sábado, 30 de dezembro de 2023

O Mar Báltico e as suas guerras



O Báltico é um mar setentrional, de um azul brilhante sob a luz do sol, cinza turvo sob a neblina e a chuva, e dourado intenso ao pôr do sol, quando o mundo se transforma no verdadeiro âmbar que só pode ser encontrado nessas encostas. Nas costas ao norte, o Báltico é adornado por florestas de pinheiros, fiordes de granito vermelho, praias de seixos e uma miríade de ilhas minúsculas. A costa sul é mais delicada: lá, um litoral esverdeado é recordado por praias de areia branca, dunas, pântanos e falésias baixas e cobertas de lama. As longas extensões, habitadas por cardumes e tomadas por areia, abrem espaço para lagoas rasas, com vinte quilómetros de largura e oitenta de extensão. Apesar de as terras serem pantanosas e planas, quatro rios históricos correm para o mar: Neva, Duína, Vístula e Oder, todos lançando água doce no oceano, o que faz a corrente predominante ser para fora do Báltico. Por esse motivo, é difícil a água salgada entrar no Báltico e não há correntes em Riga, Estocolmo ou na foz do Neva.

É a falta de sal que permite a criação do gelo. O inverno chega ao Báltico no final de outubro com fortes geadas e flocos de neve à noite. Em outubro, nos tempos de navegação, navios estrangeiros deixavam o local, descendo pelo Báltico, os cascos cheios de ferro e cobre, os deques carregados de enormes quantidades de madeira. Os capitães nativos do Báltico manobravam seus navios em direção ao porto, esvaziavam-nos e deixavam os cascos presos no gelo até a primavera. Com o início de novembro, a água nas baías e nas angras já estava coberta com uma fina camada de gelo. Ao final do mês, Kronstadt e São Petersburgo já estavam congeladas; em dezembro, o mesmo acontecia com Talim e Estocolmo. O mar aberto não congelava, mas o gelo que se soltava e os frequentes temporais dificultavam a navegação. O pequeno canal entre Suécia e Dinamarca com frequência se enchia do gelo solto, e, em alguns invernos, ficava totalmente congelado.

A primavera faz o gelo derreter e a vida retornar, mais uma vez, ao Báltico. Nos tempos de Pedro, frotas de mercadores começavam a chegar de Amesterdão e de Londres. Manobravam pelo canal de menos de cinco quilómetros de extensão, passando entre colinas baixas e o famoso castelo de Helsingor a estibordo e os penhascos da costa sueca, próximos ao porto, a bombordo. Em junho, o Báltico se via tomado por velas: navios mercantes holandeses, com a água da cor do cobalto ricocheteando contra suas proas arredondadas e o vento abrindo as enormes velas, misturavam-se aos cascos fortes de carvalho de embarcações inglesas enviadas para buscar mastros e longarinas, alcatrão e terebintina, resinas, óleos e linho para velas, sem os quais a Marinha Real não conseguiria sobreviver. Ao longo do curto verão setentrional, sob o brilhante céu azul, navios cruzavam o Báltico, ancorando nos portos dos cais. Na encosta, os capitães ceavam com mercadores, enquanto os marinheiros bebiam nos bares.

Governadas pelos cavaleiros da Ordem Teutônica e posteriormente por uma aristocracia alemã, constituintes da Liga Hanseática e da Igreja Luterana, as cidades mantiveram a sua independência cultural e religiosa, mesmo depois de o exército de Pedro ter marchado de Poltava, capturando Riga, e anexar essas províncias ao império russo por duzentos anos. Desde a costa mais meridional do Báltico até ao Círculo Polar Ártico, a Suécia se estende ao longo de mais de 1.500 Km. Trata-se de uma região de pinheiros e bétulas, com 96 mil lagos, neve e gelo. Como no norte da Rússia, os verões são curtos e frescos. O gelo se forma em novembro e derrete em abril, e o país então passa por apenas cinco meses sem geadas. É uma terra fria, severa e bela, que criou uma raça de pessoas duras e resignadas.

No século XVII, Estocolmo tornou-se um importante porto comercial. Mercadores holandeses e ingleses chegavam aos montes, ancorando no cais para carregar seus navios com ferro e cobre suecos. Conforme as docas, os estaleiros, os mercados e as instituições bancárias cresciam, a cidade expandia-se para outras ilhas. Com o aumento da riqueza, as torres das igrejas e os telhados das construções públicas passaram a ser banhadas em cobre, o que lhes dava um brilho alaranjado quando tocados pelos raios do pôr do sol. Os gostos luxuosos de Versalhes chegaram aos palácios e mansões da nobreza da cidade. Navios que partiam da Suécia carregando ferro retornavam de Amesterdão e Londres com móveis de nogueira ingleses, cadeiras douradas francesas, porcelana de Delft da Holanda, artigos de vidro italianos e alemães, papéis de parede dourados, tapetes, tecidos e intrincados talheres de prata.

O século XVII foi a era de grandeza da Suécia. Desde a ascensão, aos dezesseis anos, de Gustavo Adolfo, em 1611, até à morte de Carlos XII, em 1718, o país esteve no auge de sua história imperial, cobrindo toda a costa norte do Báltico e os principais territórios ao longo da costa sul. Isso incluía toda a Finlândia e também Carélia, Estónia, Ingria e Livónia, envolvendo, assim, toda a área ao redor do Golfo da Bótnia e do Golfo da Finlândia. A Suécia detinha o controlo da Pomerânia ocidental e dos portos de Estetino, Stralsund e Wismar, na costa da Alemanha do Norte. Governava os bispados de Bremen e Verden, a oeste da península dinamarquesa, dando acesso ao Mar do Norte. E também controlava a maioria das ilhas do Báltico.

O comércio era ainda mais importante do que os territórios. Aqui, a supremacia sueca era assegurada pela instalação da bandeira azul e amarela na foz de todos os rios – com a exceção de um – que corriam para o Báltico: o Neva, na cabeça do Golfo da Finlândia; o Duína, que encontrava o mar na região pantanosa próxima a Riga; e o Oder, que alcançava o Báltico em Estetino. Somente a foz do Vístula, que corria para o norte, atravessando a Polónia e desembocando no Báltico em Gdánsk, não era sueca. O facto de esses vastos territórios serem posse de uma coroa cuja população mal ultrapassava 1,5 milhão de habitantes era uma conquista dos grandes comandantes e fortes soldados suecos. 
O primeiro e maior deles foi Gustavo Adolfo, o Leão do Norte, salvador da causa protestante na Alemanha, cujas campanhas o levaram até ao Danúbio, tendo sido assassinado aos 38 anos enquanto guiava uma carga de cavalaria.

A Guerra dos Trinta Anos terminou com a Paz de Vestfália, recompensando com abundância os esforços da Suécia. O país conquistou as províncias alemãs que lhe concederam o controlo da foz do Oder, do Weser e do Elba. Essas posses germânicas também resultaram em uma anomalia: a Suécia, Senhora Protestante do Norte, também era parte do Sacro Império Romano e tinha assentos na Dieta Imperial. Mais significativo do que esse poder vazio, todavia, era o acesso à Europa Central que esses territórios concederam à Suécia. Com eles servindo como pontas de lança no continente, os soldados suecos podiam marchar até qualquer ponto da Europa, e isso tornava o país uma força a ser considerada em todos os cálculos de guerra e paz do continente. É claro, do outro lado estava a Rússia. E foi preciso esperar por Pedro, o Grande, para que a Suécia visse ameaçado o seu estatuto de Senhora do Norte.

Na história da Rússia há um tempo que é designado por "Tempo de Dificuldades", que se seguiu à morte de Ivan, o Terrível. A Suécia ocupava um vasto território, circundando o Mar Báltico, que incluía até mesmo Novgorod. Em 1616, a Suécia entregou Novgorod, mas conservou todo o litoral ancorado em fortalezas como Nöteborg (no lago Ladoga), Narva e Riga, mantendo a Rússia isolada do mar. O czar Aleixo tentou reconquistar essas terras, mas viu-se forçado a deixar esse plano de lado. As guerras mais importantes eram com a Polónia, e a Rússia não podia enfrentar Polónia e Suécia simultaneamente. A posse sueca das províncias foi reafirmada pela Paz de Kardis, assinada entre Rússia e Suécia em 1664. A contenda entre Rússia e Suécia pela posse das terras costeiras no Golfo da Finlândia arrastava-se há séculos. A Suécia havia sido inimiga das cidades Estado de Moscovo e Novgorod desde o século XIII. Carélia e Íngria, que se distribuíam a norte e a sul do rio Neva, eram antigas terras russas; o herói russo Alexandre Nevski conquistou o nome Nevski (“de Neva”) ao derrotar os suecos no rio Neva em 1240.

No tempo de Pedro, o Grande, aquelas terras eram russas, e a Rússia estava enfrentando perdas económicas substanciais por falta delas. Pelos portos (em mãos suecas) de Riga, Reval e Narva circulava uma enorme quantidade de comércio russo e, sobre ele, os tributos suecos mostravam-se pesados. Em Viena, quando encontrou o imperador decidido a promover a paz, Pedro compreendeu que não poderia guerrear sozinho contra o Império Otomano, e percebeu que o acesso de seu país ao Mar Negro estava bloqueado. No entanto, ali estava o Báltico, com suas ondas banhando a costa a poucos quilómetros da fronteira russa, e ele poderia funcionar como um acesso direto à Holanda, à Inglaterra e ao Ocidente. Diante da chance de, ao lado da Polónia e da Dinamarca, recuperar esse território por meio de uma guerra contra um rei ainda criança, Pedro achou a tentação irresistível.

Johann Reinhold von Patkul era um patriota sem pátria. Patkul era membro da antiga nobreza da Livónia (atual Letónia e parte da Estónia), a dura descendência alemã dos cavaleiros da Ordem Teutónica, que havia conquistado e mantido sob controlo a Livónia, a Estónia e a Curlândia até meados do século XVI. Depois de severas derrotas infligidas por Ivan, o Terrível, a Ordem Teutónica dissolveu-se e a Livónia caiu nas mãos da Polónia. 
Os livónios, como eram protestantes, buscaram a proteção da Suécia também protestante. Em 1660, depois de uma longa contenda, a Livónia tornou-se província sueca e, como tal, adquiriu seu peso nas questões políticas. Isso incluía a famosa e bastante rejeitada política de “redução” de Carlos XI. Depois da morte prematura de Gustavo Adolfo, a aristocracia sueca rapidamente ganhou mais poder relativo sobre as questões de Estado, tornando-se ao mesmo tempo odiada pelas outras classes da população. 

Com a ascensão de Carlos XI, tanto o novo rei como o Parlamento da Suécia estavam decididos a reduzir a influência da aristocracia, concedendo ao rei poder absoluto. Um meio eficaz consistiu em exigir o retorno à coroa de numerosas terras distribuídas aos nobres para serem administradas. Os nobres haviam começado a tratar essas terras como se fossem suas propriedades hereditárias. Essa “redução”, iniciada em 1680, foi aplicada com severidade implacável não apenas na Suécia, mas em todas as províncias do império, inclusive a Livónia. Essa ordem atingiu a Livónia com mais força porque, apenas dois anos antes, Carlos XI havia solenemente afirmado os direitos dos barões livónios, garantindo com todas as letras que eles não seriam sujeitos a nenhuma “redução” que pudesse vir a ser imposta. Os barões protestaram contra o confisco e enviaram emissários a Estocolmo para defender a sua causa.

Patkul foi um desses emissários. Era um homem culto, falava diversas línguas, escrevia em grego e latim, além de ser um oficial militar experiente. Também tinha temperamento forte, era sério e implacável. Quando ele falava, sua coragem e dedicação feroz à causa o tornavam uma figura imponente e majestosa. Patkul apresentou seu caso com eloquência. O rei reafirmou a redução como uma “necessidade nacional” e declarou que a Livónia não poderia ser tratada de modo diferente do restante reino. Patkul regressou à Livónia e esboçou uma petição feroz, a qual enviou a Estocolmo. O conteúdo foi considerado traição e ele foi condenado à revelia a perder a mão direita e a cabeça. Entretanto, escapou dos oficiais suecos enviados para encarcerá-lo e passou a vagar pela Europa em busca de uma oportunidade de libertar seu país de origem. 

Em outubro de 1698, Patkul chegou secretamente a Varsóvia e passou a persuadir Augusto a tomar a iniciativa de formar uma aliança contra a Suécia. Patkul já havia visitado o rei Frederico IV da Dinamarca e encontrara-o disposto a colaborar. Os dinamarqueses nunca tinham aceitado plenamente a perda do território no sul da Suécia, que lhes fora tirado por Gustavo Adolfo, e estavam ansiosos por instaurar os dias em que o Oresund, o estreito que separa o Báltico do Mar do Norte e a Dinamarca da Suécia, pudesse ser visto como “uma corrente de água que atravessa os domínios do Rei da Dinamarca”. Além disso, os dinamarqueses ressentiam e temiam a presença das tropas suecas em sua fronteira meridional, no território do duque de Holstein-Gottorp.

Augusto mostrou-se intrigado pela proposta de Patkul, especialmente diante da afirmação de que os nobres da Livónia estavam prontos para reconhecê-lo como seu rei hereditário. Para Augusto, isso trazia uma perspectiva interessante. Sua ambição era transformar a coroa eletiva polaca numa coroa hereditária. Ao se apossar da Livónia com tropas saxônicas e entregar a província à nobreza polaca, ele esperava conquistar o apoio dessa nobreza ao reivindicar de modo permanente o trono polaco. Augusto tornou-se ainda mais ansioso sob o feitiço de Patkul. Ao avaliar a possível reação das maiores potências europeias a tal guerra – uma preocupação de Augusto –, Patkul estimou que Áustria, França, Holanda e Inglaterra sem dúvida “fariam barulho intenso por conta de seu comércio, mas provavelmente não agiriam”. Como mais um incentivo a Augusto, Patkul assegurou que a conquista da Livónia seria simples, e até mesmo ofereceu uma descrição exata das fortificações de Riga, cidade que seria o maior objetivo de Augusto.

O resultado dos esforços de Patkul ultrapassou as maiores fantasias: um tratado de ofensiva contra a Suécia foi criado entre Dinamarca e Polónia. Frederico IV deveria libertar as províncias de Schleswig e Holstein das tropas suecas, preparando um ataque pelo estreito na Scania, província mais meridional da Suécia. Entre janeiro e fevereiro de 1700, Augusto deveria estar preparado para colocar as tropas saxónicas em marcha a caminho da Livónia para tentar capturar Riga de surpresa. Assim, as forças suecas acabariam se dividindo em Alemanha do Norte, Báltico superior e sua terra natal e, na ausência de um rei adulto para unir a nação e guiar o exército, esperava-se que o império sueco cedesse rapidamente. Por fim, Patkul propôs que Pedro da Rússia fosse trazido para a guerra como um aliado adicional contra os suecos. Ataques russos a Ingria, na cabeceira do Golfo da Finlândia, distrairiam os suecos. Pedro talvez pudesse oferecer dinheiro, suprimentos e homens para apoiar o cerco saxão em Riga. Nem Patkul, nem os demais envolvidos acreditavam muito na qualidade das tropas russas, porém esperavam que a quantidade de homens compensasse a diferença. “A infantaria russa seria mais bem aproveitada trabalhando nas trincheiras e recebendo tiros do inimigo”, sugeriu Patkul, “ao passo que as tropas do rei [Augusto] poderiam ser preservadas e usadas para cobrir as aproximações”.

Com o nome de Kindler e camuflado num grupo de doze engenheiros saxões contratados pelo czar, Patkul acompanhou o representante pessoal de Augusto, general George von Carlowitz, de Varsóvia a Moscovo para tentar convencer Pedro. Todavia, em Moscovo, os dois conspiradores viram-se numa situação peculiar. Os suecos, sentindo que estavam a ser formadas alianças contra eles, esperavam apaziguar Pedro enviando a Moscovo, no verão de 1699, uma esplêndida embaixada que anunciaria a ascensão do rei Carlos XII e pediria a reafirmação e a renovação de todos os tratados existentes, conforme era costume quando um novo monarca assumia o poder. O esplendor da embaixada sueca tinha como objetivo reparar a afronta que o czar afirmava ter sofrido ao passar por Riga em 1697. Quando a embaixada chegou à fronteira russa, em meados de junho, o tio de Pedro, Lev Naryshkin, recebeu-os polidamente, mas explicou que teriam de esperar o regresso do czar, que estava com a sua frota em Azov.

O regresso de Pedro a Moscovo, no início de outubro, foi um momento dramático. Ele encontrou duas embaixadas à sua espera: a sueca, oficial, pedindo-lhe para reafirmar a existência dos tratados de paz, e a polaca, secreta, de Carlowitz e Patkul, pedindo-lhe para entrar na guerra contra a Suécia. Depois disso, por duas semanas, as duas negociações seguiram lado a lado – as oficiais e indesejáveis, com a Suécia, sendo conduzidas abertamente no Ministério das Relações Exteriores, enquanto as sérias e secretas, com Carlowitz, eram conduzidas pessoalmente por Pedro em Preobrajenskoe, com apenas Teodoro Golovin e um intérprete, Pedro Shafirov, presentes ao lado do czar.

Os suecos estavam cientes da presença de Carlowitz e sabiam que algum tipo de tratado estava sendo discutido, no entanto pensavam tratar-se de um tratado de paz e não suspeitavam nada da verdade. Para evitar levantar suspeitas, os suecos foram recebidos com honras por Pedro, a quem apresentaram uma imagem de corpo inteiro de seu novo rei montado em um cavalo. E, para amparar a fraude, Pedro passou pela formalidade de reafirmar os tratados anteriores com a Suécia, mas, como um leve conforto para sua consciência, evitou beijar a cruz na cerimónia de assinatura. Quando os embaixadores suecos perceberam a omissão e reclamaram, o czar afirmou que já tinha feito um juramento de observar todos os tratados quando chegou ao trono e que era costume russo não repetir esse gesto. Em 24 de novembro, os embaixadores suecos tiveram uma audiência final com o czar. Pedro se saiu muito bem e entregou-lhes uma carta formal por ele escrita, a ser entregue ao rei Carlos XII, confirmando os tratados de paz entre Suécia e Rússia.

Enquanto isso, a missão de Carlowitz e Patkul prosseguia com sucesso. Pedro recebeu Carlowitz (Patkul continuava disfarçado) e leu a carta que ele lhe entregara, mas que provavelmente fora escrita por Patkul. Em troca do apoio do czar na formação de uma aliança, era oferecida a promessa de Augusto de apoiar as exigências russas acerca da reintegração de Íngria e Carélia. Pedro então chamou Heins, embaixador dinamarquês incluído nas negociações secretas, uma vez que a Dinamarca já havia assinado seu tratado de aliança com a Polónia. Heins confirmou a promessa existente na carta. E assim foi: apenas três dias depois da embaixada sueca deixar Moscovo, Pedro assinou um tratado concordando que a Rússia atacaria a Suécia, se possível, em abril de 1700 (o czar cuidadosamente recusou apontar uma data específica). Uma cláusula afirmava que o ataque russo viria apenas após a assinatura de um tratado de paz ou de um armistício entre a Rússia e a Turquia. Uma vez que o acordo foi assinado, Patkul, que até agora permanecia nos bastidores, foi apresentado ao czar. Duas semanas mais tarde, Carlowitz deixou Moscovo a caminho da Saxónia, planeando seguir pela estrada que atravessava Riga e aproveitar a oportunidade para examinar as fortificações da cidade.

Se o czar queria cumprir a promessa feita a Augusto, todo um novo exército precisava ser criado, treinado, equipado e colocado para marchar dentro de três meses. Pedro agiu rápido. Um decreto foi enviado a todos os proprietários de terras – civis ou do clero. Aos civis, foi solicitado que enviassem ao czar um servo como recruta para cada cinquenta servos que possuíssem. Os mosteiros e os demais proprietários de terra eclesiásticos foram mais severamente taxados, devendo enviar um recruta para cada 25 servos. Pedro também buscou voluntários em meio a homens livres da população moscovita, prometendo um bom pagamento: onze rublos por ano, além de uma pensão para bebidas. Todos esses homens receberam ordens para se reunirem em Preobrajenskoe entre dezembro e janeiro e, durante os meses de inverno, uma torrente de recrutas apareceu no local. Vinte e sete novos regimentos de infantaria se formariam nos moldes dos quatro regimentos das Guardas, com entre dois e quatro batalhões cada. Pedro sentia nesta altura quão grande fora a perda de Patrick Gordon. Com a falta da mão experiente do escocês, o czar supervisionava pessoalmente os treinos com a ajuda do general Avtemon Golovin, comandante da Guarda, e do brigadeiro Adam Weide. Enquanto isso, o príncipe Nikita Repnin era enviado para alistar e treinar homens nas cidades ao longo da parte baixa do Volga.

Embora os comandantes das três novas divisões do exército (Golovin, Weide e Repnin) fossem russos, todos os comandantes de regimentos eram estrangeiros. Alguns deles chegaram a ver as ações nas campanhas da Crimeia e de Azov, ao passo que outros haviam sido recentemente contratados no Ocidente. A maior dificuldade de Pedro residia nos antigos oficiais russos, muitos dos quais não sentiam qualquer desejo de entrar em guerra. Para substituir aqueles que foram dispensados, muitos cortesãos acabaram sendo contratados como oficiais. Eles pareciam se adaptar à vida de soldados com tanta rapidez que Pedro exclamou prematuramente: “Por que eu deveria gastar dinheiro com estrangeiros quando meus próprios súbditos podem fazer o trabalho tão bem quanto eles?”. Mais tarde, quase todos os camareiros da corte e outros oficiais palacianos entraram para o exército.

Durante as negociações, em fevereiro de 1700, os rumores de Constantinopla tornaram-se tão ameaçadores que o czar chegou à conclusão de que precisava se preparar para o reinício da guerra com o sultão. Pedro deixou seus regimentos treinando em Preobrajenskoe e seguiu para Voronej, onde trabalhou furiosamente para ajudar a preparar seus navios para a guerra. Perto do fim de abril, na presença de seu filho, de sua irmã e de vários boiardos, ele lançou um navio de 64 canhões, o Predestinação, no qual havia trabalhado com as próprias mãos. Enquanto Pedro estava em Voronej, os aliados no Báltico lançaram os ataques planeados contra a Suécia. Em fevereiro, sem qualquer declaração de guerra, 14.000 soldados saxónios subitamente invadiram a Livónia e estabeleceram um cerco na grande fortaleza de Riga. Os suecos contra-atacaram e os repeliram, matando o general Carlowitz no processo. Pedro sentiu-se enojado, em especial com Augusto; o rei, disse ele, deveria estar na Livónia, liderando pessoalmente as tropas, e não se divertindo com mulheres na Saxónia.

Em março, o segundo dos aliados do czar, Frederico IV, invadiu com 16.000 homens os territórios do duque de Holstein-Gottorp, a sul da Dinamarca, e preparou o cerco à cidade de Tonning. Agora, mais do que nunca, era hora de Pedro mostrar sua força atacando a Ingria. No entanto, as mãos do czar estavam atadas enquanto não recebia notícias de Constantinopla. Durante a primavera, os rumores de preparativos turcos para a guerra tornaram-se tão fortes e perturbadores que Pedro achou necessário reafirmar a boa relação formal com a Suécia. 

Totalmente convencido, Knipercrona, o embaixador da Suécia em Moscovo estava convencido que o czar não pensava lançar qualquer agressão contra a Suécia. A primavera passou. Depois vieram junho e julho, mas nenhuma palavra de Constantinopla chegou. Em quinze de julho, Pedro recebeu um enviado saxão, o major general barão Langen. Augusto, que finalmente se havia unido a seu exército diante de Riga, implorou a Pedro para dar início às operações milhares. Langen reportou: “O czar enviou seus ministros para fora da sala e, com lágrimas nos olhos, afirmou para mim em um holandês dificultoso que sentia muito pela demora em concluir a paz com a Turquia. Finalmente, em oito de agosto, chegaram notícias de Constantinopla. O armistício de trinta anos havia sido assinado em três de julho, e o mensageiro de Ukraintsev, viajando da forma mais rápida possível, chegou a Moscovo com a notícia 36 dias depois.

Finalmente livre para agir, Pedro movimentou-se com enorme velocidade. A paz temporária com a Turquia foi celebrada em Moscovo com uma demonstração extraordinária de fogos de artifício. Na manhã seguinte, a guerra contra a Suécia foi declarada à maneira dos antigos czares moscovitas, da varanda de seus aposentos no Kremlin. “O Grandioso Czar estabeleceu”, afirmava a proclamação, “que, pelos muitos erros do rei sueco, e especialmente porque durante a jornada por Riga ele [o czar] teve de enfrentar obstáculos e dissabores nas mãos dos habitantes da cidade, seus soldados marcharão em guerra a caminho das cidades suecas”. Os objetivos de guerra declarados eram as províncias de Ingria e Carélia, “que, pela Graça de Deus e de acordo com a lei, sempre pertenceram à Rússia e foram perdidas durante o Tempo de Dificuldades”. Naquele mesmo dia, Pedro enviou a Augusto da Polónia uma carta escrita à mão, informando-o do que havia acontecido e declarando: “Esperamos que, com a ajuda de Deus, Sua Majestade não verá nada além de conquistas”.

Assim teve início a Grande Guerra do Norte ou, como Voltaire a chamou, “A Famosa Guerra do Norte”. Durante vinte anos, dois soberanos jovens, Pedro e Carlos, brigariam pela supremacia em um conflito que decidiria o destino de ambos os impérios. Nos primeiros anos, de 1700 a 1709, o czar ficaria na defensiva, preparando a si mesmo, seu exército e seu Estado. Durante esses anos, em meio às tormentas da guerra, a Rússia daria continuidade à sua transformação. Reformas ocorreriam não como resultado de um planeamento meticuloso e de uma execução metódica, mas como uma medida desesperada e apressada ditada pela necessidade de afastar um inimigo implacável. Posteriormente, depois de Poltava, a maré viraria, mas ambos os soberanos continuariam lutando, um deles distraído por e enredado em alianças em grande parte inúteis, o outro ardendo por vingar sua derrota e restaurar seu império em desintegração.


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