terça-feira, 14 de setembro de 2021

Estado Social. Ou como estar sempre a descansar?


Uma ocasião um prosador poeta, confessou: "escrevo poesia para descansar da prosa; e escrevo prosa para descansar da poesia. Desse modo estou sempre a descansar". No início do século XIX ocorreu um movimento que se opunha à mecanização do trabalho e que considerava a industrialização a causa do desemprego e da miséria social. A isto se chamou ludismo – qualidade do que é lúdico ou recreativo.

O Estado Social -  Estado de bem-estar social, ou Estado-providência - coloca o Estado como organizador da Economia, num agente da promoção social. Com esta orientação, o Estado é o agente político regulamentador de toda a vida de um país: economia, saúde e saúde social. É claro que em parceria com empresas privadas e sindicatos, em níveis diferentes de concertação social, de acordo com as condições de cada país. Cabe ao Estado de bem-estar social garantir serviços públicos que protejam a população, provendo dignidade a todos os cidadãos.

O Estado de bem-estar social moderno nasceu na década de 1880, na Alemanha, com Otto von Bismark, como alternativa ao 'socialismo' e 'liberalismo económico'. Pelos princípios do Estado de bem-estar social, todo o indivíduo tem direito, do nascimento à morte, a um conjunto de bens e serviços, que deveriam ter o seu fornecimento garantido pelo Estado. Esta garantia tanto pode ser diretamente através do Estado, como indiretamente pela sociedade civil, mediante o seu poder de regulamentação. São as chamadas prestações positivas ou direitos de segunda geração, em que se inclui gratuidade e universalidade do acesso à educação, à assistência médica, ao auxílio ao desempregado, à aposentação, bem como à proteção materno-infantil e terceira-idade.

Os apoiantes deste modelo mostram como exemplo os países nórdicos, aqueles que foram mais bem sucedidos na sua implementação. Sem dúvida que foram bem sucedidos na adoção integral do Estado de bem-estar social. Por outro lado, críticos alegam que pode haver compreensão equivocada do funcionamento do 'modelo nórdico', e que os defensores do Estado de bem-estar social em outros lugares tentam copiar apenas os direitos e não as obrigações implementadas por aqueles países.

Para além da história classista, escreve Marx, em O capital, para além da história da luta de classes, escreve: "é possível ter início aquele desenvolvimento da energia humana que é um fim em si mesmo, o verdadeiro reino da liberdade". A palavra “produção” na obra de Marx abrange qualquer atividade auto gratificante: tocar flauta, saborear um pêssego, queimar os miolos refletindo sobre Platão, fazer um discurso, entrar para a política, organizar a festa de aniversário de um filho. Não existe aí qualquer implicação muscular, machista. Quando fala de produção como essência da humanidade, Marx não quer dizer que a essência da humanidade é encher linguiças. O trabalho como o conhecemos é uma forma alienada do que ele chama de práxis — uma antiga palavra grega que significa o tipo de atividade livre, auto realizável, pela qual transformamos o mundo. Na Grécia Antiga, o termo significava qualquer atividade de um homem livre, no sentido contrário ao de escravo.

No entanto, apenas o económico, em seu sentido estrito, nos permitirá ir além do económico. Ao realocar os recursos que o capitalismo tão generosamente armazenou para nós, o socialismo pode permitir que o económico passe a ocupar um lugar mais afastado do palco. Ele não há de se evaporar, mas se tornará menos evidente. Gozar uma abastança de bens significa não ter de pensar em dinheiro o tempo todo. Isso nos liberta para atividades menos tediosas. Longe de ser um obcecado por questões económicas, Marx as via como um travesti do verdadeiro potencial humano. Ele queria uma sociedade na qual o económico não monopolizasse tanto tempo e tanta energia.

É compreensível que nossos ancestrais fossem tão preocupados com questões materiais. Quando é possível produzir apenas um pequeno excedente económico, ou praticamente nenhum excedente, a morte será certa se não houver trabalho pesado e incessante. O capitalismo, porém, gera o tipo de excedente que realmente poderia ser usado para aumentar o lazer de forma considerável. A ironia é que ele cria essa riqueza de uma forma que exige acumulação e expansão constantes e, consequentemente, trabalho constante. E cria também de uma forma que gera pobreza e dificuldades. Trata-se de um sistema que se deforma a si próprio. O resultado é que homens e mulheres modernos, cercados por uma afluência inimaginável para caçadores-coletores, escravos do passado ou servos feudais, acabam trabalhando tanto e tão duramente como os seus antepassados. 

A obra de Marx tem tudo a ver com lazer humano. A boa vida, para ele, não é feita de trabalho, mas de lazer. A autorrealização é uma forma de “produção”, sem dúvida, mas não uma produção coerciva. O lazer é necessário para que homens e mulheres dediquem tempo à administração de suas próprias vidas. Assim, causa surpresa que o marxismo não atraia mais ociosos e parasitas profissionais para suas fileiras. Isso, contudo, se deve ao facto de ser preciso despender um bocado de energia na consecução de tal meta. Em suma, o lazer é algo que demanda trabalho.

Sem comentários:

Enviar um comentário