sábado, 16 de dezembro de 2023

Taça de laca encontrada perto de Pyongyang




Taça de laca no British Museum 

Esta peça extremamente bela e delicada, é provável que tenha sido oferecida pelo imperador Han a um dos seus comandantes militares na Coreia, mais precisamente em Pyongyang por volta do início do primeiro século desta era.

A maneira mais fácil de estabelecer vínculos com alguém, desde sempre, tem sido dar-lhe um presente especial. Um presente que só nós podemos dar e só aquela pessoa é digna de receber. Na China da dinastia Han, dois mil anos atrás, dar presentes imperiais era uma atividade essencial para consolidar influência. Era assim em todo o lado, que líderes de vastos reinos e impérios construíam e mantinham a sua supremacia.

Esta taça vem de um período turbulento da dinastia Han. O imperador enfrentava severa ameaça no centro do poder. Mas, ao mesmo tempo, lutava para manter o controlo na periferia. Os Han, que governavam desde 202 a.C., estenderam o poder da China até ao Vietname, ao sul, até às estepes da Ásia Central, a oeste, e até à Coreia, que naquela altura não fazia diferença a sua extensão até ao Norte. À medida que o comércio e os assentamentos da dinastia lançavam raízes nesses postos avançados, seus governantes adquiriam poder, e havia sempre o risco de que esse poder resultasse em feudos independentes. 

Para os Han era vital a coesão de todo o vasto território. Daí que a lealdade dos governantes ao imperador precisava de ser assegurada. E uma das formas de que o imperador se utilizava para mantê-los na linha era dar-lhes presentes que contivessem imenso prestígio imperial. 

É uma taça muito leve e mais parece uma pequena tigela de servir do que uma taça de vinho — uma tigela que comportasse o equivalente a uma taça de vinho muito grande. A tigela é oval, rasa, de dezessete centímetros de largura, mais ou menos do tamanho e da forma de uma manga. Em cada um dos lados mais longos há asas douradas que dão à taça o nome pelo qual é conhecida: taça de orelha. O núcleo da taça é de madeira, e através dos poucos pontos de desgaste é possível vê-la; mas a maior parte é coberta de camadas de laca de um marrom avermelhado. O interior é desprovido de enfeites, mas o exterior foi decorado com incrustações de ouro e bronze: casais de pássaros, um de frente para o outro, cada qual exibindo garras exageradas, sobre um fundo de formas geométricas e espirais decorativas. O efeito geral é de um objeto caro e cuidadosamente lavrado — dotado de elegância, estilo, confiança. Tudo nela demonstra gosto seguro e opulência controlada.

Fazer um objeto coberto de laca consome uma enorme quantidade de tempo. É um processo muito laborioso e entediante, porque a extração da seiva da árvore da laca é seguida de uma série de procedimentos: misturar pigmentos, deixar curar, aplicar camadas sucessivas numa superfície de madeira até por fim produzir uma peça bonita. Devia envolver vários grupos de artesãos.

A laca de alta qualidade era lisa, brilhante e quase indestrutível. Peças finas como esta requeriam pelo menos trinta camadas, com longos intervalos para secar e endurecer. E a fabricação devia levar mais ou menos um mês. Não é de surpreender, portanto, que fossem desmesuradamente caras; podia-se comprar mais de dez taças de bronze pelo preço de uma de laca. Assim, as taças de laca eram reservadas apenas para a alta administração — os governadores imperiais que controlavam as fronteiras do império.

Naquela época havia o outro império a ocidente, o Império Romano, ambos muito extensos em território. Mas o Império Chinês era muito maior em população. 
Um recenseamento realizado na China, por altura do fabrico desta taça, dá conta de um número admirável e preciso: 57.671.400. O alcance da dinastia Han estendia-se desde o Norte da Coreia até ao Vietname. A circulação de mercadorias, objetos e textos tinham de ser autorizados pelo imperador. Era essa a afirmação simbólica do que significava ser um império. Pode-se não encontrar pessoas que fazem parte do mesmo império, mas pode-se, de facto, diante dos bens produzidos em todo o império, ter a sensação de pertencer em muitos sentidos a essa grande comunidade imaginada.

O imperador gastava uma grande fatia da renda estatal a cada ano para fornecer presentes luxuosos aos Estados aliados e vassalos, incluindo milhares de rolos de seda e centenas de taças de laca. Portanto, esta taça pode ter sido dada como presente imperial ou como salário indireto a um oficial de alta patente das guarnições militares de Han perto da atual Pyongyang na Coreia do Norte. Além do puro valor monetário, destinava-se a conferir prestígio e a sugerir uma ligação pessoal entre o comandante e o imperador. Nessa altura a
 dinastia Han tinha à frente uma imperatriz, já viúva - Grande Imperatriz Viúva Wang, que governou o Estado de facto durante trinta anos.

Na época dos Han, o governo desempenhava papel preponderante na indústria, em parte por causa dos gastos militares para financiar as expedições necessárias contra os agressivos povos do norte e do oeste. O governo nacionalizou algumas das principais indústrias e as regulou por muito tempo, de modo que elas costumavam ser dirigidas por empresários privados, mas sob controlo estatal. Há paralelos modernos aqui, porque o que vimos nas últimas décadas foi a emergência de um sistema híbrido na China, indo de uma economia completamente estatal a um modelo mais orientado para o mercado, e ainda assim firmemente sob direção do governo. Se olharmos onde o capital é investido e qual é a estrutura da propriedade na indústria chinesa, veremos que ainda é em grande parte controlada pelo Estado.

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