas esta distinção, de um modo geral, não tem qualquer conteúdo racista. é um processo que se desenvolve sem conteúdo ideológico, mas resultante da vivência quotidiana.

Em sociologia, 'racialização' ou 'etnização' é o processo de atribuir identidades raciais ou étnicas no relacionamento com um grupo, o qual não se identificou como tal. É um processo de significação resultante de relações socias, sem conteúdo biológico. As categorias raciais têm sido historicamente usadas como uma maneira de permitir que uma figura ou grupo opressivo discrimine outros grupos ou indivíduos que eram vistos como diferentes dos opressores. A racialização é um processo longo, e os membros de cada grupo são categorizados com base em suas diferenças percebidas em relação àquelas que são consideradas elite dentro de uma sociedade. 

Depois entram em ação os estereótipos que contribuem para a opinião do público sobre certos grupos culturais. Essas opiniões e estereótipos podem passar a ser institucionalizados. As elites sentem-se ameaçadas devido à possibilidade de mobilidade descendente ou uma percebida perda de segurança nacional; embora as ameaças possam ser imaginadas ou reais, elas são mais proeminentes quando há algum outro problema no país, como uma crise económica e desemprego.

Gera-se assim uma desigualdade socioeconómica aplicada a pessoas não brancas. E, como os brancos não são vistos racialmente, funcionam como a norma humana. Os europeus brancos criaram uma classificação para os seres humanos, que atribui valor e status social a partir das pessoas ‘brancas’, que funcionam como modelo da humanidade, o que mantém privilégios. Uma pessoa diz-se racializada quando adquire caráter racial. Ou pessoa que tem sido tratada como tal.

A racialização de sociedades historicamente surgiu a partir do século XVI, quando os europeus ocidentais desenvolveram meios técnicos e militares para conquistar sociedades na Ásia, África e América Latina. E daí resultaram extrações de riquezas, minerais e outros recursos naturais, dessas áreas usando o trabalho escravo, inicialmente de gente nativa e depois de outra gente, sobretudo africana. Durante um segundo estádio, milhões de trabalhadores, por escravidão ou por contrato de trabalho, foram transferidos para sociedades de fronteira, como as da América do Norte e do Sul, Caribe, África Oriental e África do Sul. Lá, os europeus impuseram um sistema de castas no qual a raça se tornou um limite funcional para papéis económicos e sociais.

No mundo antigo, por exemplo no Egito, não havia uma determinação sistemática ou estrita de controlo social e de papéis económicos como mais tarde resultaram no processo de racialização. O conceito de sociedade racializada não se aplica a todas as sociedades multirraciais. Mas a escravidão, como resultado da conquista, como ocorreu nos reinos muçulmanos e cristãos medievais, resultou numa escravidão como produto de um sistema económico racializado. Foi o que aconteceu na era do comércio de escravos no Oceano Índico, e no comércio de escravos no Atlântico no âmbito da colonização europeia.

Hoje argumenta-se que a identidade racial/étnica não contém categorias separadas ou autónomas. O que é chamado de 'categorias raciais' nos Estados Unidos provém na verdade de categorias étnicas racializadas. A sociedade dos Estados Unidos é considerada por alguns como uma sociedade racializada atravessada por divisões entre grupos raciais/étnicos. A Teoria Crítica da raça defende a tese de que o racismo está enraizado no tecido e sistema da sociedade americana. Há disparidades raciais entre as raças nos Estados Unidos em vários itens tais como: emprego, área de residência, instituições religiosas e outras. É o argumento da dinâmica entre privilegiados e não privilegiados. Isso significa que na prática se assume que é atribuído valor a certas características pessoais que são conotadas com a competência. 

Ora, este tipo de abordagem, digamos psicológica e social, tende a sustentar e a perpetuar estereótipos e preconceitos que alimentam o fenómeno da 'racialização'.

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