sábado, 4 de setembro de 2021

Decisões suscetíveis de falhanço em relação às mudanças climáticas


Miguel Miranda, geofísico e Presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, numa entrevista a Teresa Firmino, no jornal Público, diz que, e passo a citar:  “A descarbonização é claramente o maior desafio que globalmente a humanidade tem. Devemos estar à espera de um clima mais seco e mais quente, mais ondas de calor ou mais furacões tropicais que atinjam os Açores e a Península Ibérica.”

Eu sou daqueles que foram estruturados no Iluminismo anunciado no século XVIII. Todas as métricas das condições de vida dos seres humanos melhoraram persistentemente nos últimos duzentos anos. Esta melhoria pode ser também atribuída ao salto evolutivo da mente humana, com a libertação da Razão. A Razão contribuiu para a melhoria da vida humana. Uma massa crítica de seres humanos que entretanto se concentraram no lado ocidental do mundo, mas não exclusivamente aí, e que os ideais iluministas haviam acolhido com razão, a ciência e o humanismo do Renascimento na Europa. Este acolhimento resultou num progresso que tanto entusiasmou os filósofos do Positivismo.

«O sistema social não é um conjunto de robôs com botõezinhos on e off. Temos capacidade de fazer andar um comboio a 600 quilómetros por hora e de o parar em 30 segundos. Mas não temos capacidade de agarrar numa multidão desesperada e dar-lhe uma única direção. E ainda bem que não temos, porque esse caos faz parte da liberdade. O facto de sabermos que vamos ter um grande problema amanhã ainda não significa que sabemos bem como gerir a emergência.»

Ora, este estado de graça da ciência pura e dura passou a estar ameaçada com a emergência de problemas ambientais atribuídos aos efeitos secundárias da ciência. Hoje são os movimentos contra o Iluminismo que tomam a dianteira da agenda política devido às catástrofes ambientais sucessivas que cada vez mais nos estão a entrar nas cidades. Obviamente que são os cientistas sociais, e os intelectuais de uma certa elite académica dos departamentos de humanidades, que dão sustento a estes movimentos dos chamados “estudos culturais pós-modernos". Entre as fileiras dos humanistas encontram-se muitos soi-disant progressistas que estão mesmo contra o progresso, e que consideram que é a tal 'ciência' não social que está no cerne do imperialismo e do racismo colonial.

«O clima está a mudar como se fosse uma bola de neve. Saímos do clima de partida e não sabemos a que clima vamos chegar. Estamos ainda a caminho, somos a bola de neve que desce a montanha. E a bola está imparável. Estamos a vê-la a rolar e a dizer “talvez seja melhor criarmos condições para que ela role mais devagar”. Mas, na verdade, não está a rolar mais devagar. E sabemos o que vai acontecer: há de haver um ponto em que a bola não vai parar. São os tipping points – os pontos de viragem. As cidades como as conhecemos vão ter de se modificar, mesmo que nós nos portemos tremendamente bem. É essa questão que é a parte mais dramática do relatório do IPCC, que é dizer-nos: há coisas que vamos poder evitar, mas há coisas que já não vamos poder evitar.»

relativismo epistemológico pode ser definido como a perspetiva de que o conhecimento (e/ou verdade) é relativo – ao tempo, ao lugar, à sociedade, à cultura, à época histórica, ao esquema ou enquadramento conceptual ou à convicção ou experiência pessoal – de modo que aquilo que conta como conhecimento depende dos valores de uma ou mais dessas variáveis. A ideia aqui é a de que não há uma racionalidade para o conhecimento. Nada há que seja “realmente” racional, pois todos aqueles que pensam sobre uma questão a tratarão da sua própria perspetiva ou contexto. Não há um ponto privilegiado a partir do qual se possa ver o mundo. O que quer que pensemos sobre a racionalidade, ela será sempre afetada pela experiência vivida por cada um, pela cultura e por outros fatores sociais.

É fácil perceber que no campo das humanidades e ciências sociais tal perspetiva parece fazer sentido, tanto mais que a matéria-prima que estas especialidades trabalham é a matéria dos valores. Contudo, já é mais difícil aceitar os mesmos critérios para as ciências matemáticas e físicas, ainda que no que respeita ao descalabro ecológico elas tenham uma certa quota de culpas, elas estão de certa forma repartidas com a ciência dos valores, porque são estes que informam os comportamentos e as condutas na forma de utilizar os recursos das mais valias tecnológicas resultantes de inovações produzidas à custa da investigação científica. E não vamos retirar disso qualquer razão para duvidarmos dessas verdades.


Quando os académicos da contracultura se pronunciam sobre estes tópicos, incluindo, por exemplo, as formas dos objetos ou as causas das doenças, tendem a fazê-lo a partir dos seus próprios pontos de vista. As nossas conclusões sempre serão afetadas pelas nossas perspetivas ou pontos de vista. Muito bem, mas não se segue disso que os objetos “realmente” não tenham formas; que as doenças realmente não tenham causas; e que a ciência não possa descobrir essas causas.

A corrente profunda do oceano faz a circulação não só de temperatura da Terra – transporta o frio dos pólos para o equador e o calor do equador para os pólos –, mas dá-nos os climas temperados. Os climas temperados são essenciais à humanidade. Se cortarmos alguns desses mecanismos – e os paleoceanógrafos admitem que no passado isso já aconteceu –, podemos ter uma situação em que há uma mudança brusca do clima da Terra. Esse é o verdadeiro tipping point.



Temos esta facilidade de tirarmos da nossa memória as coisas más. Tivemos em Portugal, por exemplo, na zona da Figueira da Foz, o furacão Leslie, com uma grande capacidade destruidora. Alguém se lembra? Alguém tomou alguma medida para que o próximo Leslie não se repita? Do ponto de vista do IPMA, estamos a melhorar todos os sistemas de observação. Vamos melhorar dois novos radares e ter mais dois radares no Atlântico. Vamos tentar seguir os fenómenos o mais depressa possível, mas fazer entrar na memória – na capacidade de decisão das pessoas – estes fenómenos que, sendo muito intensos, são apesar de tudo raros e locais, não é fácil. É mais fácil desenvolver aquele mecanismo: isto só acontece aos outros.

Não estamos preparados para gerir de forma rápida áreas urbanas com grandes densidades populacionais. Podemos fazer isso, mas como o fazemos num ambiente de democracia e liberdade? Já se pensou nisso? É óbvio que a forma como, por exemplo, gerimos a pandemia nos países democráticos foi diferente da dos países asiáticos não democráticos. E até se pode dizer que, se calhar, no segundo caso foi mais eficiente, porque se se restringe a liberdade de todos e, se se obrigar cada um a fazer o que está numa folha de Excel, provavelmente o resultado é capaz de ser melhor. Mas temos de compreender que há contradição entre eficácia e o livre arbítrio e, portanto, ou temos mais liberdade e menos eficácia ou temos mais eficácia e menos liberdade. Espero que a escolha seja a primeira. Não vai ser a mais segura, mas por enquanto é aquela que ainda atrai as pessoas para viver nela. O significa que há qualquer coisa de felicidade que tem a ver com o risco. A felicidade também é a capacidade de encarar a vida com riscos.

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