Na Europa, depois de 1945, criou-se a narrativa do avanço contínuo – O mito do progresso linear – paz relativa (sob o guarda-chuva da NATO), crescimento económico, Estado social, democratização, integração europeia. Isto consolidou a ideia de que havia uma “curva ascendente” inevitável da História nunca linear. Aquilo que parecia um caminho irreversível revelou-se antes um interlúdio excecional, sustentado por fatores muito específicos, como a reconstrução do pós-guerra, o crescimento demográfico, a expansão industrial, e sobretudo a hegemonia americana.
O mundo todo nunca teve um momento de harmonia absoluta (sem fome, sem guerra, etc.). E focando apenas a Europa, ficamos com a ideia que depois da Segunda Guerra Mundial se passou a viver sempre em crescendo de bem-estar. Mas esta ideia deixou de fazer sentido, pelo menos a partir do ano 2000, uma daquelas datas redondas ligada ao mito do Apocalipse. Agora parece que há unanimidade quanto à sensação de que se está a viver cada vez pior, e que se vai a caminho do precipício. Mas um dos problemas de análise é nunca se ir tão longe como ao fundo do precipício. Ou seja, o cidadão comum nunca vai às causas dos problemas, do “como se chegou aqui”. Fica-se pela superfície, pela navegação à vista na espuma dos dias.
Hoje a Europa (e o Ocidente em geral) enfrenta crises sobrepostas: estagnação demográfica, mudanças climáticas, perda de peso geopolítico, tensões internas sobre identidade e desigualdade. Isso gera uma sensação de declínio, amplificada pelos meios de comunicação e pelas redes sociais, que vivem de uma lógica de alarme constante. Mas aqui há que distinguir o que é uma perda absoluta e o que é a aproximação relativa de outras regiões como a Ásia, por exemplo. Discutem-se sintomas, mas raramente se vai ao “fundo” das questões estruturais, das etiologias próximas e remotas. É o problema da memória curta.
Há também um viés: cada geração tende a ver o presente como crise inédita. Mas olhando em perspectiva, a Europa dos anos 1970 vivia o terrorismo da ETA, do IRA, e do Baader-Meinhof. Crises do petróleo, inflação alta, ditaduras ainda a cair como a do Portugal salazarista, da Espanha franquista, e da Grécia militarista. O que mudou foi a percepção subjetiva de que o futuro era de crescimento inevitável. Hoje domina a ideia de futuro incerto ou negativo. A História mostra que as sociedades só entram na profundidade quando são forçadas a encarar o abismo. A Europa poderá estar a aproximar-se de um desses momentos: de repensar o que significa bem-estar, segurança, solidariedade. O “fundo” pode ser destrutivo, mas também regenerador. Diria, portanto, que não estamos ainda “no fundo”, mas numa fase de transição em que as velhas certezas ruíram e as novas ainda não se afirmaram. O grande risco é, de facto, ficar apenas na espuma dos dias, reagindo a crises imediatas, sem olhar para as transformações estruturais que exigem visão de longo prazo.
A crise política em França está a preocupar os economistas, que alertam para o facto de uma paralisia institucional prolongada poder prejudicar o crescimento e complicar os esforços de estabilização das finanças públicas. A súbita demissão do primeiro-ministro Sébastien Lecornu, há menos de um mês no cargo, acentuou a crise causada pela falta de maioria do bloco governamental, numa altura de crescente pressão fiscal. Sem um roteiro para resolver o impasse e com o presidente Emmanuel Macron a enfrentar crescentes apelos a novas eleições, os analistas alertam para o facto de a continuação da incerteza poder pôr em risco o cumprimento das regras orçamentais da UE, à medida que Bruxelas reforça a sua supervisão.
Vemos uma população a envelhecer, com baixa natalidade, a depender de imigração que chega aqui sabe-se lá quem e como, envolvida em nebulosas de suspeição de criminosos do tráfico humano. Em 2001veio o terrorismo global jihadista. Em 2008 veio a crise financeira e austeridade capitalista. Em 2015 veio a crise migratória e identitária. Em 2020 a pandemia. Em 2022 a guerra na Ucrânia e choque energético. Em 2023 a guerra no Médio Oriente.
Ursula von der Leyen “presa por ter cão e por não ter” – está enredada nessa metáfora que traduz o impasse político: Se endurece contra Moscovo (sanções, armamento à Ucrânia, retórica dura), é acusada de belicista, de arrastar a Europa para uma guerra que não quer. Se suaviza ou mostra hesitação, é acusada de fraqueza, de complacência, de comprometer a segurança coletiva. Isto revela a mentalidade europeia de fundo: a dificuldade em assumir decisões estratégicas claras. A Europa, habituada a viver sob a proteção americana desde 1945, perdeu o hábito de definir sozinha a sua segurança. Daí que qualquer passo, seja para mais dureza ou mais diplomacia, pareça sempre “errado”.
Há uma ilusão ingénua nas camadas populares europeias que cultivam uma outra metáfora: “Sol na eira e chuva no nabal”. Os cidadãos foram educados, nas décadas de prosperidade, para acreditar que podiam ter segurança sem custos, paz sem defesa, energia barata sem dependências. Esse “otimismo ingénuo” choca agora com a realidade: a segurança exige investimento em defesa, a paz não está garantida, a energia limpa é cara, a globalização tem custos políticos. Esta metáfora traduz a resistência europeia à ideia de sacrifício. A sociedade habituou-se a soluções técnicas que permitiam conciliar tudo, mas a geopolítica atual impõe escolhas duras – algo que os eleitores relutam em aceitar.
E assim se instalou uma crise de confiança com crescimento de populismos nos dois extremos do espectro partidário. O Futuro é percebido como ameaça: clima, guerras, declínio do Ocidente. O resultado é uma espécie de mentalidade paralisada: crítica permanente aos dirigentes, mas recusa em aceitar os custos reais da segurança (mais despesa militar, menos dependência energética, maior risco de confronto). Os líderes nacionais vivem permanentemente sob fogo cruzado: se investem em armamento e apoiam a Ucrânia, são criticados internamente por aumentar riscos e gastos; se hesitam ou defendem negociações, são acusados de fraqueza e de traição à solidariedade europeia. Resultado: decisões a meio caminho, linguagem ambígua, e um apego à ideia de “seguir em bloco” (ninguém quer ser o primeiro a dar um passo arriscado, seja em firmeza ou em cedência). Isto reflete uma liderança defensiva, em que se governa mais pelo cálculo da reação pública imediata do que por estratégia de longo prazo.
Há uma ilusão ingénua nas camadas populares europeias que cultivam uma outra metáfora: “Sol na eira e chuva no nabal”. Os cidadãos foram educados, nas décadas de prosperidade, para acreditar que podiam ter segurança sem custos, paz sem defesa, energia barata sem dependências. Esse “otimismo ingénuo” choca agora com a realidade: a segurança exige investimento em defesa, a paz não está garantida, a energia limpa é cara, a globalização tem custos políticos. Esta metáfora traduz a resistência europeia à ideia de sacrifício. A sociedade habituou-se a soluções técnicas que permitiam conciliar tudo, mas a geopolítica atual impõe escolhas duras – algo que os eleitores relutam em aceitar.
E assim se instalou uma crise de confiança com crescimento de populismos nos dois extremos do espectro partidário. O Futuro é percebido como ameaça: clima, guerras, declínio do Ocidente. O resultado é uma espécie de mentalidade paralisada: crítica permanente aos dirigentes, mas recusa em aceitar os custos reais da segurança (mais despesa militar, menos dependência energética, maior risco de confronto). Os líderes nacionais vivem permanentemente sob fogo cruzado: se investem em armamento e apoiam a Ucrânia, são criticados internamente por aumentar riscos e gastos; se hesitam ou defendem negociações, são acusados de fraqueza e de traição à solidariedade europeia. Resultado: decisões a meio caminho, linguagem ambígua, e um apego à ideia de “seguir em bloco” (ninguém quer ser o primeiro a dar um passo arriscado, seja em firmeza ou em cedência). Isto reflete uma liderança defensiva, em que se governa mais pelo cálculo da reação pública imediata do que por estratégia de longo prazo.

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