quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

O tema da integração de minorias



O tema da integração de minorias passa por uma pergunta: Como ser muçulmano na Europa por parte dos imigrantes que depois da crise petrolífera de 1973 se recusaram a voltar para casa? A crise petrolífera de 1973 teve início em outubro de 1973 quando os membros da Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo (OPAEP), que compreende os membros árabes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), além de Egito e Síria, proclamaram um embargo petrolífero. O embargo foi direcionado às nações que eram vistas como apoiantes de Israel durante a Guerra do Yom Kippur. O embargo causou uma crise, ou "choque" de petróleo, com muitos efeitos, de curto ou longo prazo, na política e economia global. Mais tarde, foi chamada o "primeiro choque do petróleo", seguido pela crise do petróleo de 1979, chamada o "segundo choque do petróleo."
Doravante, os muçulmanos passariam de transeuntes em diásporas mais ou menos permanentes. Colocou-se, com isto, o dilema entre a separação e a assimilação – que continua marcando até hoje, de forma cada vez mais aguda, a segunda geração de muçulmanos europeus.

Para discutir as opções e as respostas escolhidas, é útil manter em mente três factos. O primeiro é que a maior parte dos muçulmanos veio de países com maioria muçulmana: a experiência de ser uma minoria era, portanto, não só pouco familiar como também, em princípio, ilegítima; o islão diferencia o Dar al-Islam do Dar al-harb, sendo naturalmente o lugar dos muçulmanos, segundo a tradição islâmica, a “Casa do islão”. Houve discussões se muçulmanos podiam cumprir seus deveres religiosos num país não muçulmano. Tal migração de muçulmanos para áreas não muçulmanas já havia ocorrido em várias outras ocasiões, mas quase sempre para sociedades menos desenvolvidas (como a África negra e o sudeste asiático). Agora eles eram o elemento mais fraco na sociedade que historicamente lhes fora a mais hostil. Para a segunda geração, porém, a situação de diáspora era natural, sentindo-se muito mais à vontade no Ocidente do que seus pais.

O segundo facto é que não havia realmente uma comunidade muçulmana, mas sim um aglomerado muito fragmentado de indivíduos e famílias que pertenciam a uma grande variedade de etnias. Fora do islão, marroquinos, turcos e somalis tinham pouco em comum. A auto-organização, quando e onde ocorreu, concentrou-se inicialmente entre compatriotas. Na segunda geração, as divisões são mais ténues e os contactos entre muçulmanos de diferentes origens têm se intensificado – muitas vezes por meio da língua do país de acolhimento. É mais justo falar de uma comunidade muçulmana europeia hoje do que há uma geração. O terceiro elemento é a pobreza. A grande maioria dos muçulmanos europeus são marginalizados que sofrem de discriminação, estando concentrados nas camadas mais desfavorecidas – o que adiciona o antagonismo cultural à concorrência com os trabalhadores nativos. Como eles vieram de sociedades autoritárias onde não integravam a elite, não tinham a tradição de auto-organização.

Quando o líder fundamentalista paquistanês Mawdudi visitou a Inglaterra ficou, como o egípcio Sayyd Qutb nos EUA, escandalizado com a “decadência” ocidental que encontrou, vendo neste aspecto um perigo para os muçulmanos. Sua receita militante aconselhava o combate e uma máxima separação com a sociedade decadente, além da volta ao Dar-al Islam. Outros foram menos extremos: aceitavam a crítica à civilização ocidental permissiva, mas viam no enfraquecimento dos laços de família, da solidariedade social e do autocontrolo no Ocidente uma oportunidade para mostrar a superioridade do islão enquanto modelo alternativo. Afinal, propagar o islão faz parte da religião, e a sorte que jogara os fiéis num meio “ignorante” providenciava também uma chance para criticar, propagar e converter – se não abertamente, pelo menos pela prática da fé. A ordem do dia seria então a de construir dentro da Europa uma justa “sociedade alternativa” islâmica. Além disto, muitos muçulmanos, oprimidos no Médio Oriente e discriminados na Europa, buscavam no tradicionalismo algo conhecido e confortante, sem se preocupar com a teologia.

Nos anos 90, uma nova geração havia absorvido muitos modelos ocidentais. A nova geração tem que achar um meio termo entre as tradições ancestrais e as demandas da vida moderna. Os problemas são particularmente severos para as filhas, como a liberdade de escolha do parceiro matrimonial e da carreira profissional independente. Contudo, as promessas de modernidade atraem muitos. Já existe em certos lugares uma classe média muçulmana mais liberal, mas ainda é minoritária. A questão é saber se o islão na Europa arriscaria se tornar uma “religião secular”. Existem também apelos para superar o dilema e evitar os extremos da separação e assimilação. Contudo, o número de intelectuais muçulmanos que defendem a ideia de um islão tipicamente europeu, reformista e tolerante, é ainda pequeno. Tariq Ramadan, professor em Genebra, é um deles.

Para a maioria dos muçulmanos que socializa primariamente dentro do próprio grupo muçulmano, a questão de um islão liberal não se coloca. Ao contrário, a alienação está empurrando alguns a se tornarem mais islâmicos, como sinal de diferenciação. Simultaneamente alienados da comunidade original, mas não aceites pela sociedade hospedeira, cada vez mais jovens muçulmanos encontram refúgio na religião ancestral: a visita à mesquita, a volta às rezas regulares, a insistência na comida halal, o jejum no ramadão. Práticas retomadas com o objetivo de criar um “espaço puro”. A autoimposição das regras islâmicas no seio de uma sociedade mal preparada para tal implica sacrifícios visíveis e até o risco da autossegregação que os não crentes podem sentir como provocação.

Os muçulmanos improvisam suas mesquitas que nem sempre têm a forma arquitetónica reconhecível com cúpula e minaretes. Qualquer lugar pode ser adequado – ou como Maomé dizia: “O mundo inteiro é uma mesquita”. Em muitos casos, os Estados de origem ajudam no estabelecimento de mesquitas, organizações e educação religiosas, mas também tentam manter o controlo sobre seus nacionais com os amicales, clubes sociais infiltrados com a conivência europeia. Movimentos fundamentalistas tais como a Irmandade Muçulmana egípcia e a Jama’at-i Islami paquistanesa também estabeleceram ramos na Europa convertendo uma certa porção dos imigrantes à sua concepção. A Arábia Saudita tem apoiado instituições islâmicas de cunho conservador na Europa e em outras regiões como a Turquia. 

Tem sido justamente o comportamento dos jovens muçulmanos, e a sua convivência com os outros alunos, que têm levado a conflitos. Em certos países, escolas públicas providenciam aulas religiosas onde jovens muçulmanos têm oportunidade, apesar de nem sempre haver professores aptos a ensinar o islão na língua do país. Coloca-se então o problema da formação de professores qualificados, e do conteúdo e da metodologia do ensino religioso. Professores formados na Arábia Saudita, por exemplo, voltam para a Europa doutrinados por uma visão fundamentalista, pregando um islão em total oposição ao Ocidente e à cultura onde seus alunos moram. O currículo de professores formados na Turquia ou Marrocos pode esconder mensagens tanto nacionalistas quanto fundamentalistas, que não necessariamente agradam ao Estado ocidental onde eles lecionam. As precondições para formar professores nos próprios países ocidentais, por outro lado, ainda não estão maduras, e os formados ali arriscam-se à reprovação pelos países maioritariamente muçulmanos.

Os problemas nas escolas exemplificam os desafios que os muçulmanos enfrentam, que vão desde a liberdade para preparar a comida halal (ritualmente purificada), à reivindicação de tal comida nas cantinas para funcionários públicos muçulmanos, passando ainda pelos problemas dos enterros muçulmanos (com mortalha). Tais disputas ocorrem frequentemente em âmbito local e nos levam à questão mais ampla das relações entre maioria e minoria. Os estatutos jurídicos variam, naturalmente, de país a país.

Paralelamente à reação dentro das comunidades muçulmanas, que varia entre assimilação e autossegregação, pode-se distinguir na sociedade anfitriã um espectro que se estende entre dois extremos: a integração e a rejeição. A integração preconiza de certa forma a “europeização” dos muçulmanos. O ponto de partida é a compatibilidade – mediante certas acomodações mútuas. Do lado europeu, ele tem sua origem em três grupos: (1) a academia e a maioria dos intelectuais da esquerda que, imbuídos de valores universalistas, de simpatias pelo terceiro mundo e de sentimentos de culpa pela exploração colonial, quer “compensar” os pecados passados; (2) as Igrejas cristãs, inspiradas por motivos semelhantes, além do ecumenismo que caminha para o diálogo cristão-judaico-islâmico; (3) as burocracias vinculadas aos aparelhos estatais de educação e assistência social, que promovem a integração por motivos de eficiência governamental e para prevenir problemas futuros.

Igrejas que se esvaziam cedem espaço para mesquitas; o Estado subvenciona organismos muçulmanos. As políticas de integração diferem em cada país, mas caminham rumo à auto-organização dos muçulmanos – a ideia é de que instituições representativas da comunidade muçulmana possam servir às autoridades como interlocutores com esta. Por isso, os proponentes da integração buscam (e obtêm) a cooperação de elementos “esclarecidos” dentro do islão europeu, em geral muçulmanos instruídos e parcialmente secularizados da segunda geração, que sabem articular as queixas e reivindicações da sua comunidade – como direitos religiosos, deportações, luta contra o racismo, entre outras – e que se candidatam a ser a sua nova elite. Observa-se, portanto, a institucionalização “oficial” das comunidades muçulmanas, processo que se acompanha da entrada de muçulmanos na vida pública e política: ali eles constituem um lobby em prol dos interesses de sua comunidade, mas também enriquecem a sociedade em geral com sua contribuição específica.

A questão não é apenas como a imigração moldará o islão da minoria muçulmana, mas também como a civilização ocidental mudará sob a influência da implantação muçulmana em seu seio. É aí que predominam as resistências. O elemento da rejeição, na verdade, tem sido mais forte que o da integração. 
O francês Alain Gresh cunhou o termo “islamofobia” para definir o conjunto de atitudes negativas frente ao islão. Tais atitudes, certamente são anteriores ao atual encontro com o islão, e mesmo à época imperialista, remontam pelo menos ao tempo das Cruzadas e Reconquista. Na Europa se desenvolve mais a xenofobia demográfica – fomentada ainda pela crise económica. A rejeição começou com as objeções mal articuladas das classes nativas pobres em contacto direto com os recém-chegados – os muçulmanos “se vestem diferente”, “oprimem suas mulheres”, têm costumes religiosos “primitivos”. Mais do que o islão, são os muçulmanos que são vistos como ameaça; a rejeição se mistura a preconceitos étnicos e racistas e à competição pelo emprego. Posteriormente, desde o final dos anos 80, a islamofobia é utilizada por políticos populistas da extrema direita e se expressa antes como choque civilizacional. Doravante, a impossibilidade da coexistência se “comprova” pela “explosão demográfica” dos muçulmanos.

À suposta incompatibilidade cultural surge a preocupação com a segurança e a crescente lista de violência perpetrada por (ou atribuídas a) fundamentalistas muçulmanos e, por associação, a seus correligionários na Europa. Reforça-se o discurso da “hostilidade histórica”. Citações de Qutb ou Osama bin Laden que afirmam serem os muçulmanos o novo desafio ao Ocidente facilmente comprovam o choque inevitável: abre-se um ciclo vicioso de reforço recíproco entre a propaganda islamista e a anti-islâmica. A insistência no hijab nas escolas públicas francesas, a luta em prol da proibição do livro de Salman Rushdie, foram contributos negativos. Em seguida, o provável envolvimento em atos de terror de pequenos grupos islamistas dentro do islão europeu completou a imagem negativa, ainda muito mais ameaçadora.


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