quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Painéis do rei Senaqueribe em Nínive






Em 700 a.C., os governantes assírios estabelecidos no norte do Iraque, onde hoje é Mossul, haviam construído um império que se estendia do Irão ao Egito, abrangendo a maior parte do que hoje conhecemos como Médio Oriente. Foi um grande império em extensão territorial, tal como o Persa, produto da prodigiosa máquina de guerra assíria. O coração do império assírio situava-se nas férteis terras próximas do rio Tigre. A localização era perfeita para atividades agrícolas e comerciais, mas não possuía defesas ou fronteiras naturais. Daí que os assírios precisassem de investir em enormes recursos militares, como um exército numeroso para guardar as fronteiras e expandir o território, de forma a manter os possíveis inimigos distantes.

Os Painéis de Nínive, do tempo do rei Senaqueribe, que se encontram hoje no Museu Britânico, narram em pedra um episódio, provavelmente ditado pelo próprio Senaqueribe, das suas conquistas ao rei de Judá - «
Uma vez que Ezequias, rei de Judá, não se rendeu ao meu domínio, voltei-me contra ele e, pela força das armas e pela grandeza de meu poder, tomei 46 de suas cidades fortemente cercadas; das cidades menores espalhadas pela região, tomei e saqueei inúmeras. Desses lugares, capturei 200.156 pessoas, velhos e jovens, homens e mulheres, com cavalos e mulas, burros e camelos, bois e ovelhas, uma multidão incontável.»

Laquis, hoje conhecida como Tell ed-Duweir, a mais de 800 Km a sudoeste do centro do império assírio, mas apenas 40 Km a sudoeste de Jerusalém, localizava-se num ponto estratégico vital para as rotas de comércio que ligavam a Mesopotâmia ao Mediterrâneo e à imensa riqueza do Egito. Em 700 a.C., era uma cidade de colina bastante fortificada; depois de Jerusalém, fora a segunda do reino de Judá a se manter independente dos assírios. Contudo, alguns anos antes de 700 a.C., Ezequias [726-697 a.C.], rei de Judá, rebelou-se contra os assírios. Então o rei Senaqueribe mobilizou o exército imperial assírio, e numa campanha extraordinária, sitiou a cidade de Laquis, liquidou os combatentes e deportou os restantes habitantes. Laquis foi apenas uma entre muitas de uma longa série de guerras assírias. Sua história é particularmente fascinante porque também conhecemos o outro lado, narrado na Bíblia hebraica. O Livro dos Reis nos diz que Ezequias, rei de Judá, recusou-se a pagar o tributo exigido por Senaqueribe: «Assim o Senhor era com ele; para onde quer que saísse prosperava. Rebelou-se contra o rei da Assíria, e recusou servi-lo.» A Bíblia, compreensivelmente, evita mencionar o desagradável facto de que Senaqueribe reagiu tomando de maneira brutal as cidades de Judá até Ezequias ser esmagado, render-se e pagar o tributo exigido.

O retumbante sucesso da campanha assíria está registado nestes entalhes em pedra em relevo superficial, de mais ou menos 2,5 metros de altura. Originalmente estariam num friso contínuo que ia quase do chão ao teto numa sala do palácio de Senaqueribe em Nínive, perto da moderna Mossul, no Iraque. É provável que fossem pintados com cores vivas, porém, mesmo sem cor nos dias atuais, continuam sendo documentos históricos impressionantes. Um elenco composto por milhares de pessoas. A primeira cena mostra a invasão do exército; em seguida, a sangrenta batalha na cidade sitiada, para, mais adiante, passarmos aos mortos, feridos e às colunas de refugiados passivos. Por fim vemos o rei vitorioso, triunfante: Senaqueribe, governante do grande império assírio.

O escultor mostra a campanha de Laquis como uma prática militar executada à perfeição. Ambienta a cidade entre árvores e vinhedos enquanto, abaixo dos soldados assírios, marcham arqueiros e lanceiros. Conforme avançamos pelo friso, ondas de assírios escalam os muros da cidade e acabam dominando seus habitantes. A cena seguinte mostra o resultado da batalha. Os sobreviventes fogem da cidade em chamas, carregando o que podem. Essas filas de pessoas com seus bens terrenos rumo à deportação devem ser uma das primeiras representações de refugiados existentes. Observando-os com mais atenção, é impossível não pensar nos milhões de refugiados e desalojados que essa mesma região tem testemunhado ao longo dos séculos.

As pessoas que vemos no relevo são as vítimas da guerra que pagam o preço pela rebelião de seu governante. Famílias com carroças lotadas de pertences são levadas ao exílio enquanto os soldados assírios carregam seus espólios para o glorificado rei Senaqueribe. Uma inscrição credita a vitória ao próprio rei: «Senaqueribe, rei do mundo, rei da Assíria, sentou-se no trono e assistiu à pilhagem de Laquis, que acontecia diante dele.» Ele governa a cidade saqueada e seus habitantes derrotados como um suserano quase divino, assistindo à deportação dos cidadãos para outra parte do império assírio. Essa prática de deportação em massa era um padrão dos assírios. Eles removiam numerosos grupos de pessoas importunas de sua terra natal e os reassentavam em outras partes do império, até na própria Assíria. A deportação nessa escala devia ser um desafio do ponto de vista logístico, mas o exército assírio passou por tantas campanhas que o deslocamento de pessoas deve ter sido aperfeiçoado ao ponto da eficiência em grande escala.

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