Muitas vezes, o padrão que se observa é este: Primeira geração (o fundador) – o homem (ou a mulher) que constrói o património, normalmente com esforço pessoal, sacrifício e uma mentalidade de risco e trabalho duro. Segunda geração (os filhos) – crescem já num ambiente de maior conforto. Podem herdar o negócio ou o património, mas muitas vezes não têm o mesmo impulso, porque não sentiram na pele a luta inicial. Há um risco de dispersão, má gestão ou até de afastamento do espírito empreendedor. Terceira geração (os netos) – por vezes, retomam o valor do legado, inspirados pela figura do avô. Eles podem olhar para trás com mais distância, ver o “mito fundador” e sentir orgulho, tentando reconstruir ou perpetuar o que foi deixado. Ou seja: os netos são, muitas vezes, mais determinantes que os filhos na continuidade ou na transformação do património.
Entre máximas e ditados, há este: “Pai rico, filho nobre, neto pobre” (ou variantes). A ideia é que a riqueza construída numa geração pode ser dissipada na seguinte, mas os netos, tendo perdido, voltam a valorizar a herança ou a história do avô. Claro que isto não é uma regra universal. Em muitas famílias, são os filhos que continuam com sucesso. Mas, estatisticamente, há vários estudos em sociologia e economia familiar que mostram essa tendência de erosão patrimonial ao longo de gerações. O que faz com que os netos muitas vezes assumam um papel de “reconstrução” ou de “restauração da memória”.
A famosa frase inglesa “Shirtsleeves to shirtsleeves in three generations” (das mangas de camisa para as mangas de camisa em três gerações) traduz exatamente isso: o fundador enriquece, os filhos desfrutam, e os netos podem acabar por perder. Nos EUA, famílias industriais do século XIX (como os Vanderbilt) viram parte da fortuna dissipar-se rapidamente nos filhos, mas alguns netos procuraram restaurar prestígio ou reinventar-se em áreas culturais e sociais. Muitos títulos nobiliárquicos tinham património que os filhos imediatos geriam mal, sobretudo quando viviam no luxo das cortes. Vários netos, ao herdarem ruínas financeiras, voltavam a casar estrategicamente ou a empreender para recompor a herança. No Japão existe o mesmo provérbio: “Rice paddies to rice paddies in three generations” (arrozal a arrozal em três gerações). Alguns netos, após dissipação pelos filhos, retomavam as terras ou reinventavam o negócio, honrando o avô.
Estudos económicos mostram que 70% das fortunas familiares desaparecem na segunda geração e 90% até à terceira. Fonte: pesquisas de consultoras como Williams Group Wealth Consultancy e UBS. Os filhos tendem a estar “demasiado próximos” do esforço do pai para valorizarem ou sentirem a necessidade de replicar. Já os netos, que olham o avô como herói fundador, muitas vezes sentem-se compelidos a “honrar o legado”. No Douro, os séculos XVIII e XIX viram o nascimento dos principais fundadores do negócio do Vinho do Porto tendo criado boas fortunas. Mas, alguns filhos a seguir, dissiparam parte dos ganhos. Foi sobretudo já no século XX que vários netos reestruturaram as casas vinícolas e transformaram-nas em marcas globais de prestígio. Hoje, muitos descendentes já não vivem só da herança, mas de negócios reconstruídos pelos netos e bisnetos.
Soares dos Reis, Borges & Irmão (ourivesaria e banca) – os filhos muitas vezes não tinham o mesmo talento do fundador, mas os netos tentavam reerguer negócios ou consolidar propriedades rurais. Famílias agrícolas do Alentejo – durante o século XIX e início do XX, muitos grandes proprietários fundaram casas agrícolas prósperas. Os filhos, vivendo mais de rendas, pouco inovaram. Foram os netos, já em pleno século XX, que, perante crises agrícolas, buscaram novas estratégias (como turismo rural ou diversificação de culturas). Ramos Pinto – fundada em 1880. Após o esplendor inicial, foram sobretudo os descendentes das gerações seguintes (netos incluídos) que internacionalizaram a marca e preservaram o prestígio.
D. Antónia Ferreira (“Ferreirinha”), no século XIX, consolidou uma fortuna imensa no Douro. Os filhos usufruíram, mas parte da gestão tornou-se complicada. Foram os netos e bisnetos que reorganizaram os negócios e deram continuidade, transformando a marca num ícone até à sua aquisição por grupos maiores (hoje é da Sogrape).
O Fundador (1ª geração): D. Antónia Adelaide Ferreira (1811–1896) herdou vinhas no Douro e transformou-se na maior empresária do Vinho do Porto do século XIX. Resistiu à filoxera (praga que devastou vinhas), modernizou práticas agrícolas, apoiou viticultores endividados e construiu um verdadeiro império vinícola. Os Filhos (2ª geração): Herdaram o património, mas não tinham a visão empreendedora da mãe. A gestão fragmentou-se e parte da energia criativa perdeu-se. Alguns viviam mais de rendas do que da inovação. Os Netos (3ª geração): Já em pleno século XX, os descendentes reorganizaram os negócios. Criaram sociedades modernas e abriram o vinho Ferreira ao mercado internacional. Mantiveram o prestígio da marca até ela ser integrada na Sogrape (1987).
O Fundador (1ª geração): José Maria do Espírito Santo e Silva (1835–1915) abriu em Lisboa a Casa Bancária Espírito Santo Silva. Em pouco tempo tornou-se um dos mais importantes banqueiros do país. Legado: solidez bancária + prestígio burguês. Os Filhos (2ª geração): Deram continuidade ao banco, mas sobretudo consolidaram o que o pai já tinha feito. Não foram tão visionários quanto ele. O banco cresceu, mas ainda num modelo clássico e relativamente conservador. Os Netos (3ª geração): Aqui houve expansão brutal: Criaram o Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa (1920). Tornaram-se o maior grupo financeiro privado de Portugal. Nos anos 70 já tinham ramificações em seguros, imobiliário e internacionalização. Curiosamente, no século XXI, foi também uma geração de descendentes (Ricardo Salgado, bisneto do fundador) que acabou envolvida na derrocada do BES em 2014. → Mostra como os netos podem tanto reerguer como arruinar um legado.
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