quinta-feira, 30 de setembro de 2021

O social-capitalismo chinês



A China ainda é comunista, ou é um social-capitalismo a caminho do capitalismo? Sete décadas após a sua fundação, como o maior país comunista do mundo, esta nação asiática tornou-se inequivocamente a maior potência económica do planeta. O PIB chinês é superado apenas pelo dos Estados Unidos. No entanto, em termos de paridade do poder de compra (PPP), já é o país mais rico do mundo. A China também possui o setor bancário mais rico e a instituição com o maior total de ativos: o Banco Industrial e Comercial da China (ICBC). E é o principal gigante comercial: produz e exporta mais que qualquer outro país, com 119 empresas na lista das 500 maiores do mundo, segundo a lista de 2019 da revista Fortune. A multinacional Huawei, a maior empresa privada da China, é líder no desenvolvimento da tecnologia 5G e a segunda maior fabricante de telemóveis do mundo. Outra empresa privada, a Lenovo, vende mais computadores pessoais que qualquer outra empresa no mundo. Enquanto isso, a Alibaba, do empresário Jack Ma, domina o comércio online, com uma faturação que supera o da Amazon, a sua rival americana. Os fundadores dessas empresas estão entre as centenas de chineses que agora fazem parte da lista de multimilionários da revista Forbes.

Assim, economicamente falando, a China está hoje mais próxima do capitalismo do que do comunismo. 
No entanto, o capitalismo fica por aqui, em tudo o resto impera a mão pesada do Partido Comunista Chinês. A "mão invisível" do Partido Comunista da China está em todos os aspetos da economia. É o Estado que controla quase todas as maiores empresas do país, que administram os recursos naturais. Ele também é oficialmente o proprietário de toda a terra, embora, na prática, as pessoas possam ter propriedades privadas. E o Estado também controla o sistema bancário.

Esses traços socialistas que persistem no modelo económico chinês, e que levaram muitos analistas a usar o termo "capitalismo de Estado", exacerbaram a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos. Embora o conflito esteja centrado na balança comercial, que é muito favorável a Pequim, Washington e outros parceiros comerciais da China reclamam do enorme auxílio estatal que as empresas privadas chinesas recebem e que, portanto, as coloca em vantagem na comparação com os seus rivais internacionais.

Na primeira metade do século XX, sob a influência da Revolução Russa de 1917, grupos revolucionários na China passaram a criar círculos de estudos no interior do país que posteriormente se uniram para formar, em Xangai, um congresso de representantes que criou o Partido durante o Primeiro Congresso ocorrido entre os dias 23 e 31 de julho de 1921. Desde o 1º de outubro de 1949, quando Mao Zedong proclamou a República Popular da China, e o PCCh passou a comandar o “Reino do Meio” (Zhongguó, China em mandarim), o Partido tem sido a base para as transformações chinesas que possibilitaram ao país superar a sua difícil situação económica e social.

Foi em 1978, durante o governo de Deng Xiaoping, que a abertura ao mercado capitalista possibilitou a prosperidade da nação e a melhoria de vida para o povo. E assim se fortaleceu, mostrando ser possível encontrar um caminho singular para o desenvolvimento do país: um “socialismo com características chinesas”. Mas não há bela sem senão, vários jornalistas já tiveram que deixar a China para relatar a dura realidade enfrentada por muitos chineses. Um dos símbolos da repressão é o conhecido massacre da Praça da Paz Celestial (Praça Tiananmen) que ocorreu em 1989. Até hoje as informações sobre este episódio de violência estatal não são conhecidas pela população.

Xi Jinping, desde que assumiu o cargo mais importante do partido em novembro de 2012, no 18º Congresso Nacional do PCCh, o atual presidente vem adotando uma mão ainda mais firme. Assim, uma de suas primeiras ações foi intensificar a luta contra a corrupção dentro do Partido. O líder também é o responsável pela elaboração da orientação ideológica do “socialismo chinês na nova era” que foi definida como guia para os próximos anos. O pensamento do presidente tem como objetivo transformar a China num país moderno e próspero. Em 2020, os professores, ao criticarem o presidente e o partido, precisaram de ser “disciplinados”. A repressão aos protestos pró-democracia que ocorreram em Hong Kong desde 2019 também é símbolo desse controlo. A contenção violenta por parte da polícia, que prendeu mais de 7.800 pessoas, e o ataque do PCCh ao sistema judicial da cidade, acusação feita pelos manifestantes, demonstram o estilo de abordagem utilizada pelo Partido na tentativa de manter as aparências de lealdade do povo chinês.

No 19º Congresso Nacional do Partido Comunista da China, realizado no Grande Salão do Povo, em Pequim, entre 18 e 24 de outubro de 2017. 2.280 delegados representaram os cerca de 89 milhões de membros do partido. Os preparativos para o 19º Congresso Nacional começaram em 2016 e terminaram com uma sessão plenária do Comité Central alguns dias antes do Congresso. Em 2016, as organizações partidárias locais e provinciais começaram a eleger delegados ao congresso, bem como a receber e modificar os documentos do partido.

Durante o congresso, uma nova ideologia orientadora, intitulada "Pensamento de Xi Jinping sobre o socialismo com características chinesas para uma Nova Era", foi escrita na constituição do Partido. Esta foi a primeira vez desde o 'Pensamento de Mao' que um líder vivo do partido adicionou à constituição uma ideologia nomeada por ele mesmo. O Congresso também enfatizou o fortalecimento do socialismo com características chinesas, e estabeleceu prazos concretos para atingir os objetivos de desenvolvimento, como construir uma sociedade moderadamente próspera e alcançar a "modernização socialista". Também se destacou por fazer a China desempenhar um papel mais importante a nível internacional.

Qualquer que seja o tema ou o pretexto, as conversas com chineses envolvem sempre a pergunta «ni shi na guo ren?» (de que país és?) ou «ni shi na lai de?» (de onde vens?). Conta-se que na década de 1980 o correspondente de uma revista alemã costumava responder que era chinês, da etnia «yi da li da» (italiana), e aparentemente ninguém estranhava. Além da etnia han, que constitui 91,5% da população, há mais 55 etnias. A lista inclui russos, mongóis, uzbeques, cazaques, coreanos, tadjiques, quirguizes e outras etnias oriundas de territórios que entretanto se tornaram países independentes. Na última dinastia imperial, que governou de 1644 a 1912, havia apenas cinco raças – manchu, chinesa, mongólica, maometana e tibetana. Por razões políticas, a tibetana e a uigur são as mais conhecidas fora do país, mas não as maiores. Esse título pertence à etnia zhuang: 18 milhões. Os 11 milhões de etnia manchu estão em segundo lugar e a seguir vêm os hui (10 milhões), os miao (9 milhões) e os uigures (8,5 milhões), a principal etnia do Xinjiang. Os mongóis são cerca de 6 milhões e os tibetanos, dispersos por várias províncias, 5,5 milhões. Dois terços das etnias têm menos de um milhão de pessoas e a mais pequena, os lhoba, do sul do Tibete, são apenas 3000.

A República Popular da China define-se como uma nação multiétnica e a Constituição proíbe a discriminação ou opressão de qualquer minoria étnica e qualquer ato que mine a unidade entre as etnias ou instigue a divisão. Para o governo, os terroristas do Turquestão Oriental (nome de uma efémera república proclamada na década de 1940 no Xinjiang) e os separatistas tibetanos dirigidos pela clique do Dalai Lama são as principais ameaças à segurança nacional. Os uigures são uma etnia de religião muçulmana, com uma língua e cultura de origem turca. Há 60 anos representavam cerca de 90% da população do Xinjiang; hoje são 45%, contra 40% de han. Na capital, os han já são mesmo maioritários, outra fonte de ressentimento, sobretudo entre os jovens uigures que têm de procurar emprego nas fábricas do litoral. Foi aí, aliás, que a violência começou – a mais de 3000 quilómetros de distância.




Em 5 de julho de 2009, um domingo em Urumqi, capital de Xingiang, deram-se tumultos que resultaram em 140 mortos e mais de 800 feridos. Centenas de pessoas foram detidas na sequência dos violentos incidentes, entre as quais "mais de dez personalidades chave que atiçaram os tumultos", adiantou a Nova China citando o departamento de segurança pública. Dez dias antes dos tumultos em Urumqi, operários de uma fábrica de brinquedos de Shaoguan, na província de Guangdong, irromperam pelo dormitório dos trabalhadores uigures para vingar a violação de uma estagiária han, atribuída aos malvados uigures

Era mentira, diria mais tarde a polícia, mas, entretanto, dois uigures foram mortalmente espancados e dezenas de outros ficaram feridos. A fábrica empregava 18 000 trabalhadores, entre os quais 800 uigures. Diz-se que a polícia só apareceu ao fim de três horas, quando os telemóveis já tinham certamente levado a notícia – e as imagens – até ao longínquo Xinjiang. Dias depois, em Urumqi, começou a circular entre os estudantes e intelectuais uma carta pedindo um inquérito ao que se passou em Shasguan, contaria um professor uigur. Perante a falta de resposta das autoridades, cerca de 200 pessoas, a maioria jovens, decidem promover uma manifestação de protesto no centro de Urumqi. O que se passou a seguir continua confuso. Segundo o governo chinês, os distúrbios foram instigados e dirigidos do exterior, nomeadamente pela organização separatista Congresso Mundial Uigur, sediada nos Estados Unidos, e executados por bandidos armados com barras de ferro, pedras e facas. 




O Congresso Mundial Uigur acusou a polícia de ter dispersado os manifestantes com extrema violência. As autoridades afirmaram que os manifestantes se dividiram em pequenos grupos e, além de atacarem a polícia, desataram a agredir todos os han que encontravam pela frente. Dezenas de lojas e viaturas foram incendiadas. Ao princípio da noite já havia mortos. A internet, o serviço de SMS e as chamadas telefónicas internacionais foram imediatamente cortados, mas ao contrário do que aconteceu no ano anterior no Tibete, a imprensa estrangeira pôde deslocar-se a Urumqi. No hotel onde a maioria dos jornalistas ficou instalada havia mesmo ligação à internet – a única num território quase três vezes maior do que a Península Ibérica.

Centenas de pessoas foram presas. Até fevereiro de 2010, pelo menos 25 tinham sido condenadas à morte. O líder do PC chinês no Xinjiang, Wang Lequan, acabou por ser substituído e, quase um ano depois, as ligações à internet foram restabelecidas. O Xinjiang regressava à normalidade, mas as dúvidas acerca da capacidade da liderança chinesa para enfrentar este tipo de manifestações não se dissiparam. Aparentemente, as autoridades locais não se aperceberam ou desvalorizaram a indignação causada pelos incidentes na fábrica de Shaogang. No próprio dia da manifestação em Urumqi garantiram ter provas, incluindo escutas telefónicas, de que os distúrbios foram instigados por separatistas conluiados com terroristas islâmicos, mas, ao mesmo tempo, pareceram impreparadas para essa ameaça.

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