sábado, 23 de dezembro de 2023

Os judeus do Império Cazar




Delimitação máxima do Império Cazar cerca de 800

Os cazares eram um povo turco, nómada, que habitava a região que hoje é a Ucrânia e partes da Rússia entre os séculos VII e XI. Há uma teoria histórica que sugere que, por volta do século VIII, o (líder) dos cazares e muitos de seus seguidores converteram-se ao judaísmo, tornando-se assim a única tribo turca a adotar essa religião. A conversão dos cazares ao judaísmo é um tema histórico complexo e debatido. Não há consenso entre os historiadores sobre a extensão da conversão e suas implicações. Alguns argumentam que foi uma conversão em massa, enquanto outros sugerem que foi uma adoção mais limitada da religião judaica pela elite cazar.

Independentemente disso, é importante notar que a influência judaica entre os cazares não durou muito tempo. No final do século X, o Império Cazar entrou em declínio e foi eventualmente conquistado pelos russos e outros povos vizinhos. O destino exato dos cazares após a queda do império é incerto, e não há uma continuidade clara da comunidade cazar na história subsequente. A história dos judeus no Império Cazar está envolta em alguma controvérsia e falta de detalhes precisos, mas há evidências históricas que sugerem que uma parte da população cazar pode ter adotado o judaísmo em algum momento de sua história.

Dunash ibn Tamim - foi um estudioso judeu do século X, e um pioneiro do estudo científico entre os judeus de língua árabe. Seu nome árabe era أبو سهل Abu Sahl; seu sobrenome, de acordo com uma declaração isolada de Moisés ibn Ezra, era "Al-Shafalgi", talvez após seu (desconhecido) local de nascimento. Outro nome que se refere a ele é Adonim. Seu primeiro nome parece ter sido nativo do norte de África, era comum entre os berberes medievais. O contemporâneo mais jovem de Ibn Tamim, Dunash ben Labrat, por exemplo, nasceu em Fez. Detalhes sobre a vida e as atividades de Ibn Tamim foram coletados principalmente de seu comentário Sefer Yetzirah. Neste comentário, que foi escrito em 955-956 d.C., Saadia Gaon é mencionada como não vivendo mais. O autor refere-se, no entanto, à correspondência que foi levada adiante quando ele tinha cerca de vinte anos de idade entre seu professor, Isaac Israel ben Salomão, e Saadia, antes da chegada deste último à Babilónia, consequentemente antes de 928; daí que Tamim tenha nascido por volta do início do século X.

Como seu professor, ele era médico ordinário na corte dos califas fatímidas de Kairouan, e a um deles, Isma'il ibn al-Ḳa'im al-Manṣur, Tamim dedicou uma obra astronómica, na segunda parte da qual ele revelou os pontos fracos nos princípios da astrologia. Outra de suas obras astronómicas, preparada para Hasdai ben Isaac ibn Shaprut, o estadista judeu de Córdoba, consistia em três partes: (1) a natureza das esferas; (2) cálculos astronómicos; (3) os cursos das estrelas. O autor árabe Ibn Baitar, em seu livro sobre medicamentos simples, cita a seguinte observação interessante sobre a rosa, feita por Ibn Tamim em uma de suas obras medicinais: "Há rosas amarelas, e no Iraque, como estou informado, também rosas negras. A melhor rosa é a persa, que se diz que nunca abre."

Em face de acusações de ser um arabizador, Dunash podia responder que, muito pelo contrário, ele estava tentando substituir o ideal de arabiyya por uma coisa que ninguém, além de Saadia, já apreendera — a yahudiyya, uma língua adequada não só para a entonação de salmos e para a liturgia como também para a filosofia, a poesia e sabe-se lá o que mais. E ele faria isso injetando um sopro de vida nova ao verdadeiro hebraico bíblico, que se tornara árido e mecânico. Arrogante em sua percepção da superioridade intelectual da ciência de Saadia, babilónica, Dunash não tardou a menosprezar os estudos linguísticos de Menahem e, em especial, seu dicionário do hebraico, o Mahberet, com sua ênfase obsessiva em radicais de três letras para absolutamente todas as palavras da Bíblia, o que Dunash tachou de miopia de intelectual.

Hasdai encantou-se com tudo isso e com seu porta-voz jovem e competente. O homem que passara a vida perto da alta cultura árabe e muçulmana deve ter sentido que agora podia aceitar plenamente a elegância de pensamento e de expressão dessa cultura sem de forma alguma comprometer seu judaísmo. Dunash revigorava um hebraico que correra o perigo de se calcificar. Na defensiva, lutando por sua vida profissional, Menahem retorquiu de público que era bem isso que o trabalho de Dunash, de repente na moda, fazia: trair a tradição antiga por um mal disfarçado namoro com o islã. Entretanto, por ser o discípulo predileto de Saadia — um discípulo cujos versos foram descritos pelo mestre como “muito superiores a tudo que já se viu em Israel”, ainda que, ao mesmo tempo, profundamente ortodoxos —, o letrado mais jovem era invulnerável às vergastadas críticas de Menahem.

Ninguém podia, nem remotamente, acusar Saadia, homem muitíssimo religioso e culto, de se abastardar com culturas estrangeiras (embora Dunash viesse a ser acusado exatamente disso), mas sua grande obra, Crenças e opiniões, foi a primeira tentativa, desde Filo de Alexandria, quase um milénio antes, de justificar os princípios essenciais do judaísmo mediante uma análise racional — na realidade, de transformar o método lógico em um sinal da bênção especial de Deus. Cabe destacar que, embora o próprio Saadia fosse um mestre inatacável do Talmude e até o definidor de seu cânone, seu livro retorna à Torá e à Bíblia, talvez como uma resposta direta à nova seita dos caraítas, que, mais ou menos a partir do século IX, rejeitaram por inteiro os comentários e as leis rabínicas. 

A guerra cultural cresceu e se tornou mortífera. Menahem não iria segurar a língua, pois sabia que o inimigo estava decidido a destruí-lo, tal como se o atacasse com um punhal. Hasdai a tudo assistia, apreciando o combate dos gladiadores, depois do qual fez o gesto senhorial de erguer os polegares para Dunash. Diante da recusa de Menahem (e de seus alunos leais) a silenciar, Hasdai mostrou-se pessoalmente ofendido. A guerra em torno do hebraico não era um jogo académico. O velho secretário transgressor foi agredido com violência em sua casa no Shabat, teve os cabelos arrancados pela raiz e foi conduzido ao cárcere — um ponto final selvagem e vingativo para uma carreira longa e leal. Era evidente que não valia a pena pressionar demais o grande Hasdai ibn Shaprut.

Abu Yussuf ibn Shaprut nascido por volta de 915 em Jaén, morreu por volta de 970 em Córdoba. Foi um estudioso judeu, médico, diplomata e patrono da ciência.



Monumento a Hasday ibn Shaprut, situado en la plaza del Rastro de Jaén. Obra del escultor Santiago Cano León, con motivo del XI centenario del nacimiento de ibn Shaprut (2016). Su inscripción reza lo siguiente: La ciudad de Jaén a Hasday ibn Shaprut en el 1100 aniversario de su nacimiento 915-2015.

Foram encontradas umas cartas que deixam claro que houve de facto um contacto epistolar entre judeus de Córdoba e a Cazaria. Escritas em hebraico (o que em si é já algo interessante), o autor identifica-se como judeu cazar, mas, em vez de uma súbita conversão após uma epifania, ele narra uma história mais longa de um “retorno” ao judaísmo. Foi em meados do século VII, quando os bizantinos derrotaram os persas e a política de conversão à força havia sido determinada pelo imperador Heráclio. Judeus de língua grega fugiram de localidades nos Bálcãs e do Reino do Bósforo, sobretudo da cidade de Panticapeia, onde tinham prosperado durante séculos, transpondo o Cáucaso e chegando à segurança da Cazaria, ainda pagã.

 Ali foram bem acolhidos e permaneceram durante muitas gerações, casando-se com pessoas do lugar e, nas palavras de um dos fragmentos, “tornando-se um só povo”. A maioria deles, como tantas vezes acontece, deixou de cumprir à risca os ditames da religião, que se reduziram a pouco mais do que a circuncisão e o Shabat. Entretanto, depois que esses judeus se tornaram plenamente cazares, um deles veio a ser um bek de seus exércitos e, depois de uma vitória particularmente espetacular, tornou-se rei. 

bek, que se tornou conhecido pela palavra melekh, que em hebraico significa “rei”, era talvez o Bulan a que a “resposta” faz referência, e ainda que afastado da religião foi incentivado por sua mulher, Serakh, também de origem judaica, porém mais praticante, a organizar o famoso debate, que pode ter sido um evento histórico de facto. Rolos da Torá descobertos numa caverna semelhante à de Qumran, mas na planície de Tiyul, tornaram-se o meio de instrução. 

Bulan assumiu o nome teofórico de rei Sabriel, fez com que ele próprio e seus nobres fossem circuncidados, importou “sábios” de Bagdade e da Pérsia, construiu sinagogas e um grandioso santuário, além de observar os jejuns e as festas. Chanuká e Pessach, em especial, cercavam-se de tal importância que o bek viajava das planícies a Atil para participar das comemorações. Fica claro pelos fragmentos da Guenizá que as reformas judaizantes alcançaram toda a população (que, de qualquer forma, tinha um núcleo de judeus provenientes da Arménia), e que cerca de seis reis se seguiram a Bulan/ Sabriel, adotando também nomes hebraicos: Obadias, Ezequias, Manassés, Benjamim, Arão e, por fim, José. Todavia, o século que durou a Cazaria judaica talvez não tenha sido bastante longo para criar raízes fortes, capazes de resistir às invasões do Principado de Kiev. Quando isso ocorreu, apenas duas décadas depois da aproximação entre Córdoba e Atil, é impossível dizer que proporção de judeus cazares foi embora e quantos ficaram, adotando as novas religiões.

Se os cazares se achavam à beira do desastre no exato momento em que se tornavam conhecidos pelos judeus do al-Andalus, o mesmo acontecia ao homem cujo conhecimento do hebraico permitira a ligação. Pouco tempo depois da correspondência com os cazares, Hasdai importou de Bagdade um novo e mais jovem luminar do hebraico, Dunash ben Labrat, e logo se viu que não havia espaço, ao mesmo tempo, para Menahem e Dunash no círculo de Hasdai. Seu primeiro nome leva a crer numa origem berbere, e ele nascera em Fez, mas Dunash chegara à maioridade como redator na cidade babilónia de Sura, onde estudara com o famoso letrado Saadia, o Gaon.

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