domingo, 3 de dezembro de 2023

À procura de Yehudah Halevi em Toledo



Yehudah ben Samuel Halevi foi um filósofo e médico judeu nascido em Tudela (Toledo), entre 1070 e 1075, e sepultado em Jerusalém em 1141. Rapaz ainda, para chegar à Andaluzia teve de atravessar Castela, donde lhe veio o amor pela língua castelhana. De Córdoba deslocou-se a Granada, onde Moisés ibne Esdras ocupava um posto importante e o mandou chamar. Os distúrbios políticos do Andalus obrigaram-no a voltar à Castela cristã, assentando-se em Toledo, no tempo de Afonso VI, tornando-se médico. Mas onde ele se tornou famoso foi na poesia.



Estátua de Yehudah ben Samuel Halevi no Museu Ralli - Casarea, Israel

O Museu Ralli é um museu em Casarea, Israel, construído em 2007, inteiramente dedicado aos judeus sefarditas que se notabilizaram durante a Idade de Ouro dos judeus na Península Ibérica.

Na sua estadia em Toledo, escreveu uma série de poemas profanos escritos em hebraico, nos quais fez um canto à amizade, ao amor e à natureza. Nesta obra incluiu também poemas religiosos, os quais posteriormente seriam empregues na liturgia judaica, nos quais expressa o seu anseio de Deus e Sião e a sua esperança na redenção messiânica do povo judeu. Escreveu também o Livro do Kazar, diálogo em árabe no que explica o judaísmo a um converso. Após 1108 parece ter voltado para Córdoba, quando o poderio almorávida se desmoronava. Apesar da situação pouco segura dos judeus, não quis regressar a Toledo, onde exercera medicina. Assim, o mais tardar em 1145, partiu para Jerusalém. A ideia de Yehudah assaltado e morto por um bandido às portas de Jerusalém enquanto recitava uma "sionida" não é mais que uma bela lenda. Para termos uma ideia da vida misteriosa que foi a deste médico poeta, é que uns dizem que morreu em 1161, outros em 1178. Não sendo de excluir uma data qualquer entre esses dois limites.

Vou à procura dele em Toledo, e a agência de turismo, perto da majestosa e imponente catedral, parece ansiosa por me encaminhar para as duas sinagogas restauradas da cidade. Numa delas é onde está o Museu Sefardita. Pelo caminho passamos por uma série de cafés ou pastelarias cujo aroma nos convida a entrar. O Café de la Judería oferece-nos uma sanduíche de jamón iberico y queso. As sinagogas ainda são chamadas, de forma incongruente, mas inevitável, pelos seus nomes de batismo: Sinagoga de Santa Maria la Blanca; Sinagoga de El Trânsito.



Sinagoga de Santa Maria la Blanca - Toledo

Sinagoga construída de raiz no século XII, é mudéjar. No tempo do Califado Almóada foi demolida várias vezes. Hoje não se podia imaginar uma sinagoga mais parecida com uma mesquita. Arcadas de colunas encimadas por arcos em ferradura e rematadas com capitéis decorados com pinhas e folhagens entrelaçadas. Essa floresta de arcos e colunas é iluminada por janelinhas circulares e luminárias mouriscas pendentes. Na segunda metade do século XV foi transformada em igreja pela Ordem de Calatrava.

Os dados sobre a vida de Yehudah Halevi são difusos. Terá passado pela cultura da taifa de Saragoça, onde pontuavam nomes como Ibn Gabirol, ou Bahya ibn Paquda. Tendo sido discípulo de Isaque Alfaci, um dos mais famosos talmudistas do al Andaluz, conhecia em profundidade o Talmude. Na sua estadia em Toledo escreveu um Divã, uma antologia de poemas profanos escritos em  hebraico. Yehudah é o criador do género "sionida", poesia geralmente de modo cassida, na que manifesta um ardente desejo de se encontrar em Jerusalém. Cultivou também um género já existente, o da ahabah ou amor entre Deus, amante esposo, e do povo eleito, a amada como uma réplica do Cântico dos Cânticos. Entre outras poesias de caráter religioso, figuram também lamentos pelo desterro, geulah, e os hinos de louvor ao Criador. Nesse tipo de poesia sobressaíra Selomoh ibn Gabirol com a sua "Coroa real" (Kéter Malkut), imbuída de filosofia neoplatónica com conhecimentos de astronomia. O desapego pela filosofia está patente na sua obra apologética intitulada Kuzari, dedicada ao rei dos Cazares, numa diatribe de crenças entre um filósofo, um cristão, um muçulmano, e um judeu. O objetivo é no final ver quem consegue convencer o rei.



Sinagoga de Samuel ha Levi (del Trânsito) e Museu Sefardita - Toledo

Para Yehudah a prova da verdade da religião judaica não fica em razões filosóficas, mas nos factos históricos da Revelação e os milagres feitos por Deus ao povo judeu, que possui a força divina impressa por Deus a Adão e que se foi transmitindo a um só homem de cada geração até chegar ao patriarca Jacó, que a transmitiu a todos os seus descendentes. Esta teoria era de origem muçulmana, não judaica, embora já fosse utilizada por Abraão bar Hiyya. Para os muçulmanos, a luz divina transmitiu-se de geração em geração até chegar a Maomé. Em última instância, o fundamento está na filosofia neoplatónica que defendia a emanação de substâncias espirituais diretamente do Uno. Kuzari foi escrito em árabe com o título de "Livro da prova e do fundamento sobre a defesa da religião desprezada", traduzido depois para o hebraico por Yehuda ibn Tibbon. Responde ao ambiente polémico religioso medieval e é uma defesa da religião judaica, um canto da sua excelência sobre as demais, às que reconhece também coisas boas.




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