quarta-feira, 22 de outubro de 2025

François Rabelais


François Rabelais - de pintor desconhecido

François Rabelais (também conhecido por dois anagramas de seu nome: Alcofribas Nasier ou Serafin Calobarsy - humanista francês do Renascimento - nasceu em La Devinière in Seuilly, perto de Chinon (na antiga província de Touraine), em 1483 ou em 1494, dependendo das fontes; morreu em Paris em 9 de abril de 1553. Eclesiástico cristão, mas anticlerical, é considerado por alguns um livre-pensador com imagem de um bon vivant. As muitas facetas da sua personalidade, incluindo o seu estatuto de médico, não deixam ninguém indiferente, com todas as contradições e polémicas que se lhe possam apontar. Foi apanhado nas grandes turbulências, não apenas políticas, mas também religiosas. Como um humanista da Renascença e da Reforma, Rabelais foi sensível e crítico das grandes questões de seu tempo. Posteriormente, as visões sobre sua vida e obra evoluíram de acordo com os tempos e correntes de pensamento.

Admirador de Erasmo, também um grande mestre da paródia e da sátira, Rabelais lutou pela tolerância, pela paz, pela fé evangélica e pelo retorno ao conhecimento da antiguidade greco-romana, para além das "trevas góticas" que ele acreditava caracterizar a Idade Média. Foi um grande apologista dos clássicos gregos, retomando as teses de Platão para combater os excessos do aristotelismo. Ele atacou os abusos de príncipes e homens da Igreja, e se opôs a eles. Foi, por conseguinte, um intelectual erudito, e ao mesmo tempo evangélico da cultura popular, não abdicando de exprimir o seu lado obsceno, irónico, satírico e humorista. Um verdadeiro "dionisíaco" (no sentido de Baco) marcado pelo gosto do vinho, pelo gosto dos jogos lúbricos, manifestando assim uma fé cristã humilde e aberta, longe de qualquer peso eclesiástico.

Sua acusação aos teólogos da Sorbonne,  e as suas expressões grosseiras, às vezes obscenas, trouxeram-lhe a ira da censura das autoridades religiosas, especialmente após a publicação do Terceiro Livro. Ele compartilhou com o protestantismo a crítica da escolástica e do monaquismo, mas o reformador religioso, João Calvino, também o atacou em 1550. As suas principais obras: Pantagruel (1532) e Gargântua (1534). São um conjunto de crónicas, contos com personagens de gigantes, paródias heróico-cómicas, e romances épicos de cavalaria prefigurando o romance realista, satírico e filosófico. São consideradas as primeiras formas do romance moderno.

Aqui fica um excerto do Gargântua com o título: A invenção dos limpa-cus
Abrilhantado com figuras satíricas desenhadas, que fazem parte do livro - História do Feio - sob direção de Umberto Eco:


«Inventei» – respondeu Gargântua –, «com longas e diligentes experiências, um meio para limpar o cu, o mais nobiliárquico, o mais excelente jamais visto.» «E qual?» - perguntou Grangola. «Isto que vos contarei imediatamente» - respondeu Gargântua. «Tentei limpar-me uma vez com a mascarilha de veludo de uma donzela e verifiquei que andava bem, porque a suavidade da seda me provocava realmente um grande prazer ao assento; outra vez, com um capuz da mesma e com o mesmo resultado; outra vez com uma écharpe de pescoço. Curei-me daquele mal, limpando-me com o barrete de um pajem com uma bela pluma em cima, à tirolesa. Depois, cagando atrás de uma sebe, onde encontrei um gato marçalino, experimentei limpar-me com ele, mas as suas garras ulceraram-me todo o perineu. Disso guareci na manhã seguinte, limpando-me com as luvas da minha mãe, bem perfumadas com benjoim. Depois limpei-me com a sálvia, o funcho, o anis, a manjerona, as rosas, as folhas de abóbora, de beterraba, de couve, de videira, de malva, de verbena (que é como o bâton do cu), de alface e com as folhas de espinafres – tudo coisa que me fizeram um grande bem aos calos! – e, depois, com a erva mercurial, a erva pessegueira, as urtigas e a consolda; mas veio-me a caganeira dos Lombardos, de que me curei limpado-me com a braguilha. «Bem» - disse Grangola «mas que limpa cus te pareceu melhor?

«Em conclusão, afirmo que sustento que não há melhor limpa-cus que uma papoula bem plumada, desde que se tenha o cuidado de manter a sua cabeça no meio das pernas. E podeis crer, dou-vos a minha palavra! Porque sentireis no buraco do cu uma voluptuosidade maravilhosa, tanto pela suavidade das suas plúmulas com pelo temperado calor natural da papoula que facilmente se comunica à tripa cegueira, e, depois, aos outros intestinos, subindo até à região do coração e do cérebro. Gostaria que acreditasses que a beatitude dos heróis e semideuses que moram nos Campos Elíseos, não já o asfódelo ou na ambrósia ou no néctar como contam as velhinhas; mas, parece-me, em limparem sempre o cu com uma papoula, o que também é opinião do nosso João Escoto.»

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